“Ser ou não ser, eis a questão”. Tal indagação caberia o beneficio da dúvida não é mesmo? Porém não é a tragédia de Shakespeare que iremos tratar, a peça é outra a de Moliere, outro dramaturgo de renome. Iremos falar de Tartufo, um hipócrita e falso puritano que tinha sido um vagabundo antes de Orgon começar a ajuda-lo. Orgon é aquele personagem que na inocência sofre influência de Tartufo. A exemplo da aristocracia francesa na época, Tartufo consegue enganar todo um meio e família à sua volta. Ele é símbolo do que o ser humano é capaz para chegar ao poder e se manter lá a seu único e exclusivo proveito, sendo capaz de mentir, roubar, fraudar, especular, transgredir normalmente com o único objetivo de granjear mais privilégios. E tudo em nome de Deus.

Fazendo um paralelo, vemos como o Bolsonarismo se veste da mesma forma. Bolsonaro é Tartufo, o impostor e os Bolsonaristas se travestem na pele de Orgon, e seguem obcecados rumo ao seu mentor em peculiar obediência cega. A peça de Moliere, apesar de retratar uma situação que antecedeu a ascensão da burguesia, mantém-se atual ao denunciar males eternos e universais como a corrupção, a hipocrisia religiosa, a malandragem governamental, negociações obscuras e a ocupação de cargos de mando.

Tartufo X Bolsonaro

Para ilustrarmos melhor essa temática vamos retratar os fatos resumindo um pouco o que foi a vida pregressa de Bolsonaro antes de chegar ao poder. Bolsonaro conseguiu entrar para Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), e foi um dos paraquedistas. Insatisfeito com a questão salarial planejou um atentado a bomba, foi julgado na primeira vez por indisciplina, condenado e posteriormente absorvido com a condição de sair da academia. Entrou para reserva do exercito e consequentemente para a politica. Alinhado aos insurgentes militares e ao poder paralelo como as milícias conseguiu primeiramente se eleger para vereador e posteriormente para deputado federal, onde ficou até cair de paraquedas na presidência da republica surfando na onda do antipetismo, da retórica anticomunista e de pautas identitárias com um eleitorado mais conservador e que se mantém fiel até os dias de hoje e tem na sua base evangélicos e uma pequena massa de católicos mais radicais. Agora não mais no exercício militar, mas como uma desastrosa escolha da sociedade brasileira.

Homem que se apresentou como o novo para candidatar a presidência está há 30 anos na vida politica, porém é amarrado nas velhas práticas. Mudou de partidos diversas vezes, nunca se opôs a privilégios e ainda constitui outro elemento da politica velha que é o apoio sem fundamentação ideológica a outros políticos, sendo frequentemente um fiel apoiador de velhos caciques. Ele não ficou famoso por algum projeto de lei que tenha apresentado e lutado pela aprovação. Dos 172 que apresentou em 26 anos de vida parlamentar, nenhum teve destaque e apenas dois foram aprovados. Nunca apresentou projetos com fins sociais e sim com interesses aos militares, 53 no total e nenhum aprovado.

Bolsonaro não tinha nenhuma visibilidade nacional, era do baixo clero. Só ganhou projeção nacional nos anos de 2010 ao começar participar de programas com temas polêmicos e dando voz a uma extrema direita conservadora que até então estava escondida e calada. Daí então aquela figura considerada caricata ganhou palanque para colocar em pauta temas como politicas de gênero, sexualidade e religião. Sempre se opôs debochando do direito da mulheres e fazendo campanha em defesa da ditadura militar.

Oficialmente católico (mero detalhe) e por tradição por causa da sua mãe, posteriormente ele começou a flertar com evangélicos até ter um batizado simbólico por um pastor por pura conveniência politica. Pastor Everaldo que aliás foi preso ano passado pela policia federal por corrupção e lavagem de dinheiro. Casou-se três vezes, teve quatro filhos homens e segundo ele uma “fraquejada”. Nos dois casamentos anteriores fomentou suas companheiras com fartura de imóveis, estes com suspeitas de lavagem de dinheiro; a esposa atual recebeu repasses ilegais. Bolsonaro e os filhos são suspeitos de participarem de rachadinhas com funcionários, desviar verbas rescisórias, colocar familiares e amigos em cargos fantasmas e também utilizar de laranjas na esfera publica.

Em síntese, Bolsonaro é da família tradicional que se casou três vezes; o religioso que segue dupla doutrina; o cristão que já fez apologia à tortura, a matança em série; o honesto que já praticou peculato, nepotismo e lavagem de dinheiro; o “cidadão de bem” que já incentivou a sonegação de impostos, extrapola valores com o coração cheio de propósitos do mal, mas que alegoricamente é aclamado assim pelos seus seguidores. E por fim, é o patriota que coloca a bandeira e a soberania nas costas para cortejar e ser subserviente ao imperialismo norte-americano.

Nós temos o dever de desconstruir essa estrutura hipócrita que se constituiu no ambiente da politica nacional, nos lares, nas igrejas, desmascarando a imagem desse homem para seus devotos, esse que nunca fez nada pela nação, e que sabe apenas arrotar palavrões, transferir responsabilidades e minimizar os seus erros. Diante de um estado laico o fanatismo religioso não pode ser divisor do debate público dentro de uma sociedade já bem polarizada pelos extremismos de algumas ideologias, que atualmente se assemelham a heresias praticadas por seitas ancestrais.

E como irmãos siameses e separado pelos tempos, Bolsonaro segue sendo o exemplo mais vivo de Tartufo. É nessa guerra pelo Deus cristão que Bolsonaro alimenta a base do governo autoritário ao reforçar sua gestão do ideário maniqueísta. Ao se resumir como presidente dos cristãos, simplifica os conflitos políticos, que passam a se dar em embates entre o bem versus mal. O moralista que já gozou de privilégios se diz o enviado de Deus para salvar a pátria. Esse homem de passado nada ilibado e caráter duvidoso não tem envergadura nenhuma para o cargo que ocupa. Como percebem Bolsonaro se faz igualmente Tartufo, o farsante.

* Douglas Aquino Gusmão é bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual de Montes Claros

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