Dados do governo de MG mostram que enfrentamento a mudanças climáticas e a desastres naturais não entrou na agenda dos deputados, apesar do histórico do estado
O orçamento limitado para o combate às enchentes e às mudanças climáticas não é problema exclusivo do Congresso Nacional. Em Minas Gerais, estado que normalmente sofre com a temporada chuvosa e também com seca e incêndios, a Assembleia Legislativa não destinou um real sequer em emenda parlamentar para a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec), órgão que está linha de frente no enfrentamento e monitoramento de desastres, conforme dados do painel de emendas do Executivo segmentados pelo Estado de Minas.
As mudanças climáticas também não são citadas pelos deputados em emenda alguma, ainda que Minas tenha hoje 95 cidades com decretos de situação de anormalidade por desastres relacionados às chuvas, de acordo com a Defesa Civil estadual.
Vale lembrar que, no ano passado, os deputados estaduais aprovaram Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para dobrar as emendas parlamentares. Antes, elas se limitavam a 1% da Receita Corrente Líquida (RCL), mas esse valor subiu. O texto teve autoria do ex-deputado Inácio Franco (PV), que não conseguiu a reeleição em 2022.
O aumento é escalonado. Em 2024, o percentual subiu para 1,5%. Em 2025, chega ao teto de 2%. A Receita Corrente Líquida é representada pela receita total do estado subtraídos os repasses constitucionais feitos às prefeituras.
62 propostas para armas; 2 para a Feam
A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) chegou a ser citada em duas emendas de parlamentares mineiros, uma do deputado Antônio Carlos Arantes (PL), no valor de R$ 150 mil; e outra do parlamentar Tito Torres (PSD), avaliada em R$ 120 mil. Porém, as duas destinações se voltam ao processo de licenciamento ambiental do governo, portanto não tratam diretamente de problemas ambientais como os que assolam o Sul do Brasil nas últimas semanas. E nenhuma delas chegou a
ser empenhada pelo governo.
Para efeito de comparação, os deputados estaduais apresentaram 62 emendas que citam o termo “armamento”, portanto, que tratam da aquisição de itens bélicos para as forças de segurança. Essas propostas envolvem um repasse de R$ 9,4 milhões só para compra desses equipamentos.
Nesse item, a destinação mais alta é de R$ 1 milhão para a “renovação dos equipamentos bélicos da Polícia Civil de Minas Gerais com a aquisição de armas modernas e seguras”. A emenda tem assinatura da deputada estadual Delegada Sheila (PL). O dinheiro ainda não foi empenhado (reservado) pela gestão de Romeu Zema (Novo)
Dificuldades estruturais
Especializado em engenharia e direito ambiental, o advogado Alessandro Azzoni observa que há um processo histórico no Brasil que dificulta o envio de emendas para as mudanças climáticas e para o combate a desastres naturais. “Se já não tiver um projeto colocado em pauta pelo governo estadual, não tem como um deputado destinar emenda. Por isso que as áreas da saúde, da educação e da segurança pública recebem mais emendas, porque são projetos que já estão prontos. A aplicação fica mais fácil”, diz.
Alessandro Azzoni vai além e diz que as prevenções contra desastres precisam ser pensadas, prioritariamente, em caráter municipal. “Quando acontece uma tragédia como essa no Rio Grande do Sul, fica evidente que vai se focar nas ações preventivas. Mas, se você olhar, nada foi feito em investimentos. Quando se faz isso na municipalidade, em iniciativas como jardins de chuva ou até mesmo piscinões para represar a água e ir soltando ela aos poucos, você consegue pedir uma suplementação de verba para os governos estadual e federal. Tem que começar nas prefeituras”, defende.
Desinteresse dentro e fora do Parlamento
Doutor em Democracia, Constituição e Internacionalização, o professor de direito constitucional da PUC Minas Bruno Burgarelli afirma que a baixa destinação de emendas parlamentares por parte do Congresso Nacional a questões ligadas às mudanças climáticas fere direitos garantidos pela Carta Magna. “Há um desinteresse da classe política com esse assunto. É um problema grave, porque o artigo 25 da Constituição garantoe que ‘todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado’”, afirma. “Mas essa não é uma tarefa só da classe política, é também da sociedade civil”, destaca Burgarelli.
(Jornal Estado de Minas)