– Questão central é de que aqui no Brasil temos um problema adicional à crise do coronavírus, que é o Bolsonaro, um presidente que deveria governar e não governa –
*Por Douglas Izzo
Na semana em que é celebrado o Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, neste ano em meio à pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19), nos deparamos com uma triste notícia de que o Brasil, infelizmente, ultrapassou a China em número de mortes pela doença, somando mais de 5 mil óbitos até 28 de abril – 42 dias após a primeira morte confirmada pela Covid-19. No país asiático os casos fatais totalizavam, nesta data, 4,6 mil óbitos, mas lá a primeira morte foi registrada há mais de 100 dias. Em todo o mundo já são mais de 200 mil mortes.
A questão central é de que aqui no Brasil temos um problema adicional à crise do coronavírus, que é o Bolsonaro, um presidente que deveria governar e não governa. Ao invés de cuidar da população, é incapaz de compreender as atribuições do cargo que ocupa, se mostrando mais preocupado em fazer disputas políticas e em combater as medidas de isolamento social adotas pelos governos estaduais e prefeituras.
Além disso, tem tomado ações que aprofundam os ataques aos direitos da classe trabalhadora em detrimentos à preservação do lucro dos patrões. Mas, aqui a economia já estava em crise, antes da pandemia, com baixo índice de crescimento e desemprego galopante.
Encerramos 2019 com mais de 12 milhões de desempregados (11,9%), mais de 38 milhões (41,4% da força de trabalho no país) de trabalhadores informais ou por conta própria – sem registro em carteira eu uma inflação de 4,31% (IPCA), segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Produto Interno Bruto (PIB), incialmente previsto pelo governo em 2,5%, sofreu várias revisões ao logo do ano passado e fechou em 1,1%.
Com a pandemia do coronavírus, a crise econômica foi agravada e o governo se aproveita de forma sorrateira da maior crise sanitária deste século para atacar os direitos conquistados pelos trabalhadores, promovendo a precarização das relações de trabalho.
Mas, é preciso lembrar que esse ataque aos direitos trabalhistas teve inicio após o golpe de 2016, com a aprovação, no governo Temer, da Reforma Trabalhista que rasgou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sob o pretexto de criar 2 milhões de vagas de emprego em 2018 e 2019. A nova lei trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017. Dois anos depois os números apontavam a criação de 961 mil vagas de trabalho, sendo 115 mil na modalidade de contrato intermitente, que não passa da legalização do subemprego.
No governo Bolsonaro, mesmo contrariando os trabalhadores que fizeram a maior greve geral da história, aprovaram a Reforma da Previdência que alterou as regras para concessão de benefícios previdenciários e aumentou o tempo de contribuição e as idades para aposentadoria. No final de 2019, com a mesma promessa de criar novos postos de trabalho, o governo federal editou a MP 905 criando a Carteira Verde e Amarela, que flexibilizava direitos trabalhistas e reduzia contribuições de empresas para estimular a contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas acima de 55 anos, para vagas com remuneração e até um salário mínimo e meio (R$ 1.567,50). Graças à pressão das centrais sindical, o Senado não votou a medida no último dia de sua validade e o governo não teve alternativa a não ser revogar antes da MP caducar. Foi uma conquista significativa das para o movimento sindical e para os trabalhadores, mas precisamos ficar atentos, pois Bolsonaro prometeu editar outra medida semelhante em breve.
Com o agravamento da crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, o governo Bolsonaro vem adotando medidas que vão à contramão do que defende o movimento sindical e aprofundam ainda mais os ataques aos direitos da classe trabalhadora, expondo que este governo está mais preocupado em manter o lucro das grandes empresas do que em garantir o emprego e a renda dos trabalhadores.
Demonstrando total desprezo pelos trabalhadores, o governo editou a Medida Provisória 927 que trazia em um dos seus artigos a autorização para suspensão do contrato de trabalho e de salários por até quatro meses, jongando os trabalhadores à própria sorte ou a morre r de fome sem garantia de uma renda. Depois de muita pressão das centrais sindicais e da sociedade este artigo foi revogado, mas os demais pontos da medida seguem em vigor.
A Medida Provisória 936 que cria o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para enfrentamento da pandemia, permite a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, com recebimento de compensação calculada sobre o valor do seguro-desemprego, ou a redução da jornada e de salário por até 90 dias, porém pode acarretar em perdas de até 30% nos rendimentos dos trabalhadores formais, nos casos de redução parcial da jornada de trabalho, segundo levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Apesar das mudanças que resultaram na MP 936 sejam fruto da pressão do movimento sindical que não aceitou a regra prevista na MP 927 que autorizava a suspensão dos contratos e dos salários por até quatro meses, a MP 936 ainda mantém itens que aprofundam a precarização das relações entre trabalhadores e empresas, pois também exclui os sindicatos das negociações e não responde às exigências de estabilidade de emprego e integralidade de salários que a CUT e demais centrais defendem. Com está em vigor, já há muitos casos de dispensa de trabalho ou redução e salários que somam mais de 2,5 milhões de acordos.
Com a Medida Provisória 946, o governo libera novo saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço ignorando que esse dinheiro já é do trabalhador para ser usado quando mais precisa, seja na demissão ou na compra da casa própria, a medida também acaba com o Fundo do PIS/PASEP. Ou seja, não cria dinheiro novo e com a utilização de recursos do próprio trabalhador, o governo transfere para estes a responsabilidade de financiar o combate à crise provocada pela pandemia, conforme denunciou, em nota, a Executiva Nacional da CUT.
O país precisa buscar meios de obter novas receitas capazes de financiar políticas efetivas de saúde pública para o combate ao coronavírus, de garantia de emprego e renda para os trabalhadores e as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Taxar as grandes fortunas e os lucros exorbitantes do sistema financeiro, revogar a emenda constitucional 95 que impôs o congelamento dos gastos públicos por 20 anos e somente em 2019 tirou mais de 20 bilhões de reais da área da saúde – que precisa de dinheiro para as ações de combate à pandemia – são forma do Estado criar novas fontes de recursos, mas ao invés disso o governo mantém sua política de austeridade, mas em contrapartida libera mais de 1,2 trilhões de reais para os bancos.
Apesar do auxílio emergencial para pessoas desempregadas e trabalhadores informais no valor de 600 reais, podendo chegar a 1.200 reais no caso de mães e pais solteiros que são chefes de família, que deve ficar claro que não foi inciativa do governo Bolsonaro, mas sim do Congresso Nacional a partir de uma articulação dos parlamentares de oposição, centrais sindicais e movimentos populares que garantiram esses valores, pois pelo governo queria o auxilio seria de apenas 200 reais.
E Bolsonaro, por boicote e/ou incompetência, tem dificultado o acesso ao auxílio e protelado os pagamentos para quem tem direito ao benefício. Outra constatação é que a medida não contemplará a todos que precisam, e que os inúmeros problemas sujeita a população a arriscar sua saúde em longas filas para saber se terão ou não acesso ao auxílio, num misto de masoquismo e humilhação que não nos surpreende.
Diante deste cenário, temos ainda o desafio de nos prepararmos para o fim da pandemia, que antecipou mudanças significativas no modo de trabalho e nos meios de produção. Precisamos discutir essa relação com a sociedade e garantir que o ônus dessa crise sanitária não recai sobre os trabalhadores e a população. Temos que refletir conjuntamente sobre a sociedade que queremos, e nessa sociedade qual é o papel do Estado. É um Estado mínimo como defende Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes ou se é um Estado indutor, que produz política pública, distribui renda e fomenta políticas sociais para equalizar os problemas da sociedade?
Não podemos aqui deixar de destacar a importância do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), no combate ao coranavírus que precisa cada vez mais do nosso apoio na luta em sua defesa. Também destacamos o papel fundamental dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde entre outros considerados dos serviços essenciais que estão na linha de frente para garantir atendimento à população.
Por isso, nesse 1º de maio histórico, que pela primeira vez será totalmente virtual, devido à necessidade de reforçarmos as medidas de isolamento social, recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas autoridades sanitárias e pesquisadores de todo o mundo, será marcado pela solidariedade com quem mais precisa. Muitos dos nossos sindicatos já têm promovido ou apoiado ações locais/regionais, seja com arrecadação de alimentos não perecíveis, produtos de limpeza e higiene, ou disponibilizando suas estruturas para o poder público criar espaços de atendimento à população.
Neste Dia do Trabalhador e da Trabalhadora reforçamos ainda a importância de, mesmo diante dessa crise, do isolamento e distanciamento social necessário para conter a propagação da doença, seguirmos organizados no combate às medidas do desgoverno Bolsonaro e na luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora, da população brasileira, das instituições democráticas e da nossa democracia.
*Douglas Martins Izzo é presidente da CUT-SP