Sobre os incêndios florestais na Amazônia, 77% dos brasileiros veem a ação humana como principal causa (LucasLandau/Greenpeace)
Grande maioria vê questão climática como prioritária, mesmo que isso signifique um crescimento econômico mais tímido
Brasileiros de todas as regiões do país são praticamente unânimes: para 95% da população, o aquecimento global é visível e pode trazer sérios prejuízos já para a geração atual. Essa é uma das conclusões da pesquisa “Mudanças climáticas: a percepção dos brasileiros”, realizada pelo Ibope Inteligência, Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e Programa de Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, dos Estados Unidos.
“Não temos no Brasil um contexto de negacionismo do aquecimento global”, comenta Rosi Rosendo, diretora de contas na área de Opinião Pública, Política e Comunicação do Ibope Inteligência.
Para 78% dos entrevistados, o tema é considerado “muito importante”, e são as mulheres, jovens com maior escolaridade, mais à esquerda do espectro político e com bom acesso à internet que demonstram maior preocupação. Por outro lado, quanto maior a idade dos entrevistados, menor é a apreensão.
Feita no contexto da pandemia de Covid-19 e crise econômica, a pesquisa mostrou que, para 77% dos participantes, proteger o meio ambiente é urgente – mesmo que isso signifique um crescimento econômico mais tímido e menos empregos.
O questionário foi aplicado a 2,6 mil brasileiros maiores de 18 anos e residentes nas cinco regiões do país, com entrevistas feitas entre setembro e outubro de 2020. Segundo os pesquisadores, o nível de confiança é de 95%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais.
Clima, fogo e Amazônia
A preocupação com a Amazônia também foi medida na pesquisa. A grande maioria (87%) disse já ter ouvido falar bastante sobre as queimadas que acontecem na região. Em 2020, o número de focos de incêndios na Amazônia foi um dos maiores da última década (103.161 focos), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No auge da catástrofe, a grave situação foi negada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a culpar indígenas e pequenos agricultores pelo aumento do fogo, durante um discurso na tribuna das Nações Unidas.
“Existe uma baixíssima esperança de que o governo mude sua postura negacionista sobre esse fato tão importante para o brasileiro. E isso representa um prejuízo muito grande para o país”, comenta Márcio Astrini, do Observatório do Clima.
Na contramão do discurso do governo federal, a percepção de uma grande maioria da população é que as queimadas prejudicam a imagem do Brasil no exterior (84%) e podem atrapalhar as relações comerciais brasileiras com outros países (78%).
Ainda sobre os incêndios florestais na Amazônia, 77% dos brasileiros veem a ação humana como principal causa. Entre os responsáveis mais citados estão os madeireiros (76%), agricultores (49%), pecuaristas (48%) e garimpeiros (41%). Para 90% dos participantes, a destruição da Amazônia pelo fogo é uma grande ameaça não apenas para o país, mas para o clima e o meio ambiente do planeta.
Diferenças entre brasileiros e americanos
Para Anthony Leiserowitz, diretor do Programa de Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, os resultados sobre a opinião pública brasileira são instigantes em comparação com pesquisas semelhantes feitas nos Estados Unidos. “Enquanto 92% dos brasileiros entendem que o aquecimento global está acontecendo, nos Estados Unidos esse número é de 73%”, afirma.
Outra diferença apontada por ele está na importância do tema no cotidiano das pessoas: no Brasil, 78% consideram a questão importante; nos Estados Unidos, são apenas 37%.
Uma das possíveis explicações para essas disparidades, argumenta Leiserowitz, está na política. “O debate sobre mudança climática, meio ambiente e desmatamento é menos polarizado politicamente no Brasil do que nos Estados Unidos”, opina, lembrando que, naquele país, pessoas ligadas ao Partido Democrata, do presidente Joe Biden, são muito mais atentas a esses temas do que membros do Partido Republicano, do ex-presidente Donald Trump.
Olhando para o futuro
Marcello Brito, da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e parte da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, acredita que os resultados deixam claro que a preocupação com meio ambiente e sustentabilidade precisa se tornar condição para o desenvolvimento do país.
“Todos aqueles que lidam com riscos, seja no setor privado, seja no governo, deveriam estudar a fundo esse riscos e oportunidades, como outras pesquisas que confirmam o rumo da sociedade. Se a velocidade dessa transformação é por vezes difícil de medir, o sentido já está dado no Brasil e no mundo”, respondeu à DW durante o evento online que apresentou os números.
Embora as expectativas de mudanças imediatas sejam baixas, Astrini, do Observatório do Clima, pontua que pesquisas de percepção servem para levantar o sinal de alerta e para que os governantes se preocupem com a questão. “A importância ambiental que está sendo dada pela população já está entrando no mundo das negócios, a vai invadir o mundo da política também”, defende.
De qualquer forma, o estudo parece deixar um recado para políticos e empresários. Dos 2,6 mil entrevistados, 42% declararam que já votaram em algum político em razão de suas propostas para a defesa do meio ambiente. Mais da metade (59%) disse ter deixado de consumir produtos que prejudiquem a natureza.
As responsabilidades em torno da resolução dos problemas relacionados às mudanças climáticas também foram abordadas: governos e empresas foram os mais citados como responsáveis, por 35% e 32% dos entrevistados, respectivamente.