Primeiros 100 dias do governo Lula têm balanço positivo para o setor ambiental

Para medir a temperatura da avaliação do governo nestes setores, CartaCapital ouviu Alexandre Saraiva, Rogério Rocco e Márcio Astrini

Os primeiros cem dias do governo Lula na área ambiental são vistos de forma positiva pela maioria das pessoas que atuam no setor. Existe a certeza de que muito resta a fazer para que o Brasil volte de fato a cumprir com suas políticas de meio ambiente tanto no cenário doméstico quanto nos acordos globais de combate às mudanças climáticas.

Ambientalistas, servidores e policiais que atuam no combate aos crimes ambientais avaliam, contudo, que as primeiras sinalizações dadas pelo governo, com destaque para as ações de retirada do garimpo ilegal da Terra Yanomami, apontam para um rumo correto.

Para medir a temperatura da avaliação do governo nestes setores, CartaCapital ouviu Alexandre Saraiva (delegado da Polícia Federal), Rogério Rocco (servidor do ICMBio e ex-superintendente do Ibama no Rio de Janeiro) e Márcio Astrini (secretário-executivo do Observatório do Clima)

CartaCapital: A política ambiental está novamente no rumo certo? Ou ainda não?
Márcio Astrini: O governo Lula começou bem ao tomar uma série de medidas para reverter as facilidades que o governo anterior concedia ao crime ambiental de um modo geral. A questão do garimpo foi emblemática. Pela primeira vez temos um presidente que realmente colocou a questão ambiental no centro do discurso, principalmente no que concerne ao desmatamento. Retirou as doações internacionais do teto de gastos, reativou o Fundo Amazônia e está estudando agora como fazer a regulação dos créditos de carbono, o PPCDAm e a NDC brasileira. Está reestruturando o Ibama, que é um trabalho bastante difícil de ser feito..

Rogério Rocco: Minha avaliação é positiva. A primeira sinalização de um rumo certo foi a escolha de Marina Silva como ministra. Logo de cara, foram revogados alguns decretos de desmonte da política ambiental, o Conama foi retomado com todas as garantias para a participação ampla da sociedade, houve as primeiras ofensivas de combate ao crime organizado que se generalizou na Amazônia. Essas ações já dão os primeiros sinais do que será essa gestão. Lula tem expressado com muito domínio a a importância estratégica do Brasil na questão climática em nível mundial.

Alexandre Saraiva: Os primeiros cem dias têm o saldo positivo da atuação firme e rápida para retirar o garimpo na Terra Yanomami. Foi uma sinalização de que o governo vai combater os crimes ambientais e proteger os indígenas. Estar no rumo certo, porém, envolve estratégias de médio e longo prazos que não temos como avaliar agora.

O governo está ainda em uma fase de reestruturação e formatação das estratégias de combate ao desmatamento. É tarefa urgente porque os números têm aumentado, já estamos em abril e o governo precisa agir rápido. O governo vai encontrar muitas dificuldades no âmbito dos estados e do Congresso Nacional. Encontrará resistência de alguns governos estaduais que estão intimamente ligados ao desmatamento, mas isso não quer dizer que não exista solução.

É preciso fiscalização firme dos portos, dos rios e determinar que os estados façam parte do sistema nacional de controle do trânsito da madeira nativa. Pará, Mato Grosso e Minas Gerais, por exemplo, não fazem parte desse sistema. Acredito que o Executivo tem a intenção de acertar, mas, se vai acertar ou não, só o tempo irá dizer.

CC: A participação de Lula e Marina na COP do Egito foi suficiente para resgatar o protagonismo global do Brasil nas discussões climáticas?

Saraiva: A ida do presidente Lula à COP foi uma boa sinalização, mas é longe de ser suficiente. O que o mundo quer ver é os números do desmatamento caindo, é isso que vai de fato resgatar a imagem do Brasil perante a comunidade internacional. Os números precisam cair, e cair rápido.

Astrini: Só a mudança de narrativa não vai transformar a situação. Isso tem que vir com resultados concretos. Essa reversão vai acontecer quando os números do desmatamento começarem a baixar e o Brasil apresentar de fato uma nova NDC. O governo conta com um crédito muito grande junto à comunidade internacional. Apostam que o governo Lula será um caso de sucesso na área ambiental e querem fazer parte desse sucesso. É um cenário internacional extremamente favorável, ao contrário do que acontece no Congresso Nacional. Isso continuará na medida em que o Brasil apresentar resultados.

Rocco: A ida à COP foi um sinal positivo para o Brasil e o mundo, teve um simbolismo muito grande. Se a luta de tantos anos de militância era colocar a questão ambiental na agenda do País, agora temos um presidente da República que incorporou plenamente essa agenda.

CC: É perceptível a prometida “transversalidade” das questões ambientais nos ministérios e órgãos do governo?

Rocco: Acho que a questão ambiental está bem mais transversalizada. O MMA e os outros ministérios estão construindo cenários que possibilitarão ao Brasil receber mais investimentos. A conversa com os Estados Unidos e outros países que pretendem ingressar no Fundo Amazônia já dá o tom do que deve ser essa política e dos resultados que ela pode trazer em termos de investimentos sustentáveis para gerar emprego e renda na Amazônia através dos processos de restauração, extrativismo, conservação e pesquisa. Cem dias é muito pouco para você que algum resultado seja de fato apurado. O Brasil tem grande importância na construção desses acordos multilaterais e muito potencial para ser o grande palco das novas políticas de sustentabilidade e de baixo carbono. Se Lula está convencido disso, ele tem condições de impor essa transversalidade na sua gestão.

Saraiva: Um exemplo de transversalidade entre o Ministério da Justiça e o MMA foi a criação na Polícia Federal de uma diretoria específica para combater crimes ambientais. Existe hoje uma diretoria que dá outra estatura às investigações ambientais no âmbito da PF. Sua criação foi muito positiva, crucial para que o combate aos crimes ambientais seja institucionalizado e não personalizado no policial a ou b. Tem que fortalecer a instituição, pois a Constituição prioriza o meio ambiente e as instituições no Estado Democrático de Direito devem funcionar sem depender de pessoas.

Ação do Ibama contra o garimpo ilegal em terras do povo Yanomami em Roraima – IBAMA / AFP

Astrini: A transversalidade ainda será construída dentro do governo. Existem sinais de que as coisas já caminham para isso. O mais importante é o presidente querer que exista a transversalidade e que seus ministros considerem a agenda ambiental nas decisões que forem tomar. Temos vários ministérios que olham para essa agenda, a Casa Civil, o BNDES. Os ministérios estão envolvidos nas tramitações das legislações. É um movimento inicial que precisa ser confirmado em situações mais práticas. Por exemplo, na revisão da NDC brasileira que vai incluir uma série de ministérios. Só o MMA não dará conta.

CC: É preocupante a lentidão no processo de retomada dos órgãos ligados ao MMA?

Astrini: Quando se conhece o tamanho do desmonte dá para entender que vai demorar um bocado ainda para as coisas entrarem nos eixos. O governo conseguiu correr com aquilo que era possível. Teremos que ter paciência, as nomeações têm que ser feitas com o maior cuidado.

Saraiva: Hoje essa é a maior preocupação. É preciso retomar o ímpeto que víamos no Ibama em 2012, quando o desmatamento foi reduzido a 4,5 mil km², o menor índice da história. Queremos ver esse ímpeto de novo nas atuações do e do ICMBio, deixando claro que são os dois órgãos mais importantes do Brasil para a preservação do meio ambiente. O fortalecimento desses órgãos é crucial e eles precisam também ser equipados com o melhor da tecnologia disponível para que possam cumprir sua missão constitucional.

Rocco: O MMA está retomando órgãos e funções essenciais que lhe foram retirados e sofreram desmonte, como a Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal Brasileiro. O presidente do Ibama é um excelente quadro da política ambiental, que tem experiência no Executivo e larga atuação legislativa como coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista. Há certeza quanto a uma gestão de qualidade. Quanto a ICMBio e Jardim Botânico, há presidentes interinos alocados e os órgãos estão desenvolvendo suas respectivas missões dentro da normalidade.

O processo de busca do novo presidente do ICMBio proporcionará uma blindagem em relação à divisão de cargos. Isso dá garantia de que o presidente será escolhido por atributos técnicos e políticos relacionados à missão da instituição. O processo está lento, mas isso não significa paralisia. As circunstâncias exigem ampla negociação e esses diálogos estão sendo construídos.

Maurício Thuswohl
Repórter de CartaCapital no Rio de Janeiro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *