Santa Missa na solenidade de Pentecostes (Vatican Media)

‘Nem direita nem esquerda, mas harmonia na Igreja’, pede Francisco na Basílica de São Pedro

A Igreja deve ultrapassar as divisões entre direita e esquerda, disse na manhã deste domingo (23) o papa na Basílica de São Pedro.

Na homilia da missa de Pentecostes, Francisco afirmou que “se dermos ouvidos ao Espírito, deixaremos de nos focar em conservadores e progressistas, tradicionalistas e inovadores, de direita e de esquerda” pois, “se fossem estes os critérios, significava que a Igreja se esquecia do Espírito”. É que “o Paráclito impele à unidade, à concórdia, à harmonia das diversidades e faz-nos sentir parte do mesmo Corpo, irmãos e irmãs entre nós”.

O papa refletiu sobre os efeitos consoladores do Espírito Santo e pediu aos fiéis para fazerem o mesmo à sua volta, “sem grandes discursos, mas aproximando-nos das pessoas; não com palavras empoladas, mas com a oração e a proximidade”. Porque hoje “é o tempo da consolação, é o tempo do anúncio feliz do Evangelho, mais do que do combate ao paganismo; é o tempo para levar a alegria do Ressuscitado, não para nos lamentarmos do drama da secularização; é o tempo para derramar amor sobre o mundo, sem abraçar o mundanismo; é o tempo para testemunhar a misericórdia, mais do que para inculcar regras e normas”.

Francisco também aconselhou a viver o presente e não no passado ou no futuro. “O Paráclito afirma o primado do hoje, contra a tentação de fazer-se paralisar pelas amarguras e nostalgias do passado, ou de focar-se nas incertezas do amanhã e deixar-se obcecar pelos temores do futuro”, acrescentou. “Não há tempo melhor para nós: agora e aqui onde estamos é o único e irrepetível momento para fazer bem, fazer da vida uma dádiva. Vivamos no presente!”

Regina Coeli

Após a missa, o papa voltou a apelar à unidade da Igreja, antes da recitação da oração do Regina Coeli. “Na Igreja, há grupelhos que procuram sempre a divisão e se separam dos outros. Isto não é do espírito de Deus. O espírito de Deus é harmonia, é unidade, une as diferenças”, afirmou Francisco.

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O papa recordou a figura usada por “um bom cardeal, que foi arcebispo de Génova”: “que a Igreja é como um rio e o importante é estar dentro. Se vais para um lado ou para o outro lado não interessa, o Espírito Santo é que faz a unidade”.

“E não olhes para as miudezas, em que tu estás de um lado e aquele do outro, ou este reza de um modo e aquele de outro modo… Isto não é de Deus. A Igreja é para todos”, concluiu Francisco.

China

Após a recitação do Regina Coeli, o papa pediu orações pelos católicos da China, que esta segunda-feira celebram a festa de Maria Auxiliadora, particularmente venerada no Santuário de Nossa Senhora de Sheshan, perto de Xangai.

“Convido-vos a acompanhar, com a oração, os fiéis cristãos na China, os nossos caríssimos irmãos e irmãs, que tenho no mais fundo do meu coração. Que o Espirito Santo, protagonista da missão da Igreja no mundo, os guie e os ajude a ser portadores do alegre anúncio, testemunhas de bondade, de caridade, e construtores, na sua pátria, de justiça e de paz”, disse.

Francisco deixou uma saudação ao “grande país” asiático, onde a Virgem Maria é venerada com “particular devoção” no Santuário de Sheshan e é invocada pelas famílias cristãs, “nas provações, nas esperanças da vida diária”.

“Como é bom, como é necessário que os membros de uma família e de uma comunidade cristã estejam cada vez mais unidos no amor, na fé. Deste modo, os pais, os filhos, os avós, as crianças, pastores e fiéis podem seguir o exemplo dos primeiros discípulos, que na solenidade de Pentecostes eram unânimes na oração, com Maria, à espera do Espírito Santo”, acrescentou.

Em setembro de 2018, Pequim e a Santa Sé assinaram um acordo sobre a nomeação dos bispos católicos, renovado em 2020.

Francisco recordou ainda que Nossa Senhora Auxiliadora, celebrada a 24 de maio, é a padroeira principal da Família Salesiana, “que trabalha tanto, tanto na Igreja” em favor dos marginalizados e da juventude.

“Que o Senhor os abençoe e os faça seguir em frente, com muitas vocações santas”, disse.

Leia a íntegra da homimilia do santo padre para a Eucaristia de Pentecostes na Basílica de São Pedro em 23 de maio de 2021:

Homilia

“Virá o Paráclito, que Eu vos hei de enviar da parte do Pai” (cf. Jo 15, 26). Com estas palavras, Jesus promete aos discípulos o Espírito Santo, o dom supremo, o dom dos dons; e fala do Espírito, usando uma palavra particular, misteriosa: Paráclito. Debrucemo-nos hoje sobre esta palavra, que não é fácil de traduzir pois encerra vários significados. Substancialmente, Paráclito significa duas coisas: Consolador e Advogado.

1. O Paráclito é o Consolador. Todos nós, especialmente em momentos difíceis como este que estamos a atravessar, por causa da pandemia, procuramos consolações. Muitas vezes, porém, recorremos só a consolações terrenas, que depressa se extinguem, são consolações momentâneas. Hoje Jesus oferece-nos a consolação do Céu, o Espírito, o “Consolador perfeito” (Sequência). Qual é a diferença? As consolações do mundo são como os anestésicos: oferecem um alívio momentâneo, mas não curam o mal profundo que temos dentro. Insensibilizam, distraem, mas não curam pela raiz. Agem à superfície, ao nível dos sentidos, e dificilmente do coração. Com efeito, só dá paz ao coração quem nos faz sentir amados tal como somos. E o Espírito Santo, o amor de Deus, faz isso: como Espírito que é, age no nosso espírito, desce ao mais íntimo de nós mesmos. visita “o íntimo do coração”, pois é “das almas hóspede amável” (ibid.). É a ternura de Deus em pessoa, que não nos deixa sozinhos; e o facto de estar com quem vive sozinho, já é consolar.

Irmã, irmão, se sentes a escuridão da solidão, se trazes dentro um peso que sufoca a esperança, se tens no coração uma ferida que queima, se não encontras a via de saída, abre-te ao Espírito Santo. Como dizia São Boaventura, “onde houver maior tribulação, Ele leva maior consolação. Não faz como o mundo, que na prosperidade consola e adula, mas na adversidade troça e condena” (Sermão na Oitava da Ascensão). Assim faz o mundo, assim faz sobretudo o espírito maligno, o diabo: primeiro, lisonjeia-nos e faz-nos sentir invencíveis – as lisonjas do diabo que fazem crescer a vaidade – depois atira-nos ao chão e faz-nos sentir errados: brinca conosco. Faz todo o possível por nos derrubar, enquanto o Espírito do Ressuscitado nos quer levantar. Olhemos os Apóstolos: estavam sozinhos naquela manhã, estavam sozinhos e perdidos, com as portas fechadas pelo medo; viviam no temor, tendo diante dos olhos todas as suas fragilidades e fracassos, os seus pecados: haviam renegado Jesus Cristo. Os anos transcorridos com Jesus não conseguiram mudá-los, continuavam a ser os mesmos. Depois, recebem o Espírito e tudo muda: os problemas e defeitos permanecem os mesmos, mas eles já não os temem mais porque não temem sequer quem pretende fazer-lhes mal. Sentem-se intimamente consolados, e querem fazer transbordar a consolação de Deus. Antes eram medrosos, agora só têm medo de não testemunhar o amor recebido. Jesus profetizara-o: o Espírito “dará testemunho a meu favor. E vós também haveis de dar testemunho” (Jo 15, 26-27).

E demos um passo em frente. Também nós somos chamados a dar testemunho no Espírito Santo, a tornar-nos paráclitos, isto é, consoladores. Sim, o Espírito pede-nos para darmos corpo à sua consolação. E como podemos fazer isso? Não fazendo grandes discursos, mas aproximando-nos das pessoas; não com palavras empoladas, mas com a oração e a proximidade. Recordemos que a proximidade, a compaixão e a ternura são o estilo de Deus, sempre. O Paráclito diz à Igreja que hoje é o tempo da consolação. É o tempo do anúncio feliz do Evangelho, mais do que do combate ao paganismo. É o tempo para levar a alegria do Ressuscitado, não para nos lamentarmos do drama da secularização. É o tempo para derramar amor sobre o mundo, sem abraçar o mundanismo. É o tempo para testemunhar a misericórdia, mais do que para inculcar regras e normas. É o tempo do Paráclito! É o tempo da liberdade do coração, no Paráclito.

2. Depois, o Paráclito é o Advogado. No contexto histórico de Jesus, o advogado não exercia as suas funções como hoje: em vez de falar pelo acusado, costumava ficar junto dele sugerindo-lhe ao ouvido os argumentos para se defender. Assim faz o Paráclito, “o Espírito da verdade” (Jo 15, 26), que não nos substitui, mas defende-nos das falsidades do mal, inspirando-nos pensamentos e sentimentos. Fá-lo com delicadeza, sem nos forçar: propõe, não Se impõe. O espírito da falsidade, o maligno, faz o contrário: procura constranger-nos, quer fazer-nos acreditar que somos sempre obrigados a ceder às más sugestões e aos impulsos dos vícios. Esforcemo-nos então por acolher três sugestões típicas do Paráclito, do nosso Advogado. São três antídotos basilares contra três tentações atualmente tão difusas.

O primeiro conselho do Espírito Santo é: “Vive no presente”; no presente, não no passado nem no futuro. O Paráclito afirma o primado do hoje, contra a tentação de fazer-se paralisar pelas amarguras e nostalgias do passado, ou de focar-se nas incertezas do amanhã e deixar-se obcecar pelos temores do futuro. O Espírito lembra-nos a graça do presente. Não há tempo melhor para nós: agora e aqui onde estamos é o único e irrepetível momento para fazer bem, fazer da vida uma dádiva. Vivamos no presente!

Depois o Paráclito aconselha: “Procura o conjunto”. O conjunto, não a parte. O Espírito não molda indivíduos fechados, mas funde-nos como Igreja na multiforme variedade dos carismas, numa unidade que nunca é uniformidade. O Paráclito afirma o primado do conjunto. É no conjunto, na comunidade que o Espírito gosta de agir e inovar. Olhemos para os Apóstolos. Eram muito diferentes entre eles: por exemplo, havia Mateus, um publicano que colaborara com os Romanos, e Simão, chamado o Zelote, que a eles se opunha. Tinham ideias políticas opostas, visões do mundo diferentes. Mas, quando recebem o Espírito, aprendem a dar o primado não aos seus pontos de vista humanos, mas ao conjunto de Deus. Hoje, se dermos ouvidos ao Espírito, deixaremos de nos focar em conservadores e progressistas, tradicionalistas e inovadores, de direita e de esquerda; se fossem estes os critérios, significava que na Igreja se esquecia o Espírito. O Paráclito impele à unidade, à concórdia, à harmonia das diversidades. Faz-nos sentir parte do mesmo Corpo, irmãos e irmãs entre nós. Procuremos o conjunto! E o inimigo quer que a diversidade se transforme em oposição e por isso faz com que se tornem ideologias. Dizer “não” às ideologias, “sim” ao conjunto.

Por fim, o terceiro grande conselho: “Coloca Deus antes do teu eu”. Está aqui o passo decisivo da vida espiritual, que não é uma coleção de méritos e obras nossas, mas humilde acolhimento de Deus. O Paráclito afirma o primado da graça. Só deixaremos espaço ao Senhor, se nos esvaziarmos de nós mesmos; só nos encontramos a nós mesmos, se nos entregamos a Ele; só como pobres em espírito é que nos tornamos ricos de Espírito Santo. Isto vale também para a Igreja. Com as nossas forças, não salvamos ninguém, nem sequer a nós mesmos. Se estiverem em primeiro lugar os nossos projetos, as nossas estruturas e os nossos planos de reforma, então decairemos no funcionalismo, no pragmatismo, no horizontalismo e não produziremos fruto. Os “ismos” são ideologias que dividem, que separam. A Igreja não é uma organização humana – é humana, mas não somente uma organização humana -, a Igreja é o templo do Espírito Santo. Jesus trouxe o fogo do Espírito à terra, e a Igreja reforma-se com a unção, a gratuidade da unção da graça, com a força da oração, com a alegria da missão, com a beleza desarmante da pobreza. Coloquemos Deus em primeiro lugar!

Espírito Santo, Espírito Paráclito, consolai os nossos corações. Fazei-nos missionários da vossa consolação, paráclitos de misericórdia para o mundo. Ó nosso Advogado, suave Sugeridor da alma, tornai-nos testemunhas do hoje de Deus, profetas de unidade para a Igreja e a humanidade, apóstolos apoiados na vossa graça, que tudo cria e tudo renova. Amém!

Rádio Renascença/ Ecclesia/ Dom Total/ Vatican News

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