– O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, condenou o oex-delegado da Polícia Civil da cidade de Bocaiúva, Leonardo Diniz, inclusive com a perda do cargo de delegado, por causa dos abusos cometidos na cidade de Patos de Minas –

– O delegado Leonardo dos Santos Diniz, que tem mais de 40 representações e reclamações registradas contra ele na Corregedoria de Polícia Civil em Montes Claros, além de várias ações civis públicas ajuizadas pelo Promotor de Justiça Ilio Jefferson Antunes de Souza, acaba de ser condenado pelo TJMG, inclusive com a perda do cargo.
O ex – vereador Carlaily de Carvalho Leite e o ex -vice prefeito de Bocaiúva, João Katolla, também ajuizaram ações contra Leonardo dos Santos Diniz, que na época comandava a Polícia Civil daquela cidade morena, pelos abusos cometidos. Além de Carlaily e Katolla, o jovem Jhonatan Patrezze Fiúza de Araujo, bem como, uma Promotora de Justiça, também processaram o delegado, em decorrência do referido delegado ter disparado arma de fogo em praça pública contra Jhonatan Patrezze Fiuza de Araújo.

Segue abaixo, a íntegra do Acórdão 

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – LEI FEDERAL 8.429/92 – POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTE TRIBUNAL – APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL – PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE ATRIBUÍDA AO TIPO. O art. 23, II, da Lei Federal 8.429/92, prevê, como prazo prescricional para a propositura da ação de improbidade administrativa, aquele previsto em lei específica para a aplicação de faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos em que praticados por servidores em exercício de cargo em provimento efetivo. Sendo omissa a lei que rege os servidores civis do Estado de Minas Gerais quanto ao prazo prescricional aplicável à demissão a bem do serviço público, e levando-se em conta que os ilícitos administrativos praticados também podem ser capitulados como crime, impõe-se a aplicação, na seara administrativa, do prazo prescricional previsto na legislação penal, considerando-se a regrado do art. 109 do Código Penal, que estabelece a pena máxima atribuída abstratamente ao tipo, afastando a sua ocorrência no caso dos autos. APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS – CONDUTA OFENSIVA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ABUSO DE AUTORIDADE E PROVEITO DA FUNÇÃO PARA CONSTRANGER ILEGALMENTE VÁRIAS PESSOAS DURANTE A FESTA NACIONAL DO MILHO, QUE SE REALIZOU EM MAIO DO ANO DE 2008 NO MUNICÍPIO DE PATOS DE MINAS – PROVAS COLHIDAS – SUFICIÊNCIA – ELEMENTOS DOS AUTOS QUE DEMONSTRAM DE FORMA INCONTESTE A MÁ-FÉ E INTENÇÃO DELIBERADA DE VIOLAR OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PELO RÉU, NOTADAMENTE, OS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E RAZOABILIDADE – CONDUTA ÍMPROBA COMPROVADA – ELEMENTO SUBJETIVO DEMONSTRADO – SENTENÇA CONDENATÓRIA – MANUTENÇÃO. A Constituição Federal, no artigo 37, resguarda os princípios norteadores da Administração Pública, e que devem ser observados em toda e qualquer conduta administrativa, sendo passível de sanção a prática de ato de improbidade administrativa violador de princípios constitucionais ali previstos, independentemente de importar enriquecimento ilícito ou de causar prejuízo material ao erário, já que o dano ofende à moral administrativa, sendo certo que a improbidade é um mal que deve ser combatido desde o ato mais singelo, e, na espécie, considerando-se que o requerido, na função de Delegado da Polícia Civil, abusou de sua autoridade e aproveitou da sua função para constranger ilegalmente várias pessoas durante a festa nacional do milho, que se realizou em maio do ano de 2008 no Município de Patos de Minas, tipificada restou a conduta de praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, através do uso da função pública, violando, pois, os princípios da administração pública, devendo ser mantida a sentença que o condenou por infração ao disposto no art. 11, I, da Lei Federal 8.429/92. PENALIDADES – CUMULAÇÃO – CASO CONCRETO – ADEQUAÇÃO – HISTÓRICO DO REQUERIDO – OUTRA CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ANÁLOGO AO DO CASO EM QUESTÃO – NECESSIDADE DE MAIOR RIGOR. As cominações previstas no art. 12 da Lei Federal 8.429/1992, não são necessariamente cumulativas, de modo que, em vista de circunstâncias e aspectos detectados no caso concreto, devem atender aos comandos constitucionais e infraconstitucionais, punindo quem praticou ato ímprobo, de forma proporcional à extensão da improbidade, sem imposições injustas. Na hipótese, cabíveis as sanções da lei de improbidade de modo cumulativo, excetuando-se a de ressarcimento ao erário, eis que o prejuízo é de ordem moral, tendo em vista que, diante da prova produzida, mostrou-se elevado o desvalor ético e moral na conduta praticada pelo requerido, Delegado da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, que vem se mostrando useiro e vezeiro no abuso de autoridade, durante o cumprimento de sua funções, o que enseja, além da aplicação de multa civil, da suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, e da proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, como impostas na sentença, a necessidade de perda da função, mesmo porque, os atos ímprobos decorreram da própria função relevante de Delegado, que vem utilizando de seu cargo para constranger pessoas, praticando, de forma reiterada, atos visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência. Rejeitada a preliminar, e, no mérito, negado provimento ao primeiro recurso, e provido o segundo apelo.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0480.09.127805-5/001 – COMARCA DE PATOS DE MINAS – APELANTE(S): LEONARDO DOS SANTOS DINIZ, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, LEONARDO DOS SANTOS DINIZ

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar, e, no mérito, negar provimento ao primeiro recurso, e dar provimento ao segundo apelo.

DES. JUDIMAR BIBER
RELATOR.

DES. JUDIMAR BIBER (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recursos de apelação cível aviados contra a sentença de fls. 518/530 do documento único gerado, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para condenar o requerido Leonardo dos Santos Diniz, por infração ao disposto no art. 11, I, da Lei Federal 8.429/92, com fundamento no art. 12, III do mesmo diploma legal, ao pagamento de multa civil no valor de 05 (cinco) vezes a remuneração percebida pelo requerido à época dos fatos. Determinou, ademais, que os valores constantes da condenação, a serem apurados em liquidação de sentença, deverão ser corrigidos monetariamente pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, a partir da época dos fatos, bem como acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação.
Aplicou, ademais, a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Condeno a parte requerida, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, tendo em vista a isenção conferida ao Ministério Publico e a União, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/1985 (STJ, Aglnt no AREsp 996.192/SP, ReI. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30.08.2017). No mesmo sentido: Aglnt no REsp 1.531.504/CE, ReI. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21.09.2016; Aglnt no REsp 1.127.319/SC, ReI. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18.08.2017; Aglnt no REsp 1.435.350/RJ, ReI. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31.08.2016;REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16.08.2017).
Em suas razões recursais, sustenta o primeiro apelante (requerido Leonardo dos Santos Diniz), a ocorrência da prescrição, sob o fundamento de que, em decorrência de o ato de improbidade administrativa, em tese, por ele praticado, ter sido, outrossim, tipificado como crime, o prazo prescricional para a aplicação de sanção disciplinar é o mesmo prazo para a aplicação da sanção penal, e, conforme cópia da sentença criminal de fls. 330/355, foi condenado pela prática do delito insculpido no art. 4ª, alínea a, da Lei Federal 4.898/65, sendo-lhe imposta a pena de 120 (cento e vinte) dias-multa, cujo valor era de 3/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, no entanto, interposta apelação, foi acolhida a preliminar suscitada, para declarar a prescrição da pretensão punitiva estatal e, em consequência, declarada extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, tudo conforme cópia do acórdão de fls. 388/394, devendo ser aplicada a regra penal também em relação à improbidade, qual seja, o art. 114, I, do Código Penal. No mérito, assevera o primeiro apelante que não se verifica, no caso, a presença dos pressupostos configuradores de ato ímprobo, notadamente porque não há prova da prática de ato ilícito, já que, como bem pontuado pelo juízo de primeiro grau, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11 da Lei Federal 8.492/92, é necessária a comprovação do elemento subjetivo, qual seja, o dolo genérico, que é a compreensão da intenção, vontade, o agir com má-fé no intuito de não cumprir obrigação legal ou ato de ofício determinado, inexistente no caso. Aduz, ademais, que, por conta do reconhecimento da prescrição pelo Tribunal de Justiça, não houve apreciação do mérito quanto ao crime de abuso de autoridade, não se confirmando a condenação levada a efeito pelo juízo de origem, não fosse pela prescrição corresponder à absolvição, e, mesmo se se considerar a hipótese na qual não tenha sido absolvido na seara criminal, rege nosso ordenamento jurídico o princípio da independência das instâncias, assim como se depreende do art. 935 do Código Civil, não podendo uma condenação na seara criminal embasar, exclusivamente, uma condenação civil por improbidade administrativa. Alega, também, que a prova produzida na audiência de instrução dos autos criminais e emprestada para este feito, indica, unissonamente, o desencadeamento dos fatos que justificam a sua atitude e seu agir em estrito cumprimento do seu dever legal, não infringindo, em nenhum momento, princípios administrativos, tecendo considerações. Alternativamente, sustenta que a sua conduta merece, tão somente, a aplicação de multa civil, pois qualquer outra pena se mostra por demais desproporcional e desarrazoada para o caso vertente, mormente tendo em conta que as sanções previstas no art. 12 da Lei Federal 8.429/92 não devem ser indiscriminadamente aplicadas, porquanto não são necessariamente cumulativas, cumprindo ao julgador graduá-las de forma razoável e atenta às circunstâncias do caso concreto, não se descurando que o apelante contava com apenas 41 (quarenta e um) dias de atuação como Delegado de Polícia, sendo que aquela era a sua primeira grande operação. Alega, outrossim, que o magistrado arbitrou valores que não condizem com a capacidade econômica do apelante, tampouco com a extensão dos danos alegados, violando, pois, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art, 8°, CPC), devendo ser reduzido o valor da multa fixada, a fim de atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, questionando, da mesma forma, a atualização como determinada.
A seu turno, aduz o segundo apelante (Ministério Público) que o ilustre Magistrado Sentenciante não agiu com o costumeiro acerto ao deixar de aplicar a pena de perda da função pública, tendo em vista que o requerido já foi condenado anteriormente por improbidade administrativa à pena de multa, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, conforme o processo tombado sob o número 1278030-17.2009.8.13.0480, cujo Acórdão encontra-se às fls. 430/445 destes autos, cujo processo já transitou em julgado e está em cumprimento de sentença. Destaca, da mesma forma, que naquela ação houve condenação do requerido também por violação de princípios da Administração e abuso de poder, demonstrando que, apesar do pouco tempo de serviço público, o apelado faz tábula rasa dos princípios que norteiam a Administração pública, utilizando-se de seu cargo para fins escusos. Sustenta, também, que essa condenação anterior revela, estreme de dúvidas, que a punição à pena de multa, suspensão de direitos políticos e de contratar com o Poder Público mostrou-se insuficiente para fins de repressão e prevenção de futuras ações abusivas por parte do apelado, faltando, pois, proporcionalidade na análise dos presentes fatos pelo MM. Juiz sentenciante, na medida em que o Apelado, pela gravidade e consequência dos atos abusivos praticados, revelou total inaptidão para exercer o cargo de Delegado de Polícia, sendo de rigor a decretação da perda do cargo por esse egrégio Tribunal.
Os recursos foram devidamente contra-arrazoados.
Opina a douta Procuradoria de justiça pelo não provimento ao primeiro e provimento ao segundo recurso.
É o relatório.
Passo ao voto.
Em primeiro lugar, deixo consignado que o reexame necessário só é passível de conhecimento nos casos de improcedência do pedido inicial a Ação Civil Pública, por aplicação do art. 19 da Lei Federal 4.717/65, por analogia, de modo que não se cogita, na hipótese, do duplo grau de jurisdição obrigatório.
Por sua vez, presentes os requisitos legais, conheço de ambos os apelos voluntários.
Como prejudicial de mérito, argui o primeiro apelante a ocorrência da prescrição, sob o fundamento de que, em decorrência de o ato de improbidade administrativa, em tese, por ele praticado, ter sido, outrossim, tipificado como crime, o prazo prescricional para a aplicação de sanção disciplinar é o mesmo prazo para a aplicação da sanção penal, e, conforme cópia da sentença criminal de fls. 330/355, foi condenado pela prática do delito insculpido no art. 4ª, alínea a, da Lei Federal 4.898/65, sendo-lhe imposta a pena de 120 (cento e vinte) dias-multa, cujo valor era de 3/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, no entanto, interposta apelação, foi acolhida a preliminar suscitada, para declarar a prescrição da pretensão punitiva estatal e, em consequência, declarada extinta a punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, tudo conforme cópia do acórdão de fls. 388/394, devendo ser aplicada a regra penal também em relação à improbidade, qual seja, o art. 114, I, do Código Penal.
Pois bem.
Sobre a prescrição em ações de improbidade administrativa, estabelece a Lei Federal 8.429/92, que:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Da leitura da aludida norma, é possível afirmar que, tratando-se de vínculo temporário em razão de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança, a teor do art. 23, I, o lapso prescricional de cinco anos, somente iniciará a partir do término do vínculo com o Poder Público.
No caso dos autos, considerando que o requerido é servidor efetivo do Estado de Minas Gerais, e exerce o cargo de Delegado da Polícia Civil, infere-se que a regra do art. 23, I, do aludido Diploma Legal, a ele não se aplica, porque seu vínculo com o Poder Público não tinha caráter temporário, mas efetivo.
Assim, aplica-se ao caso concreto o “prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego”, hipótese esta prevista no inciso II do citado art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa.
Na lição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
Não se tratando de vínculo temporário, o lapso prescricional será idêntico àquele previsto em lei específica para os casos de demissão a bem do serviço público, conforme expressa disposição do art. 23, II. A lei específica aqui referida normalmente será aquela que institui o regime jurídico da categoria a que pertença o ímprobo, mas nada impede haja previsão diversa em legislação esparsa. Inexistindo referência em relação à demissão a bem do serviço público, deve ser aplicado o lapso prescricional relativo à demissão em geral, o que não redundará em qualquer prejuízo ao agente, pois quando se diz que a dissolução do vínculo ocorreu a bem do serviço público quer-se dizer que os fatos que a originaram em razão de maior gravidade do que aqueles ordinariamente, justifica a aplicação das sanções dessa natureza. (In, “Improbidade Administrativa”, 6ª edição, rev. e ampl. e atualizada, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 624)
Em Minas Gerais, não há, na Lei Orgânica da Polícia Civil – Lei Complementar 129/2013 – previsão de prescrição para demissão de policial civil que incorrer em ilícito disciplinar, tampouco, pode ser adotado o Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais (Lei nº 869/52), que somente prevê a prescrição para demissão por abandono do cargo (art. 258).
Observa-se que, em um primeiro momento, ainda paira a dúvida acerca de qual o prazo prescricional a ser considerado na hipótese de sanção por ato de improbidade administrativa – que não visa o ressarcimento do dano, por falta de expressa previsão legislativa.
Contudo, se os atos ímprobos imputados ao réu enquadram-se, também, como ilícitos penais, haja vista, no caso concreto, se tratar do crime de abuso de autoridade, aplicáveis os prazos prescricionais estabelecidos na lei penal.
Na esteira desse raciocínio, o prazo prescricional para a propositura de ações que visam à condenação pela prática de atos de improbidade administrativa, também capitulados como crime, deve se regular pelas disposições da lei penal.
Neste sentido, a doutrina de José Cretella Júnior:
(…) os estatutos do funcionalismo brasileiro dispõem que a punibilidade da falta administrativa também prevista em lei como crime prescreve no mesmo prazo correspondente à prescrição da punibilidade deste. No caso, deixam de vigorar as regras estatutárias, estabelecidas pelo Direito Disciplinador e aplicadas quando tudo ainda se passa na esfera administrativa, para prevalecer a orientação do Direito Penal, fixada no capítulo ‘Da extinção da punibilidade’, catalogada na parte geral do nosso Código Penal. (In, “Prescrição Administrativa”, Revista dos Tribunais, nº 542/12)
A propósito, este colendo tribunal já se manifestou:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA- IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA- DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL – COMÉRCIO DE MOTOCICLETAS OBJETO DE CRIME- ILÍCITO ADMINISTRATIVO E PENAL- PRAZO PRESCRICIONAL ART. 142, § 2º, DA LEI 8.112/90- PRESCRIÇÃO NÃO CARACTERIZADA- PERDA DO OBJETO – INOCORRÊNCIA- PROVA PERICIAL E EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO DETRAN- INDEFERIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA -INOCORRÊNCIA- AGRAVO RETIDO DESPROVIDO- CONDUTA ÍMPROBA CARACTERIZADA – APLICAÇÃO DE SANÇÕES – GRAVIDADE DOS ATOS – RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE- SENTENÇA MANTIDA. – Prevalece a jurisprudência assente no Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, quando o ato ímprobo também constituir crime, não se aplicará o prazo previsto na Lei Administrativa para as faltas puníveis com demissão, mas sim os prazos prescritivos da lei penal. – Nos termos do art. 12 da Lei 8.429/92 e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “a apuração de falta disciplinar realizada no PAD não se confunde com a ação de improbidade administrativa, esta sabidamente processada perante o Poder Judiciário, a quem cabe a imposição das sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei n.º 8.429/92”. – Não sendo referentes as provas requeridas para o julgamento da demanda, não se há cerceamento de defesa no ato do magistrado que encerra a instrução. – Constitui ato de improbidade administrativa, a ação ou omissão que fere direta ou indiretamente os princípios da Administração, independentemente de enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário, contentando-se essa figura típica com o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente do Agente em praticar a conduta descrita na lei. – Detectado o ato ímprobo, exsurge a necessidade de aplicação das penas previstas na Lei nº 8.429/92, de acordo com os parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade, observada a gravidade das circunstâncias do caso concreto. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.10.243977-5/001, Relator(a): Des.(a) Elias Camilo , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/02/2019, publicação da súmula em 01/03/2019)
PRELIMINAR DE OFÍCIO. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DETETIVE DA POLÍCIA CIVIL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONCUSSÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CASSADA. I. Por analogia ao artigo 19, caput, primeira parte, da Lei da Ação Popular, procede-se ao reexame necessário da sentença proferida na Ação Civil Pública que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Estadual; II. O prazo prescricional para a propositura de ações que visam à condenação pela prática de atos de improbidade administrativa, também capitulados como crime, é aquele previsto pelas disposições da lei penal; III. Considera-se a regra do artigo 109 do Código Penal, que estabelece a pena máxima atribuída abstratamente ao tipo. (TJMG – Apelação Cível 1.0372.07.026599-9/002, Relator(a): Des.(a) Washington Ferreira , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/03/2014, publicação da súmula em 01/04/2014)
AÇÃO RESCISÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INFRINGÊNCIA AO ART. 485, INCISOS V E IX, DO CPC NÃO COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. – O prazo prescricional na ação de improbidade administrativa, quando o fato também constituir ilícito penal, deve ser calculado levando-se em consideração a pena máxima em abstrato para a espécie penal. – (…) (Ação Rescisória 1.0000.12.094577-9/000, Relator(a): Des.(a) Duarte de Paula , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/10/2013, publicação da súmula em 01/11/2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO. APLICAÇÃO DA LEI PENAL PARA O CÔMPUTO DA PRESCRIÇÃO. Não elencado, na lei que rege os servidores públicos do Estado de Minas Gerais, o prazo específico quanto à prescrição aplicável à demissão a bem do serviço público e levando-se em conta que os ilícitos administrativos praticados também podem ser capitulados como crime, impõe-se a aplicação na seara administrativa do prazo prescricional previsto na legislação penal. (Agravo de Instrumento Cv 1.0079.07.387730-4/001, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/10/2013, publicação da súmula em 25/10/2013)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL – REJEIÇÃO – PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO – ART. 23 DA LEI Nº 8.429/1992 – INOCORRÊNCIA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PRATICADA POR SERVIDORES ESTADUAIS – VANTAGEM PECUNIÁRIA INDEVIDA OBTIDA NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA – DOLO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – COMPROVAÇÃO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL MANTIDA. – (…) – Nos termos do art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), tem-se que, tratando-se de ato praticado no exercício de cargo efetivo, para fins de aplicação das sanções estabelecidas no mencionado diploma legal, aplica-se o prazo prescricional estabelecido em lei específica para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. – Consoante jurisprudência consolidada pelo eg. STJ, não havendo previsão específica do prazo prescricional por falta administrativa cometida por servidor punível com demissão a bem do serviço público, e, constituindo a infração disciplinar também ilícito penal, o prazo prescricional a ser adotado é o previsto na legislação penal. – Nos termos do art. 12, caput, da Lei nº. 8.429/1992, “independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às sanções nela previstas. (…) (Apelação Cível 1.0024.10.003435-4/001, Relator(a): Des.(a) Elias Camilo , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/04/2013, publicação da súmula em 10/05/2013)
A seu turno, o Código Penal assim dispõe acerca da prescrição, antes (art. 109, CP) e depois (art. 110, CP) de transitar em julgado a sentença final condenatória:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010)
Logo, o Código Penal traz duas hipóteses de cálculo do prazo prescricional.
A primeira, segundo o art. 109, faz-se segundo a pena máxima em abstrato cominada para a infração.
A segunda, nos termos do art. 110, é apurada tomando em consideração a penalidade imputada ao autor do crime, ou seja, a pena em concreto.
Volvendo ao caso dos autos, conforme entendimento firmado no egrégio Superior Tribunal de Justiça, o prazo prescricional para as ações de improbidade administrativa fundadas em atos que também são enquadrados como crime calcula-se segundo a pena máxima abstratamente imputada para a infração penal, nos termos do art. 109 da Lei Penal, independentemente do reconhecimento da prescrição penal retroativa no juízo criminal.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. NORMA ESTADUAL. REEXAME PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. SÚMULA 280/STF. INTENTO PROTELATÓRIO. APLICAÇÃO DE MULTA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A contradição passível de correção via Embargos Declaratórios é apenas aquela endoprocessual, ou seja, a que existe dentro de determinada decisão, e não suposta divergência entre a tese ou os fatos trazidos e o entendimento enunciado, como quer mostrar a fundamentação apresentada pelos agravantes. 2. Assim, não há contrariedade retificável em razão de o art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa ser de lei federal, e o caso concreto ter sido decidido à luz dos artigos 179 e 180 da Lei Complementar estadual 68/1992 – Estatuto dos servidores públicos civis de Rondônia – haja vista que os recorrentes, quando cometeram os ilícitos investigados, exerciam cargos públicos, oriundos de nomeação com base no mencionado regime estatutário estadual, no Detran/RO (fls. 2623/2624, e-STJ). 4. Tão somente por grande apreço à missão jurisdicional, para que não restem dúvidas – razoáveis ou não – acerca do provimento exarado, deve-se salientar que, segundo o referido art. 180 da norma estadual, “se o fato também configura ilícito penal, a prescrição é a mesma da ação penal, caso esta prescreva em mais de 05 (cinco) anos” (fl. 2624, e-STJ). 5. O Tribunal local, afirmou que (fl. 2.624, e-STJ, grifou-se): “(…) A prescrição para os apelantes Paulo e Dione, servidores públicos, tem por base a prescrição da pena fixada na ação penal, ou seja, 12 anos, conforme disposto no art. 109, do CP. Os fatos ocorrem em dezembro de 1997 e a ação civil pública foi proposta no dia 10 de abril de 2007, afastando, portanto, a prescrição quanto aos apelantes Dione Quellen Botter Santos e Paulo Márcio Lopes. Quanto à apelante Lucinéia Teixeira Machado, seguindo entendimento jurisprudencial, o prazo prescricional é, em princípio, o mesmo aplicável ao servidor público ou agente político envolvido, porquanto se supõe que não haveria como o ilícito ocorrer sem o seu concurso ou na condição de beneficiário de seus atos (STJ REsp 704.323)”. 6. Verificar se o entendimento da Corte de origem está em conformidade com os prazos prescricionais previstos na norma local em discussão demandaria o reexame das provas dos autos, o que é defeso ante a Súmula 7/STJ. 7. Apesar da advertência anterior, ajuizou-se novo recurso protelatório. 8. Agravo Interno não provido, com condenação dos recorrentes a multa de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, por litigância de má-fé, nos termos do art. 80, V e VII, do CPC/2015. (AgInt nos EDcl no REsp 1718704/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 17/06/2019)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRESCRIÇÃO. ART. 109 DO CP. PENA ABSTRATAMENTE COMINADA.OFENSA AO ART. 333 DO CC. ALEGADA AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211/STJ.I. RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ NERO CÂNDIDO VIEIRA. 1. Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada em face de militares em razão da prática de peculato.2. Como os recorrentes são servidores públicos efetivos, no que se relaciona à prescrição, incide o art. 23, inc. II, da Lei n.8.429/92.3. A seu turno, a Lei n. 8.112/90, em seu art. 142, §2º, dispositivo que regula os prazos de prescrição, remete à lei penal nas situações em que as infrações disciplinares constituam também crimes – o que ocorre na hipótese. No Código Penal – CP, a prescrição vem regulada no art. 109.4. A prescrição da sanção administrativa para o ilícito de mesma natureza se regula pelo prazo prescricional previsto na Lei Penal (art. 142, § 2º, da Lei 8.112/90).II. RECURSO ESPECIAL DE MARCOS HENRIQUE DA SILVA SERRA. 5. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes.6. No que se refere a violação do art. 333, do CPC, é de se notar que os dispositivos elencados e as teses a eles vinculadas não foram objeto de debate na origem, o que faz incidir a Súmula n. 211 do Superior Tribunal de Justiça, por ausência de prequestionamento. 7. Recurso especial de José Nero Cândido Vieira não provido. Recurso especial de Marcos Henrique da Silva Serra parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. (REsp 1234317/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 31/03/2011)
MANDADO DE SEGURANÇA. AUDITORA FISCAL DA RECEITA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO CPB. AUSÊNCIA DE CÓPIA DO PAD. IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DO TERMO INICIAL DO LAPSO TEMPORAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO NA ESMERADA POSIÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA. PROCESSO EXTINTO, SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO. 1. Evidenciado nos autos que a conduta da impetrante foi objeto de apuração na esfera criminal, existindo, inclusive, sentença penal condenatória, a prescrição da sancionabilidade do ilícito administrativo se regula pelo prazo prescricional previsto na Lei Penal (art. 142, § 2o. da Lei 8.112/90). Precedentes. 2. O pedido de segurança há de ser instruído com documentos que revelem, de plano, a existência de direito subjetivo na esmerada posição de liquidez e certeza, sem o que não se possibilita o trânsito do pleito mandamental; a restrição probatória, na ação mandamental, desde a sua mais recuada elaboração, sempre pertenceu à inadmissibilidade de dilação, por descaber, no seu âmbito, a produção desses elementos elucidadores de fatos, o que importaria na sua ordinarização e perda do seu status de medida excepcional. 3. Não há, nos autos, cópia integral do Processo Administrativo Disciplinar, o que inviabiliza a análise apurada das alegações feitas pela impetrante. A simples juntada de cópia da capa dos autos do referido procedimento não traz ao conhecimento desta Corte as informações necessárias para a aferição do termo inicial do prazo prescricional. 4. Processo mandamental extinto sem apreciação de seu mérito, com ressalva das vias ordinárias. Agravo Regimental prejudicado. (MS 14320/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 14/05/2010)
Neste diapasão, para o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 4º, alínea a, da Lei Federal 4.898/1965, as penas são descritas no § 3º do art. 6º:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
Em casos tais, de acordo com o citado art. 109 do Código Penal, o prazo prescricional é de três anos, para os crimes cuja pena máxima seja inferior a 1 (um) ano (abuso de autoridade).
Assim, tendo o crime sido praticado em 30/05/2008, e o ajuizamento da ação civil pública ocorrido em 31/03/2009, indeclinável reconhecer que tal se deu antes da consumação do prazo prescricional fixado na lei penal.
E nem se diga que o reconhecimento da prescrição penal retroativa na esfera criminal conduziria ao reconhecimento da perda do direito de punir, pelos atos de improbidade na seara administrativa.
Isso porque, de todo incabível condicionar o exercício da jurisdição civil às intempéries da criminal, sob pena de nítida afronta à independência entre elas.
Contrariamente ao que alegou o apelante, a sentença penal somente produz efeitos favoráveis ao réu no âmbito administrativo quando: a) negar a autoria; b) negar a existência do fato ou c) reconhecer uma das excludentes de ilicitude, tendo em vista que só existirá ilícito se o fato realmente ocorreu (materialidade) e se o sujeito passivo do processo for o autor (autoria), de modo que a decisão que acolheu a prescrição e, por seguinte, julgou extinta a punibilidade na ação penal, não tem o condão de afastar a responsabilidade administrativa do apelante, conforme dispõe inclusive o art. 67, II, do Código de Processo Penal, senão vejamos:
Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:
II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;
Descabida, então, a alegação do primeiro apelante de que não há prova da prática de ato ilícito, tendo em vista a extinção da punibilidade pela prescrição.
E não há falar em prescrição intercorrente, uma vez que não há disposição legal que permita sua aplicação em casos de improbidade administrativa, como já teve oportunidade de decidir o Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESVIO DE DINHEIRO. ART. 23, I E II, DA LEI 8.429/1992. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NÃO OCORRÊNCIA. ELEMENTO SUBJETIVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. PARTICIPAÇÃO NO ATO ÍMPROBO. ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS. SÚMULA 7/STJ. COMINAÇÃO DAS SANÇÕES. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. ART. 12 DA LIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS E REGIMENTAIS. 1. O art. 23 da Lei 8.429/1992, que regula o prazo prescricional para propositura da ação de improbidade administrativa, não possui comando a permitir a aplicação da prescrição intercorrente nos casos de sentença proferidas há mais de 5 (cinco) anos do ajuizamento ou do ato citatório na demanda. Precedente. 2. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento (Súmula 282/STJ). 3. Inviável a modificação das premissas fáticas estabelecidas pela instância ordinária, referente à participação da recorrente na consecução e proveito do ato ímprobo, por demandar o reexame de provas (Súmula 7/STJ). 4. Cada inciso do art. 12 da Lei 8.429/1992 traz uma pluralidade de sanções, que podem ser aplicadas cumulativamente ou não, ainda que o ato de improbidade tenha sido praticado em concurso de agentes. Precedentes do STJ. 5. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ). 6. A ausência de cotejo analítico, bem como de similitude das circunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, impede o conhecimento do recurso especial pela hipótese da alínea “c” do permissivo constitucional. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1289993/RO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 26/09/2013)
Nestes termos, rejeito a preliminar.
No tocante ao tema central, cuida-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público contra Leonardo dos Santos Diniz, objetivando a responsabilização deste porque teria praticado atos típicos de improbidade administrativa, por infração ao art. 11, caput e inciso I, da Lei Federal 8.429/92, violando, pois, os princípios da Administração Pública, ao abusar de sua autoridade de Delegado de Polícia e aproveitar desta função para constranger ilegalmente várias pessoas durante a Festa Nacional do Milho, que se realizou no ano de 2008, no Município de Patos de Minas.
Narra a inicial, que:
(…) o requerido na data de 30 de maio de 2008, por volta de 21:00 horas, na rua Major Gote, no Parque de Exposições “Sebastião Alves do Nascimento”, nesta cidade, na qualidade de Delegado de Polícia, ORDENOU medida privativa de liberdade em desfavor de GISELE APARECIDA DO AMARAL, ELIANE MARIA BRAGA, ELISÂNGELA BARBOSA DOS SANTOS, KÁTIA RODRIGUES, ÂNGELA MARIA DA SILVA, VANDER FELIZARDO DE OUVEIRA e MARCELO ALVES DA SILVA, sem as formalidades legais e com abuso de poder.
Consta, ainda, que na mesma data, horário e local já mencionados, o requerido, ainda agindo na qualidade de Delegado de Policia, constrangeu, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo e concurso de mais de três pessoas, as referidas vítimas a fazer o que a lei não manda.
Apurou-se que, durante a realização do evento festivo e anual denominado Festa Nacional do Milho, ocorrido no mês de maio de 2008, ficou acertado entre a Direção do Sindicato Rural de Patos de Minas – entidade promotora do evento – e a Polícia Civil, que o ingresso de agentes policiais e Delegados de Polícia ligadas à 10ª Delegacia Regional de Polícia de Patos de Minas no citado evento se daria sem o pagamento de ingressos, ainda que os servidores públicos estivessem fora do exercício de suas funções.
Para tanto, a entidade promotora do evento solicitou o credenciamento de todos os agentes pelo sistema de biometria ou por meio da confecção de identidade de associados do Sindicato Rural.
Ficou acordado, ainda, que os servidores públicos que não estivessem credenciados poderiam ingressar por um portão especial, destinado às autoridades públicas, com a simples apresentação da identidade funcional.
Nada obstante a existência do acordo, segundo o que se apurou, os agentes da Polícia Civil estariam descontentes com o tratamento dispensado a eles pelo Sindicato Rural, uma vez que entendiam que o policial em serviço ou fora dele, estaria autorizado a ingressar no Parque de Exposições a qualquer tempo, por meio de qualquer um de seus acessos, estando ou não credenciado.
Tanto que na data de 29/05/2008, um agente de polícia, acompanhado de um casal de amigos, tenha revelado indignação com a necessidade de aguardar a conferência de seu nome na lista de policiais para que pudesse ter o acesso liberado. Na ocasião, teria havido discussão e, segundo testemunhas, a promessa feita pelo policial no sentido de que haveria retaliação futura.
Na data de dia 30 de maio de 2008, uma sexta-feira, por volta de 21 horas, o requerido, Delegado de Policia de plantão, recebeu a incumbência de cumprir alguns mandados de prisão.
Embora relativamente antigos os mandados, tomou-se a decisão de cumpri-los naquela noite, no interior do Parque de Exposições em que se realizava a Festa Nacional do Milho, local de grande aglomeração de pessoas onde, supostamente, os réus procurados estariam homiziados.
O Requerido, então, aproveitando-se da oportunidade para retaliar a atitude do Sindicato Rural consistente em controlar o acesso de servidores públicos e de autoridades que não pagavam pela entrada, determinou a um dos agentes de polícia que se dirigisse ao portão de acesso principal do Parque de Exposições e postulasse o ingresso.
O Requerido, ao que se infere, sabia, de antemão, que o referido policial seria convidado a se dirigir ao portão de acesso exclusivo de não pagantes. Mesmo assim, ordenou que o agente assim procedesse sem apresentar qualquer dos mandados de prisão a serem cumpridos. Ao se identificar e pedir para ingressar no Parque sem ingresso e sem credencial, o dito agente de polícia, como era de se esperar, foi convidado a se dirigir ao acesso especial.
Restringido o acesso do agente de polícia por ter ele se apresentado como mero consumidor da festa e não como policial no exercício da função, ainda assim o requerido não providenciou a apresentação dos mandados de prisão. Tampouco esclareceu a necessidade de se ingressar pelo portão principal para prender suspeitos, quando, o lógico e o razoável seria a entrada da polícia pelo local mais reservado e discreto possível.
Ao contrário, o requerido, avisado pelo agente de polícia que teria que se dirigir a outro portão de acesso, determinou a invasão do Parque de Exposições, por diversos agentes, muitos deles portando armas de fogo ostensivamente. Após o ingresso dos agentes que, a mando do requerido, que gesticulava e verberava, de arma em punho, saltaram a catraca que controlava o acesso, o requerido ordenou que os porteiros e outros funcionários do Sindicato Rural fossem algemados e conduzidos presos à Delegacia de Policia.
O próprio requerido apontou arma de fogo contra o corpo de vítimas imóveis e que não ofereciam nenhum tipo de resistência, além de ter empunhado uma pistola semiautomática a esmo, direcionando-a contra pessoas inocentes, meros consumidores interessados em participar do evento festivo, mas que foram surpreendidas com grave e iminente perigo para suas incolumidades físicas.
Não bastasse, as vítimas foram submetidas a busca pessoal e obrigadas a ingressar no compartimento fechado das viaturas. Na delegacia, tiveram lavrados contra si termos circunstanciados de ocorrência por suposta prática dos crimes de desobediência e de resistência.
O requerido, ao que se infere dos autos, após determinar as prisões dos servidores do Sindicato sob o hipotético pretexto de que as custódias seriam necessárias para possibilitar o ingresso da Polícia no Parque de Exposições para o cumprimento de Mandados de Prisão, não deu continuidade a tal diligência, ou seja, não deu seguimento ao cumprimento dos mandados, contentando-se, como se depreende dos autos, com as prisões dos funcionários da Festa Nacional do Milho.
Houve, portanto, prisão absolutamente ilegal, na verdade flagrante forjado, que foi utilizada pelo inculpado como instrumento de intimidação e retaliação a episódio isolado ocorrido na véspera com um de seus pares.
O requerido, logo em seguida, obrigou as vítimas, mediante grave ameaça exercida com arma de fogo e em concurso com outros agentes, e depois de lhes reduzir a capacidade de resistência, a fazer o que a lei não manda, ou seja, submeter-se a buscas pessoais, abandonar os seus postos de trabalho e assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, mesmo cientes de que não praticaram crimes, como única forma de se verem livres e retornar ao parque de exposições onde exerciam licitamente o seus misteres.
Depreende-se que o requerido, agindo e se apresentando como Delegado de Polícia, prendeu ilegalmente algumas pessoas que trabalhavam na Festa do Milho, simplesmente para intimidar e retaliar tais cidadãos, sem motivo legal algum para tanto.
Tais fatos acabaram por dar ensejo à propositura de uma ação penal, que tramita junto à Vara Criminal da Comarca sob o n° 0480 09 125038-3, estando o requerido denunciado na figura típica do art. 4°, alínea “a”, da Lei 4.898/63 (Abuso de Autoridade) e do art. 146, § 1°, do Código Penal Brasileiro (Constrangimento Ilegal).
Os depoimentos colhidos durante a instrução do procedimento investigatório criminal atestam os fatos acima aludidos.
Diante disso, o requerido praticou ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 11, inciso I), por ofensa direta a vários princípios administrativos, como adiante se verá (…)
A seu turno, em sua defesa preliminar na presente ação (fls. 236 do documento único gerado), o réu teceu considerações genéricas para pleitear a improcedência do pedido inicial, não trazendo qualquer documento ou mesmo prova em favor de sua tese.
Na contestação, o réu entendeu pela necessidade de suspensão do presente feito, com fulcro nos artigo 110 e 265, inciso IV, “a”, todos do Código de Processo Civil. No mérito, sustentou que, pelo teor dos depoimentos extraídos dos autos da ação penal (0480.09.125970-9), ter-se-ia a confirmação de que o demandado não cometeu ilícito penal, o que leva à sua não culpabilidade também na seara civil/administrativa, tendo em vista a natureza do caso que ora se debate. Aduziu, também, que, condicionar a entrada dos agentes a conferência de seu nome em uma “lista”, além de comprometer a efetividade do trabalho policial, ainda contraria disposição normativa cogente, sendo certo que consta expressamente na sua carteira funcional, que o mesmo possui “franco acesso aos locais sobre fiscalização policial e ao mesmo deve ser dado todo apoio e auxílio necessários ao desempenho de suas funções”, restando patente que houve violação das prerrogativas funcionais não apenas do demandado, como também de todos os agentes policiais impedidos de adentrar as dependências do parque de exposição para exercer suas atribuições. Sustentou, outrossim, que o Ministério Público sequer mencionou que, no desenvolver dos fatos, foi constatado que dois seguranças armados não apresentaram de imediato seu porte de arma e o mais absurdo ainda é que com um deles foi encontrada substância entorpecente. Afirmou, também, que jamais se utilizou da sua posição de autoridade policial para se aproveitar como consumidor do evento, pois comprou passaporte que lhe garantia acesso a todos os dias do evento, e que a exposição da arma pelo agente policial em missão não é ato proibido, sendo que como medida de segurança, ela é mantida com percurso (cão) rebatido, para evitar disparos acidentais, se fazendo necessário engatilhá-la para que disparos sejam efetuados. Alegou, outrossim, que o fato do demandado estar portando arma de fogo, não é, por si só, elemento que caracterize grave e iminente perigo para a incolumidade física das pessoas, até mesmo porque, a arma é instrumento de trabalho do policial, e que não cabe ao Ministério Público discutir a conveniência e oportunidade do ato de policia/administrativo que seria realizada na noite dos fatos no Parque de Exposição, e que não era verdade que os mandados de prisão seriam relativamente antigos. (fls. 266/278 do documento único gerado)
Pois bem.
A Constituição Federal, no art. 37, resguarda os princípios norteadores da Administração Pública, e que devem ser observados em toda e qualquer conduta administrativa.
O § 4º do referido artigo exterioriza, de modo expresso e direto, regra específica sobre os atos de improbidade administrativa, senão vejamos:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A seu turno, o art. 4º da Lei de Improbidade Administrativa, dispõe que é dever de todos os agentes públicos, de qualquer nível e esfera hierárquica, exercer as suas funções com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, tendo em vista sempre o interesse público e o bem estar social.
Em razão disso, a aludida Lei Federal 8.429/92, define como atos de improbidade administrativa aqueles que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) e prejuízo ao erário (art. 10), ou simplesmente atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), sendo previstas no art. 12 as penas cominadas a cada forma de improbidade, senão vejamos:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
(…)
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
I – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
Na lição de José dos Santos Carvalho Filho, sobre a improbidade:
A doutrina, em geral, procura distinções quanto ao sentido de probidade e de moralidade, já que ambas as expressões são mencionadas na Constituição. Alguns consideram distintos os sentidos, entendendo que a probidade é um subprincípio da moralidade. Para outros, a probidade é conceito mais amplo do que o de moralidade, porque aquela não abarcaria apenas elementos morais. Outros ainda sustentam que, em última instância, as expressões se equivalem, tendo a Constituição, em seu texto, mencionado a moralidade como princípio (art. 37, caput) e a improbidade como lesão ao mesmo princípio (art. 37, § 4º). Em nosso entender, melhor é esta última posição. De um lado, é indiscutível a associação de sentido das expressões, confirmadas por praticamente todos os dicionaristas; de outro, parece-nos desnecessário buscar diferenças semânticas em cenário no qual foram elas utilizadas para o mesmo fim – a preservação do princípio da moralidade administrativa. Decorre, pois, que, diante do direito positivo, o agente ímprobo sempre se qualificará como violador do princípio da moralidade. (In, “Manual de Direito Administrativo”, 19ª ed. rev., ampl. e atual. até 31 de dezembro de 2007, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 939)
No caso dos autos, a inicial acusa o requerido de, agindo e se apresentando como Delegado de Polícia, haver prendido ilegalmente algumas pessoas que trabalhavam na Festa do Milho realizada na Cidade de Patos de Minas, simplesmente para intimidar e retaliar tais cidadãos, sem motivo legal algum para tanto.
Ademais, segundo o autor da presente ação, as vítimas foram submetidas a busca pessoal e obrigadas a ingressar no compartimento fechado das viaturas, e, na Delegacia, tiveram lavrados contra si termos circunstanciados de ocorrência por suposta prática dos crimes de desobediência e de resistência.
Outrossim, continua o Ministério Público, após determinar as prisões dos servidores do Sindicato sob o hipotético pretexto de que as custódias seriam necessárias para possibilitar o ingresso da Polícia no Parque de Exposições para o cumprimento de Mandados de Prisão, com datas relativamente antigas (fls. 51/56 do documento único gerado), o requerido não deu continuidade a tal diligência, ou seja, não deu seguimento ao cumprimento dos mandados, contentando-se, como se depreende dos autos, com as prisões dos funcionários da Festa Nacional do Milho, de modo que houve prisão absolutamente ilegal, na verdade flagrante forjado, que foi utilizada pelo réu como instrumento de intimidação e retaliação a episódio isolado ocorrido na véspera com um de seus colegas de profissão.
Ouvido perante o Ministério Público, o requerido Leonardo dos Santos Diniz, sobre os fatos apurados na inicial da Ação Civil Pública, narrou que:
(…) quanto aos fatos objetos do presente procedimento esclarece que o Parque de Exposições, na época da festa do milho deste ano combinou com o Delegado regional que iria expedir carteirinhas para ingresso livre dos policiais civis no recinto, durante a festa; que em razão disto, todos os policiais civis de Patos estiveram no parque para serem fotografados; que não sabe por qual razão, as referidas carteiras não ficaram prontas até o início da festa; que em razão disto, o Dr. Márcio Siqueira entrou em contato com a direção do Sindicato e ficou combinado que todos os policiais civis teriam entrada franqueada após a apresentação de carteira funcional; que ainda segundo soube a entrada seria feita por um único portão, o ‘mais a direita de quem está olhando para dentro do parque’; que o Dr. Márcio dias antes do início da festa expediu uma ordem de serviço determinando que todos os policiais deveriam estar trabalhando ou de sobreaviso durante a festa em razão de que o público esperado neste ano era superior aos demais anos; que na época da festa, a Polícia Civil começou a receber notícia de que os “guigas”, ou seja, dois irmãos que possuem mandado de prisão preventiva estariam no parque; que diante disto, foi determinado que policiais civis fossem até o local para verificar a veracidade das informações; que soube que os policiais civis tentaram entrar por duas vezes no parque, uma na Terça e outra na quinta feira e não obtiveram êxito; que os policiais civis não conseguiram entrar e voltaram para casa; que o Dr. Márcio determinou que fossem ao parque policiais novatos para não serem facilmente reconhecidos pelos bandidos da cidade e pudessem obter as informações; que eles comunicaram o Dr. Márcio desta situação; que na sequência chegou a informação de que os irmãos ‘Aguimar e Nilson’ estariam no parque na Sexta dia 30/06/2008 e estariam planejando novos crimes para esta data; que diante disto o Dr. Márcio, na parte da manhã convocou o depoente e lhe relatou tal fato determinando que comandasse a operação para cumprir mandado de prisão e’ contra os irmãos ‘guigas’; que havia outros mandados de prisão para serem cumpridos naquele dia, mas com relação a estes havia apenas a notícia de que estavam frequentando a festa; que o Dr. Márcio incumbiu o depoente de comandar a operação pessoalmente porque era o Delegado de Plantão e ele não queria que desse nada errado; que no dia 30/05 então montou-se três equipes que ficaram de plantão na delegacia e mandaram ao local da festa o Júnior que é policial mais novato e desconhecido na cidade; que o Júnior deveria se apresentar como policial e solicitar a entrada e lá dentro era para ele ficar próximo da entrada e observar o ingresso das pessoas e eventualmente dos irmãos ‘guigas’; que se ele visse os irmãos era para telefonar para o depoente que já estaria de prontidão para ingressar com sua equipe no parque; que o Júnior não foi com os mandados de prisão; que o Júnior foi impedido de entrar; que acredita que ele disse que estaria a serviço, mas não deve ter dito que iria cumprir mandado de prisão; que o Júnior ligou dizendo que não conseguiu entrar; que diante disto, não restou outra alternativa que não entrar no parque; que não sabe dizer se o Presidente do Sindicato foi informado de que poderia ter esta operação no parque; que o depoente não fez a comunicação até porque nem conhece o presidente do sindicato; que a operação foi comandada pelo depoente sob ordem do Dr. Márcio; que a polícia civil resolveu entrar no parque portando armas ostensivamente porque havia notícia de que os funcionários do parque estariam mancomunados’ com alguns bandidos, os quais inclusive estavam entrando no parque armados; que o depoente não sabe informar o nome de quem seriam estes funcionários; que perguntado se a polícia militar não estaria realizando buscas e utilizando detector de metais na ocasião, o depoente afirmou que os funcionários ainda assim poderiam estar facilitando o ingresso de bandidos no local; que havia informações de que os seguranças estariam ali portando drogas; que não sabe dizer quem seriam os funcionários que estariam com drogas estavam armados quatro policiais, dentre eles o depoente, o João Waldemar, o Júlio César e o Dartagnan; que houve a necessidade de empunhar arma de fogo porque com a chegada da polícia alguns deles saíram correndo; que perguntado porque o depoente apontou arma de fogo para a cabeça de um dos funcionários, o qual não tentou de forma alguma fugir, o depoente disse que no momento da confusão é difícil saber com o que vai se deparar; que o depoente não tentou resolver o empasse telefonando no momento para o Dr. Márcio porque recebeu a notícia de que era para entrar de qualquer jeito; que perguntado se a confusão não prejudicaria o cumprimento do mandado de prisão, o depoente reconheceu que sim, mas disse que diante da situação de proibição do parque havia a necessidade da entrada como ocorreu; que não teve conhecimento de que dois policiais civis e uma mulher estiveram no parque dois dias antes da operação e diante da necessidade de se identificar teriam ameaçado uma funcionária de que eles voltariam e que o pessoal iria se arrepender; que o depoente deseja ressaltar que as vezes que entrou no parque pagou seu ingresso de entrada e no camarote; que o depoente entende que, a despeito de ser policial e poder ingressar em locais públicos, quando não está em serviço, tem que pagar para entrar; que nega veementemente que a Polícia Civil forjou’ cumprimento de mandado apenas em represália à conduta do parque; que deseja acrescentar que no dia da operação foi preso um funcionário de nome Anderson Rodrigues da Silva com posse de droga e lavrado o TCO respectivo de n. 428108; que dois funcionários foram presos por falta de porte de documento obrigatório de arma de fogo (documento do registro e documento de porte), os quais foram apresentados posteriormente; que a P2 estava com as mesmas dificuldades para ingresso no parque de exposições. Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 168/170)
Na ação penal, sendo homologada judicialmente como prova emprestada (fls. 468 do documento único gerado), o réu confirmou parcialmente o teor das declarações lançadas no termo de fls. 159/161, aduzindo que não foi ouvido como investigado, nem alertado de que suas declarações poderiam ser utilizadas para instruir uma ação penal contra sua pessoa. Mudou seu discurso, aduzindo que não tinha ciência de que anteriormente aos fatos algum policial tenha tido dificuldade de entrar no parque. Da mesma forma se contradisse ao afirmar que não tinha conhecimento de qualquer acordo com o Sindicato a respeito da entrada dos policiais no parque. Outrossim, passou a dizer que não entraram ostensivamente armados e nem mencionou que tinha notícias de que funcionários do parque estariam mancomunados com os bandidos que iram supostamente prender, senão vejamos:
(…) que o interrogando encontrava-se de plantão na data dos fatos; que recebeu a informação de que deveria tentar cumprir dois mandados de prisão, contra dois irmãos, conhecidos pela alcunha “Guigas”; que foi cientificado de que a operação envolveria policiais já designados, que iriam em viaturas também designadas; que na verdade, o interrogando iria apenas participar de uma operação totalmente planejada e montada, incumbindo-lhe fazer o acompanhamento dos policiais; perguntado sobre algum fato sobre o qual não tenha sido perguntado e que considere relevante para sua defesa ou para o esclarecimento do feito, respondeu que já estava designado para entrar no parque e tentar fazer o reconhecimento dos irmãos “Guiga”, o policial Júnior César; que recebeu a ordem do Dr. Márcio; que não sabe quem foi que montou a operação, sabendo apenas que não foi o interrogando; que até aquela data não tinha chegado ao conhecimento do interrogando que estivessem ocorrendo dificuldades para a entrada de policiais civis no parque, muito menos que dois policias tivessem tido dificuldade de entrar na véspera; que o próprio interrogando tinha adquirido o passaporte e também uma credencial de camarote, pagando por ambos, não tendo se utilizado, até aquele momento, de suas prerrogativas de policial civil para entrar no recinto do parque de exposições; que na época dos fatos o interrogando tinha pouco mais de trinta dias de atuação como delegado, e sequer conhecia todos os policiais da 1ª DRPCMG; que não chegou ao seu conhecimento se foi entabulado algum acordo entre o delegado Regional e a direção do sindicato, concernente à entrada de policiais civis no parque; que prestou as informações concernentes às tratativas do delegado regional com o presidente do sindicado a partir do que ouviu dizer, e por não imaginar que viria a assumir a condição de réu em processo criminal; que não tinha conhecimento e nem noticia da existência de uma entrada especial para policiais; que recomendou ao Júnior que se dirigisse à portaria principal, que era a única que o interrogando conhecia e aquela pela qual entrou nas oportunidades em que esteve no parque, orientando-o no sentido de que agisse com discrição, apresentando sua carteira funcional e solicitando a entrada, mantendo-se nas proximidades da entrada para tentar identificar as pessoas que pretendiam prender; que acredita que o Junior tenha agido conforme sua orientação; que ele ligou para o interrogando, algum tempo depois, informando que não tinha conseguido entrar no parque, embora tivesse identificado como policial civil, apresentando sua carteira funcional; que assim que receberam essa informação, passada pelo interrogando, os policiais entraram nas viaturas e se dirigiram para a portaria do parque, sem que o interrogando tivesse proferido alguma ordem nesse sentido; que chegaram todos juntos na portaria do parque; que os policiais desceram antes do interrogando, dirigindo-se para as catracas; que vi alguns policiais abordando os porteiros, tendo presumido que também lhes foi negada a entrada; que assim que se aproximou de uma das catracas, o policial Júlio Cesar gritou que alguém estava armado; que no reflexo o interrogando sacou a sua arma, que até então estava na posição sul, velada, com o cão rebatido, estando o interrogando com o dedo fora do gatilho; que realmente empunhou sua arma, mas não com o propósito deliberado de intimidar algum dos porteiros; que pretendia apenas estar apto a defender-se de um possível ataque da pessoa que estaria armada, segundo alertou o Júlio Cesar; que embora tenha empunhado a arma, o interrogando não puxou o cão nem colocou o dedo no gatilho; que o interrogando não chegou a dar voz de prisão para ninguém; que os policiais que o precederam já os apresentaram preso deu busca pessoal; Perguntado se gostaira mencionar algo, gostaria que fosse analisada sua expressão facial nas filmagens, unia vez que esta era a primeira operação que realizava em sua vida, encontrando-se muito tenso. Que nada tem contra as testemunhas arroladas na denúncia; que nunca foi preso ou processado anteriormente; que não conhece as provas contra si já produzidas; perguntado à Promotora de Justiça e ao Defensor se teriam alguma indagação ou esclarecimento a requerer, responderam que às perguntas do Dr. Promotor de Justiça, respondeu: que o interrogando era o único delegado de plantão naquela data, sendo também o único envolvido naquela operação; que foi o interrogando que ratificou a prisão em flagrante dos cinco funcionários do parque por crime de desobediência e dos dois que foram aprendidos por porte de arma, mas obtida a documentação do armamento não foi ratificada a apreensão pelo interrogando; que a princípio o interrogando presumiu que os porteiros recusaram a autorização para entrada dos policiais; que posteriormente os policiais afirmaram que sua entrada foi solicitada a todos os porteiros presos e foi negada; que eles não esclareceram para o interrogando se chegaram a se identificar para os porteiros com suas carteiras funcionais; que todos chegaram em viaturas caracterizadas e alguns vestiam camisas com identificação da polícia civil; que reafirma não ter sido alertado de que seria ouvido pela representante do MP na qualidade de réu; que leu o seu depoimento antes de assiná-lo para o trecho em negrito e sublinhado onde foi lançado que teria sido orientado no sentido que não estaria obrigado a respondeu as perguntas que lhe fora feitas; (fls. 295/297 do documento único gerado)
Aqui abro parênteses para transcrever as ponderações do Magistrado Monocrático tecidas nos autos da ação penal promovida em desfavor do requerido, e que merecem ser colacionadas aos presentes autos, já que evidentes as contradições nos depoimentos do requerido, e em que pese a prescrição reconhecida naquela seara, em segundo grau de jurisdição, mormente tendo em conta o art. 12 da Lei Federal 8.429/92, claro ao dispor que os seus comandos serão aplicados de forma independente das sanções penais, civis e administrativas, ou seja, tratando-se de um instituto autônomo em relação a tais responsabilidades:
(…) Destaque-se a contradição entre os depoimentos do Acusado, sendo que em uma primeira oportunidade afirmou ter conhecimento de uma portaria específica para o ingresso dos policiais, negando tal ciência no seu interrogatório em Juízo.
Ocorreu uma segunda incoerência nas declarações do Réu, consistindo em primeiramente afirmar que desconhecia o fato de o agente de polícia ter ou não apresentado sua carteira funcional ou qualquer outra identificação, alegando em um segundo momento que este lhe informou que se identificou devidamente como policial civil.
Nota-se que as negativas apresentadas pelo Acusado não encontram qualquer suporte nas provas trazidas aos autos, traduzindo uma pueril e inócua tentativa de desguiar-se da responsabilidade penal, pois além de não encontrar respaldo nos autos, a contradição entre os depoimentos intriga sua credibilidade.
Analisando detidamente os depoimentos do Réu, chego conclusão de que a negativa geral de autoria não merece ser acolhida, simplesmente porque o conjunto probatório revela, de forma inequívoca ter o Acusado executado o crime em análise até a sua consumação (…)
Contrariado as evasivas do réu, as vítimas foram firmes e coerentes em suas declarações, narrando com riqueza de detalhes a conduta ímproba do requerido, ora primeiro apelante, ressaltando o abuso de autoridade de que foram vítimas, bem como a negativa do policial de se identificar.
Com efeito, a vítima Eliane Maria Braga declarou, na fase administrativa, declarou que:
(…) durante a festa do milho, que aconteceu entre os dias 21 de maio a 01 de junho de 2008, no Parque de Exposições, a depoente trabalhou na função de fiscal; que lhe competia, nesta função, fazer o controle de bilheteria; que a direção do parque entregou para a depoente uma lista com nomes de policiais civis da Comarca que estariam com a entrada liberada na festa; que segundo a orientação que recebeu, bastaria o policial civil apresentar sua carteira funcional e, após checar o nome na lista, era para liberar a entrada; que todos os funcionários receberam uma lista igual; que recorda-se que vários policiais civis entraram na festa apresentando a carteira funcional e aguardando a localização de seu nome na lista, sem qualquer problema; que não se recorda de ter recebido orientação no sentido de que os policiais civis somente poderiam entrar por uma das catracas; que lembra-se de ter visto o Dr. Edno, delegado de polícia da cidade, adentrando pela catraca da entrada principal do pai, que, após a devida identificação dele; que em nenhum momento recebeu orientação para obstaculizar a entrada de policiais civis parque, pelo contrário, a ordem era facilitar o ingresso de todos eles no local; que na Sexta-feira, por volta de 20h30min, um rapaz chegou na portaria mostrando um documento e dizendo que era policial civil, pedindo para entrar pela primeira catraca da entrada principal; que a depoente cumprindo ordens, solicitou que ele se identificasse para verificar se o nome dele estava na lista; que neste momento, referido policial deu ordem de prisão à depoente e encostou na lateral da catraca, efetuando uma ligação de seu telefone celular; que instantes depois desta ligação chegaram ao local cerca de quinze policiais, sendo que alguns deles estavam armados; que os policiais civis pularam a catraca e de arma em punho foram empurrando os funcionários e vigilantes; que um deles forçou o braço da depoente para trás e mandou todos encostarem na parede; que foi dada busca pessoal nos homens; que em nenhum momento o policial civil que chegou primeiro ao local informou que estava ali para cumprir mandados de prisão; que ele deu voz de prisão em flagrante para a depoente só porque a depoente estava cumprindo ordens e pediu o nome dele para checar se constava da lista; que a depoente foi colocada no compartimento fechado da viatura com mais outras duas pessoas; que os policiais prenderam várias pessoas, cerca de oito; que eles foram buscar na bilheteria um dos vigilantes que estavam armado; que depois eles foram na secretaria do sindicato e trouxeram outro vigilante que estaria armado; que esses dois vigilantes foram desarmados pela polícia e ficaram presos; que ao chegar na delegacia de polícia o delegado Dr. Leonardo xingou todos os funcionários do parque de burros, incompetentes, leigos, que deveriam saber que policial civil tem direito de entrar em qualquer lugar, que não tinha ninguém por nós (depoente e demais pessoas presas) pois o Adelson e o Evaristo estavam em uma festa; que o delegado ainda falou em um ditado “de que a corda arrebenta do lado mais fraco’; que recorda-se que um dia antes da chegada dos policiais armados no parque, dois policiais civis estiveram no local e, quando a depoente solicitou o nome dos policiais para checagem na lista, eles disseram gritando à depoente que não existia desgraça de lista nenhuma para a polícia civil; que a depoente, naquele momento, perguntou de onde eles eram, tendo eles respondido que eram dos quintos do inferno e empurraram a depoente para trás; que eles ainda falaram abram esta desgraça desta catraca agora; que diante disso, a depoente e sua amiga Gisele, que a tudo presenciou, passaram seu dedo no leitor e deixaram que os policiais entrassem; que depois que entraram, os dois policiais disseram Vocês vão ver o que vai acontecer aqui amanhã, aguardem; que não comentou nada com a direção do sindicato a respeito deste incidente na Quinta-feira porque não acreditou que eles fossem agir conforme prometido; Que toda a ação dos policiais civis foi filmada pelo circuito interno de segurança do parque, sendo que a depoente é uma das funcionárias que estava na filmagem; que nas imagens dá para ver o momento em que o delegado Dr. Leonardo, de arma em punho, a aponta para o porteiro Vander Felizardo de Oliveira; que o referido delegado apontou arma também para a depoente e para a Gisele; que diante do tumulto não se recorda o que o delegado disse, apenas recorda que ele dizia que todos estavam presos; que não tem conhecimento de qual era o acordo entre a direção do parque e a polícia civil a respeito da entrada de policiais civis; que não sabe como se deu o processo de credenciamento dos policiais civis; que tem muito receio de sofrer represálias em razão do que declarou acima; que naquele dia apenas cumpria ordens. Que nada mais disse nem lhe foi perguntado; que pelo presente dou fé. (fls. 61/64 do documento único gerado)
De igual teor os testemunhos de fls. 65/70 do documento único gerado, prestados perante o Ministério Público por Gisele Aparecida do Amaral, que também trabalhava como fiscal/porteira durante a Festa do Milho, e por Vander Felizardo de Oliveira, que atuava como porteiro no aludido evento.
A vítima Elisângela Barbosa dos Santos, contratada como apoio na fiscalização das catracas durante a Fenamilho, asseverou que em nenhum momento os policiais civis disseram que estavam ali para cumprir mandados de prisão. Disse, ainda, que:
(…) depois que foram soltos, as meninas da portaria Gisele e a Eliane disseram que no dia 22/06 tiveram de pedir documentação de policiais civis e eles ficaram tensos e prometeram que iriam voltar no dia seguinte com a ordem de prisão; que acredita que a insatisfação dos policiais é porque eles não gostaram de ter que esperar a checagem na lista; Que soube que toda a ação dos policiais civis foi filmada pelo circuito interno de segurança do parque, sendo que a depoente já assistiu ao vídeo; que deseja providências quanto ao suposto abuso; que na função da depoente, quando ocorria algum problema com os passaportes devia se reportar a um dos fiscais, que então liberava o acesso ao parque. Que nada mais disse nem lhe foi perguntado; que pelo presente dou fé. (fls. 72/73 do documento único gerado)
O depoimento do vigilante armado Marcelo Alves da Silva não discrepa dos demais, deixando claro que tinha documentação legal para a arma que portava, e que não a sacou no momento dos fatos, e, mesmo diante disso, foi conduzido à Delegacia juntamente com as demais vítimas:
(…) Que trabalha na empresa Fênix há quase dez anos, desempenhando a função de vigilante armado há três anos; que a Fênix foi contratada pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Patos de Minas para prestar serviço de segurança durante a festa do milho, que aconteceu entre os dias 21 de maio a 01 de junho de 2008, no Parque de Exposições; que lhe competia, nesta função, permanecer próximo às bilheterias para fazer a segurança dos funcionários e do dinheiro; que não sabe informar sobre o que foi deliberado entre a direção do parque quanto à entrada de policiais civis na festa; que apenas ouviu dizer das meninas que ficavam na portaria que os policiais civis tinham que dar o nome na portaria para poder entrar; que na Sexta-feira dia 23/06, por volta de 21h, ouviu gritos na portaria e foi verificar o que ocorria; que ao se aproximar já viu vários policiais civis pulando a catraca; que um deles estava com a arma de punho, direcionada para cima; que acredita que havia outros armados; que não sabe o nome de nenhum deles; que de imediato este que estava com a arma em punho veio na direção do depoente e disse que o depoente era um dos que estava barrando a entrada da civil no parque; que referido policial civil prendeu o depoente e o algemou; que o declarante disse que estava armado e que tinha toda a documentação em ordem; que mesmo tendo dito isso, ele retirou a arma de fogo do depoente, só a devolvendo posteriormente na delegacia; que o declarante viu o delegado Dr. Leonardo no local; que tentou conversar e explicar que a documentação da arma era legal, mas ele disse que mesmo assim teria que ir na delegacia – que o delegado estava muito exaltado e repetia a todo momento que estava barrando policiais o que era um absurdo; que depois que o depoente estava algemado é que sofreu busca pessoal; que em nenhum momento os policiais civis disseram que estavam ali para cumprir mandados de prisão; que o depoente foi colocado no compartimento fechado da viatura com mais outro funcionário; que os policiais prenderam várias pessoas, cerca de oito, sendo o depoente, a Eliane, a Kátia, a Elisângela, a Ângela, o Wander, a Gisele e o Emerson; que apenas o Emerson e o depoente estavam armados; que o Emerson estava na sede do sindicato que dista mais de duzentos metros da portaria; que ao chegar na delegacia de polícia o delegado Dr. Leonardo ficou pouco tempo próximo do depoente não tendo ouvido o que ele falou para as outras pessoas; que depois que foram soltos, talvez no dia seguinte; as meninas da portaria Gisele e a Eliane disseram que no dia 22/06 tiveram de pedir documentação de policiais civis e eles ficaram tensos e prometeram que iriam voltar no dia seguinte; que acredita que a insatisfação dos policiais é porque eles não gostaram de Ter que esperar a checagem na lista; Que soube que toda a ação dos policiais civis foi filmada pelo circuito interno de segurança do parque, sendo que o depoente ainda não assistiu ao vídeo; que deseja providências quanto ao suposto abuso; que na função do depoente não lhe competia autorizar ou proibir a entrada de quem quer que fosse no parque. Que nada mais disse nem lhe foi perguntado; que pelo presente dou fé. (fls. 74/75 do documento único gerado)
Na fase judicial da ação penal, os aludidos funcionários confirmaram seus depoimentos anteriores, deixando claro que, em momento algum, impediram a entrada do policial civil, mas que, por ordem superior, tinham que checar o nome na lista. Evidenciaram, outrossim, que o policial não lhes apresentou a carteira funcional, nem lhes afirmou que estava ali para cumprir mandado de prisão. Aduziram, outrossim, que o aludido policial afirmou que não havia que checar lista nenhuma e que chamaria seu pessoal, e, após um telefonema, já foram adentrando os demais policiais e o requerido, sendo presos e levados à Delegacia. Declararam, também, que tudo ocorreu por haver obedecido a ordem superior, não tendo o policial aceitado a conferência do nome do mesmo na lista, e que os policiais que tentaram entrar no dia anterior, foram impedidos, por não terem os nomes na lista e que ameaçaram retaliação, entraram assim que o policial telefonou para os demais. Negaram, ademais, que os funcionários que tinham porte e estavam portando arma, as tenham sacado quando dos fatos, pelo contrário, foram buscados pelos policiais, não estando na cena no momento. Da mesma forma, afirmaram que não sabiam que os policiais civis eram de fato policiais, mesmo porque, estes se negaram a se identificar (fls. 287/290 do documento único gerado)
As declarações prestadas perante o Ministério Público, pelo presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Patos de Minas, Evaristo José Caixeta, também lastreiam o pedido inicial:
(…) que gostaria de deixar consignado que em nenhum momento o Sindicato pretende impedir a polícia civil de entrar no parque; Que toda a ação dos policiais civis foi filmada pelo circuito interno de segurança do parque, cuja cópia é entregue ao Ministério Publico nesta data; que pelas filmagens observa-se que inicialmente um policial civil chega e se identifica ao porteiro, mas tem sua entrada impedida porque aquela não é a entrada designada para receber policial civil sem credenciamento por biometria; que então este policial telefona e após alguns minutos, chegam ao local cerca de dez policiais civis mais o delegado Dr. Leonardo e, de arma em punho, começam a pular as catracas e a certa altura o delegado aponta a arma de fogo para o porteiro Vander Felizardo de Oliveira; que o depoente não conversou a respeito dos fatos narrados acima; Que deseja providências quando ao suposto abuso praticado pelos policiais civis desta cidade. (fls. 57/60 do documento único gerado)
Na ação penal, Evaristo José Caixeta confirmou o que disse anteriormente, evidenciando que:
(…) foram credenciados aproximadamente quinhentos policias militares e cento e vinte policias civis; que os policias civis receberam credencias com código de barras, porque não quiseram se submeter ao processo de biometria; que as credencias foram entregues ao delegado regional e, assim como as carteias funcionais autorizaria a entrada no parque; que não sabe informar quantos policiais, entre civis, militares e federais frequentaram o parque durante os doze dais de festa. Dada a palavra ao Defensor do Acusado, às perguntas respondeu: que foi indicado para entrada dos policias civis a portaria com catraca mecânica; que bastaria o policial apresentar a sua carteira funcional para ser admitido pelo porteiro que estava operando aquela catraca; que todo o pessoal que trabalhava naquele aportaria foi orientado para proceder daquela forma; que esta portaria foi criada exatamente para atender a polícia, civil, militar ou federal; que nenhum empregado foi orientado a proceder de formar a permitir que alguma autoridade ou policial, ou qualquer outra pessoa entrasse por uma outra portaria, utilizando-se o empregado de sua própria digital para liberar a entrada de terceiros: que justamente para evitar este tipo de procedimento é que foram instaladas câmeras que filmavam a ação dos porteiros; que foi previsto que algum policial pudesse insistir em entrar por uma portaria que não a designada; que para esta hipótese o depoente orientou o pessoal a solicitar a carteira funcional do policial e autorizar a entrada, mas registrando a ocorrência em um livro próprio; que na portaria principal havia uma lista como nome dos policiais civis: que, entretanto, não era necessária a consulta a esta lista desde que o policial portasse sua carteira funcional; que todos os porteiros tinham uma forma de liberar a catraca, sob sua responsabilidade, devido prestar contas do motivo daquele procedimento; que esta liberação poderia ocorrer com a utilização da biometria do próprio porteiro. (fls. 286 do documento único gerado)
Os fatos descritos na inicial, da mesma forma, são comprovados através das imagens de câmeras de segurança do evento citado, como se pode ver às fls. 25/29 do documento único gerado e do Boletim de Ocorrência de fls. 30/32 do documento único gerado.
Na imagem de fls. 28 do documento único gerado, o réu aponta uma arma de fogo direto para a cabeça de um funcionário inerte, bem como a de fls. 29 do documento único gerado, na qual segura de forma brusca outra funcionária.
Junte-se a todos os elementos de convicção reunidos, os motivos da instauração, pelo Ministério Público, do procedimento investigatório criminal – PIC – para apurar possível abuso de autoridade perpetrado pelo requerido, contra porteiros e vigilantes do Parque de Exposições de Patos de Minas durante a realização da Festa Nacional do Milho do ano de 2008, conforme o fundamentado despacho de fls. 193/209:
(…) Apurou-se que durante a realização do evento festivo e anual denominado Festa Nacional do Milho, ocorrido no mês de maio de 2008, ficou acertado entre a Direção do Sindicato Rural de Patos de Minas – entidade promotora do evento – e a Polícia Civil, que o ingresso de agentes policiais e Delegados de Polícia ligados à 10ª Delegacia Regional de Polícia de Patos de Minas no citado evento se daria sem o pagamento de ingressos, ainda que os servidores públicos estivessem fora do exercício de suas funções. Para tanto, a entidade promotora do evento solicitou o credenciamento de todos os agentes, pelo sistema de biometria ou por meio da confecção de identidade de associados do Sindicato Rural. Ficou acordado, ainda, que os servidores públicos que não estivessem credenciados poderiam ingressar por um portão especial, destinado às autoridades públicas, com a simples apresentação da identidade funcional.
(…)
Verifica-se, ao contrário do afirmado pelo Delegado Regional de Polícia Civil em seu oficio de fls. 67/70, que todos os funcionários do Sindicato relataram, em consonância com o afirmado pela direção do Sindicato, que o ingresso dos policiais estava autorizado e inclusive era para ser facilitado.
(…)
De toda sorte, alguns dos policiais civis, ao serem ouvidos, informaram quê não tiveram problemas para adentrar no parque nós dias anteriores ao lastimável episódio. Outros, entretanto, afirmaram que ‘ouviram dizer’ de dificuldades para o ingresso, mas não souberam declinar nomes, dias e horários que agentes de polícia teriam, eventualmente, tido seu ingresso no parque de exposições obstaculizado.
(…)
Nada obstante a existência do acordo, segundo o que se apurou os agentes da Polícia Civil estariam descontentes com o tratamento dispensado a eles pelo Sindicato Rural, uma vez que entendiam que o Policial, em serviço ou fora dele, estaria autorizado a ingressar no Parque de Exposições a qualquer tempo, por meio de qualquer um de seus acessos, estando ou não credenciado. Tanto que na data de 29.05.2008, um agente de polícia, acompanhado de um casal de amigos, teria revelado indignação com a necessidade de aguardar a conferência de seu nome na lista de policiais para que pudesse ter o acesso liberado. Na ocasião, teria havido discussão e, segundo testemunhas, a promessa feita pelo policial no sentido de que haveria retaliação futura.
(…)
Na data de dia 30 de maio de 2008, uma sexta-feira, por volta de 21 horas, o denunciando, Delegado de Polícia de plantão, recebeu a incumbência de cumprir alguns mandados de prisão. Embora relativamente antigos os mandados, tomou-se a decisão de cumpri-los naquela noite, no interior do Parque de Exposições em que se realizava a Festa Nacional do Milho, local de grande aglomeração de pessoas onde, supostamente, os réus procurados estariam homiziados. O denunciando, então, aproveitando-se da oportunidade para retaliar a atitude do Sindicato Rural consistente em controlar o acesso à Festa de servidores públicos e de autoridades que não pagavam pela entrada, determinou a um dos agentes de polícia que se dirigisse ao portão de acesso principal do Parque de Exposições e postulasse o ingresso. O denunciando, ao que se infere, sabia, de antemão, que o referido policial seria convidado a se dirigir ao portão de acesso exclusivo de não pagantes. Mesmo assim, ordenou que o agente assim procedesse sem apresentar qualquer dos mandados de prisão a serem cumpridos. Ao se identificar e pedir para ingressar no Parque sem ingresso e sem credencial, o dito agente de polícia, como era de se esperar, teria sido convidado a se dirigir ao acesso especial.
Restringido o acesso do agente de polícia por ter ele se apresentado como mero consumidor da festa e não como policial no exercício da função, ainda assim o denunciando não providenciou a apresentação dos mandados de prisão. Tampouco esclareceu a necessidade de se ingressar pelo portão principal para prender suspeitos, quando, o lógico e o razoável seria a entrada da polícia pelo local mais reservado e discreto possível.
Ao contrário, o denunciando, avisado pelo agente de polícia que teria que se dirigir a outro portão de acesso, determinou a invasão do Parque de Exposições, por diversos agentes, muitos deles portando armas de fogo ostensivamente. Após o ingresso dos agentes que, a mando do denunciando, que gesticulava e verberava, de arma em punho, saltaram a catraca que controlava o acesso, o denunciando ordenou que os porteiros e outros funcionários do Sindicato Rural fossem algemados e conduzidos presos à Delegacia de Polícia.
O próprio denunciando apontou arma de fogo contra o corpo de vítimas imóveis e que não ofereciam nenhum tipo de resistência, além de ter empunhado uma pistola semiautomática a esmo, direcionando-a contra pessoas inocentes, meros consumidores interessados em participar do evento festivo, mas que foram surpreendidas com grave e iminente perigo para suas incolumidades físicas.
Não bastasse, as vítimas foram submetidas a busca pessoal e obrigadas a ingressar no compartimento fechado das viaturas. Na delegacia, tiveram lavrados contra si termos circunstanciados de ocorrência por suposta prática dos crimes de desobediência e de resistência.
O denunciando, ao que se infere dos autos, após determinar as prisões dos servidores do Sindicato sob o hipotético pretexto de que as custódias seriam necessárias para possibilitar o ingresso da Polícia no Parque de Exposições para o cumprimento de Mandados de Prisão, não deu continuidade a tal diligência, ou seja, não deu seguimento ao cumprimento dos mandados, contentando-se, como se depreende dos autos, com as prisões dos funcionários da Festa Nacional do Milho.
Houve, portanto, prisão absolutamente ilegal, na verdade flagrante forjado, que foi utilizada pelo inculpado como instrumento de intimidação e retaliação a episódio isolado ocorrido na véspera com um de seus pares.
O denunciando, logo em seguida, obrigou as vítimas, mediante grave ameaça exercida com arma de fogo e em concurso com outros agentes, e depois de lhes reduzir a capacidade de resistência, a fazer o que a lei não manda, ou seja, submeter-se a buscas pessoais, abandonar os seus postos de trabalho e assumir o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, mesmo cientes de que não praticaram crimes, como única forma de se verem livres e retornar ao parque de exposições onde exerciam licitamente o seus misteres.
Na ocasião foram presos em flagrante delito por crime de desobediência e resistência os funcionários GISELE APARECIDA DO AMARAL, ELIANE MARIA BRAGA, ELISÂNGELA BARBOSA DOS SANTOS, KÁTIA RODRIGUES, ÂNGELA MARTA DA SILVA, VANDER FELIZARDO DE OLIVEIRA e MARCELO ALVES DA SILVA conforme TCO juntados aos autos. Em manifestação exarada na data de 19-01-2009, o Ministério Público requereu o ARQUIVAMENTO dos autos pela evidente atipicidade de conduta dos referidos funcionários.
Da análise dos autos, NOTADAMENTE DAS IMAGENS DA AÇÃO POLICIAL verifica-se que há elementos cabais a se atribuir a prática de CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE E CONSTRANGIMENTO ILEGAL ao DELEGADO DE POLÍCIA LEONARDO DOS SANTOS DINIZ.
Sobreleva acrescer, que a alegação do Delegado, ora investigado, no sentido de que se dirigiu para o local para cumprir mandados de prisão expedidos pela Justiça Local, não restou devidamente comprovada. E ainda que houvesse prova segura de que a diligência inicial seria destinada ao cumprimento de mandados de prisão, a operação, a nosso juízo, restou desvirtuada por completo pela autoridade investigada.
Ora, se o objetivo era mesmo o cumprimento dos mandados de prisão, o mais lógico e razoável seria que o Delegado optasse por ingressar no evento da forma mais discreta possível: Entrariam ele e seus agentes pelo portão destinado às autoridades, identificando-se apenas com a carteira funcional, e, uma vez no interior do evento, fariam, com muito mais chance de êxito o serviço público. Mas o Delegado optou por determinar aos seus agentes que entrassem no parque pelo portão principal, durante a noite, no momento em que centenas de consumidores ingressavam pelo mesmo local. E o que é pior, sabendo, de antemão, que a organização do evento não permitiria o acesso da polícia pelo portão principal do parque de exposições e sem que o nome do agente fosse previamente consultado na lista já referida, não ao menos sem que fossem apresentados os mandados de prisão e sem que se esclarece que a polícia estava a serviço do estado e não em momento de lazer.
E, pasme, após prender os porteiros do evento o Delegado olvidou o seu objetivo inicial, desviando-se de seu mister para cuidar de constranger os funcionários do Parque de Exposições a comparecer à Delegacia e assinar termos de compromisso de comparecimento ao Juizado Especial Criminal, sem, contudo, terem praticado qualquer crime.
Aliás, o só fato ter o investigado decidido cumprir mandados de prisão antigos, em pleno evento festivo, em local de grande aglomeração de pessoas e com todo o estardalhaço que foi capaz de produzir, por si só causa espécie.
E é sempre bom frisar, como se tratava o eventual cumprimento dos mandados de prisão de operação de considerável envergadura, nada mais natural que a mesma fosse articulada em detalhes, de sorte a se evitar a fuga dos procurados e o eventual confronto deles com a polícia. No caso, ao que se infere não houve nenhum tipo de planejamento da ação.
Decerto uma Polícia minimamente preparada jamais optaria por invadir o Parque de Exposições pelo portão principal, sem cuidar de resguardar as demais entradas e saídas, sendo certo que inúmeras eram as possíveis rotas de fuga que nem mesmo foram consideradas.
E, ainda que a opção fosse pelo portão principal, uma vez obstado o acesso do funcionário, primeiro a Polícia cumpriria o seu mister, ou seja, entraria no Parque pelo acesso indicado, cumpriria os mandados e, só então, encerrada com sucesso a operação, cuidar-se-ia de responsabilizar o porteiro desobediente, se fosse o caso.
Curiosamente, sobreleva acrescer, dois dos mandados de prisão que seriam cumpridos naquele dia se referem a Gilmar Gonçalves de Leles e Aguimar Gonçalves de Leles, conhecidos como irmãos “Guiga”. Os dois foram localizados três dias depois nas residências de parentes em Patos de Minas. Na ocasião, o endereço deles, juntamente com farta documentação, relativa a emprego, matrícula escolar dos filhos, prestação de concurso público, dentre eles, foi fornecida por sua advogada constituída, nos autos em que requeria revogação da prisão ante o fundamento de que eles JAMAIS se afastaram da cidade e de seus afazeres.
Ao ser ouvido neste PIC o policial civil Júnior César de Morais narrou que foi impedido de entrar no parque, nada obstante tenha informado ser policial civil em serviço. Entretanto, das IMAGENS feitas por Câmeras instaladas no parque, verifica-se que referido policial civil sequer mostrou sua carteira funcional, nem aguardou a conferência na lista, afastando-se da catraca para efetuar a ligação telefônica para seus colegas de profissão. De ver-se que o nome de Júnior César de Morais consta da lista encaminhada pela W. DRPC, de modo que não haveria qualquer impedimento para seu ingresso no parque.
Aliás, dúvida nenhuma resta a respeito das circunstâncias que nortearam a ação policial ao se assistir ás imagens produzidas por câmeras de segurança. Do lastimável evento, veem-se cenas abusivas, sem terem sido precedidas de qualquer diálogo ou ponderação, sendo que o Delegado de Polícia responsável pela operação porta ostensivamente arma de fogo, empunhando-a em direção à cabeça de pessoa desarmada e sem qualquer atitude que pudesse justificar aquela conduta.
A conduta do ora investigado mostrou-se afoita, despreparada e perigosa, além de evidenciar dolo direto de abusar de sua autoridade.
Como se pôde apurar no bojo do PIC não houve proibição do ingresso de policiais, sejam civis ou militares, no interior do parque de exposições. Houve: sim, acordo verbal de que o ingresso dos policiais fosse feito após consulta prévia a uma lista enviada pela própria Delegacia de Polícia. No caso em apreço, como já dito, ficou comandava a operação, estava mais preocupado com a organização do evento e com a alegada dificuldade para entrar da festa sem pagar pelo ingresso, do que com o cumprimento dos mandados de prisão propriamente dito.
Com estas conclusões, ademais, é que fica evidente que os agentes de polícia que acompanhavam a desastrosa operação policial comandada pelo investigado não podem ser, como ele, responsabilizados por abuso de autoridade.
É, de sabença comezinha que praticamente todos os agentes policiais que acompanharam o investigado LEONARDO, possuem larga experiência no cumprimento de mandados de prisão e já estiveram à frente de pelo menos uma centena de operações policiais bem mais complexas e foram capazes de cumpri-las com êxito, sem abusos ou falhas grosseiras e sem expor a risco desnecessário cidadãos comuns.
É fato, assim, que se os referidos agentes de polícia estivessem no comando de autoridade mais experiente e melhor preparada para aquele tipo de ação, o resultado da teratológica operação policial no parque de exposições seria bem outro.
Já tendo ficado provado, inúmeras vezes, que a Inspetoria de Polícia local possui agentes treinados e extremamente capacitados não apenas para o cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, como também para a execução de operações de muito maior vulto, a única conclusão possível, na espécie, é a de que o desvio de conduta, na espécie, foi causado pelo investigado LEONARDO, que comandava a operação. Ainda que tenha o Delegado agido em seu próprio nome, para se vingar do que acreditava fosse um desprestígio à sua autoridade ou como forma de retaliação às atitudes do Sindicato Rural em detrimento dos seus subordinados.
Não se pode olvidar, outrossim, que os agentes de polícia, quando chamados a atuar, mormente em situações emergenciais, não dispõem de muita margem para analisar se a ordem recebida pela Autoridade Policial que está no comando é legal, ilegal ou manifestamente ilegal.
As imagens jungidas aos autos, apresentadas pela organização do evento, mostram o investigado LEONARDO verberando e gesticulando, de arma em punho, determinando de forma rude a invasão dos agentes. Alguns deles, corno o conhecido DÁRTÁGNAN, visivelmente tiveram dificuldade para transpor a catraca, atitude necessária à invasão e, mesmo assim, não tiveram outra alternativa senão entrar no evento, sempre sob as ordens do delegado de polícia investigado.
(…)
É mais razoável crer que, na hipótese dos autos, experientes e bem treinados agentes foram induzidos a agir arbitrariamente por um Delegado de Polícia recém-ingresso na carreira e que não se mostrou muito propenso a separar o público do privado, nem mesmo diante das previsíveis consequências de seu ato ao ordenar a invasão de local de grande aglomeração de pessoas, por diversos agentes, munidos de armas de fogo de grande poderio letal, conduta que, sob toda e qualquer ótica, afigura-se desnecessária, desarrazoada e injustificada.
Quanto ao ato praticado pelo Delegado de Polícia Leonardo dos Santos Diniz verifica-se que este se subsume aos tipos do art. 3°, alínea ‘a’ e 4°, alínea ‘a’ da lei 4898/1965 e art. 146, parágrafo 1°. do Cód. Penal. (…)
Da motivação para o indiciamento, seguiu-se a denúncia pela prática dos crimes capitulados no art. 4º, alínea “a”, da Lei Federal 4.898/65, em concurso material com o art. 146, parágrafo 1°, do Código Penal Brasileiro (fls. 210/214 do documento único gerado).
Digna de nota, lado outro, a instauração, pela Corregedoria Geral da Polícia Civil, de Sindicância Administrativa, ao tomar conhecimento da diligência policial em questão, desencadeando-se, segundo a autoridade processante, em não cumprindo a contento das atividades policiais pelo requerido, em razão de desavenças verificadas na portaria no Parque de Exposições “Sebastiao Alves do Nascimento” denominada a “Festa do Milho”, na cidade de Patos de Minas/MG, quando se constatou o não desempenho a contento da função policial pelo delegado investigado, que inclusive foi denunciado pelo RMP (fls. 126/127), por abuso de autoridade, quando determinou fossem presas pessoas, sem formalidades legais, inclusive fez uso de arma de fogo de forma ostensiva e indevida, causando tumulto generalizado na portaria do evento, conforme apurado (fls. 101/107). Sugeriu o Relator a aplicação da pena de suspensão, em face da transgressão disciplinar prevista no art. 150, inciso XXX do art. 161, inciso VII todos da Lei Orgânica da Polícia Civil, o que foi acatado pela autoridade processante (fls. 400/406 do documento único gerado).
A única prova que lastreia os depoimentos contraditórios do requerido são os testemunhos prestados pelos policiais também envolvidos nos fatos em questão, no entanto, o que vemos é que foram orquestrados justamente para tentar dar ar de legalidade à conduta arbitrária daquele, mesmo porque, deixam patentes inúmeras inconsistências e contradições, senão vejamos:
O agente de polícia, Júnior César de Morais, perante o Ministério Público, prestou as seguintes declarações:
(…) que no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pelo Dr. Leonardo para participar de uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque; que o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que três pessoas que tem mandado em aberto estariam frequentando o parque; que foram mostradas as fotos destas pessoas para o depoente; que o depoente ficou encarregado de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura dos indivíduos; que o restante do pessoal ficou do lado de fora, nas proximidades; que o depoente, cumprindo ordens, foi até a catraca do lado direito e se identificou como policial, mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário negou a entrada; que outras duas funcionárias se aproximaram e disseram novamente que o depoente não iria entrar; que em nenhum momento o depoente escutou as funcionárias falarem de uma lista ou que iriam consultar o nome do depoente em uma lista; que o depoente então ligou para o Dr. Leonardo e disse que não conseguiu entrar; que então os policiais chegaram de uma vez; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque; que no dia da operação estava armado mas não estava com porte ostensivo; que no momento em que os policiais civis chegaram um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente não viu esta ação, mas se tivesse visto sacaria sua arma; que acredita que os policiais civis sacaram a arma porque viram o funcionário armado; que o funcionário que proibiu a entrada do depoente no parque não estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente não soube responder; que dois ou três dias antes o depoente e seu primo foram até o parque; que apenas o seu primo do depoente ingressou no local; que pelo que se recorda era o dia em que a entrada era franca; que em nenhum momento conversaram com funcionários do local; que nega que tenha dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que o depoente apenas entrou no parque no dia em que a entrada era franqueada e no dia da operação; que no dia em que a entrada era franqueada o depoente apenas passou pela catraca e ficou do lado de dentro aguardando seu primo; que neste dia não estavam acompanhado de nenhuma policial civil ou mulher; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque.” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 171/173 do documento único gerado)
O agente de polícia, João Waldemar Cançado Pacheco, perante a Promotoria de Justiça, asseverou que:
(…) que no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pela inspetoria porque o Dr. Leonardo estava montando uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque e coibir uma possível ação dos mesmos no interior do parque; que os mandados se referiam aos três irmãos Aguimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga’; o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que eles estariam frequentando o parque e iriam praticar uma ação criminosa pois havia muito dinheiro no local; que a informação teve credibilidade pelo fato de que os referidos indivíduos estavam foragidos há bastante tempo e porque dias antes a advogada peticionou pedindo para apresentá-los ao Juiz; que o depoente desconhecia que o pai dos investigados estava trabalhando como pipoqueiro no local; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram o Júnior de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que assim que ele avistasse as pessoas procuradas iria acionar o restante dos policiais civis; que o restante do pessoal ficou do lado de fora, nas proximidades; que segundo soube pelo próprio Júnior ele foi até a catraca do lado direito e se identificou como policial, mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário negou a entrada; que em nenhum momento o Júnior falou que eles iriam consultar uma lista; que diante disto, o Júnior telefonou para o Dr. Leonardo e disse que não conseguiu entrar; que então os policiais chegaram de uma vez; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que a viatura em que o depoente estava chegou por último e o depoente ficou mais atrasado para cuidar da segurança dos colegas; que segundo soube os policiais civis chegaram e ainda se identificaram como policiais mas mesmo assim não permitiram o ingresso dos mesmos, os quais precisaram ‘pular a catraca’; que neste instante foi dado voz de prisão em flagrante por desobediência e desacato; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia a necessidade porque eles estavam há muito tempo desaparecido, possivelmente não estariam armados dada a existência de detector de metais no local e também porque havia notícia de que eles poderiam praticar crime no local; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, ‘em local com aglomerado de pessoas, houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que parece ao depoente que a direção do parque foi comunicada; que o depoente esteve no parque anteriormente para fins particulares e por ser conhecido dos seguranças da Fênix, nem precisou apresentar carteira funcional para ingresso; que apesar de Ter ido no local para divertir-se, entende que o policial civil está trabalhando 24 horas por dia, pois se houver necessidade de prisão tem dever legal de cumpri-la; que nesta época em particular havia uma portaria do Delegado regional determinando que todos os policiais estavam de plantão; que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa; que apenas soube de uma colega de Montes Claros que teve um pequeno problema para entrar porque trabalhava fora, mas o problema foi logo contornado; que o depoente ouviu comentários de que outros policiais tiveram problemas, mas não sabe especificar nomes e datas, acreditando que são policiais lotados em outras cidades; que no dia da operação o depoente não sabe dizer o porque o Júnior não pôde entrar; que o Júnior falou que eles apenas mencionaram que a Direção tinha proibido o ingresso dos policiais no parque; que o depoente tirou foto mas as credenciais dos policiais não chegaram a tempo; que o pessoal do parque tinha os nomes de todos os policiais civis porque todos que quiseram tiraram fotos e deram seus nomes para a direção do parque no intuito de confeccionar as credenciais; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque; que no dia da operação estava armado mas não estava com porte ostensivo; que o depoente permaneceu com a arma em posição sul e velada; que quando chegaram os policiais civis não estavam com porte ostensivo, que todos estavam com a arma no coldre; que logo em seguida um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente não viu esta ação, mas se tivesse visto sacaria sua arma; que acredita que os policiais civis sacaram a arma porque viram o funcionário armado; que não sabe dizer se o funcionário que proibiu a entrada do Júnior no parque estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente acredita que foi porque havia a necessidade de se impor autoridade, porque a carteira funcional não tinha valido de nada; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque. Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 174/176 do documento único gerado)
Na fase judicial, o aludido policial declarou que:
(…) nenhuma das pessoas que portavam armas, na qualidade de segurança ou funcionário do parque, tinha porte de arma ou autorização para portá-las; que eles foram presos e conduzidos pelo porte de arma não autorizado; que os demais também foram presos por desobediência (fls. 291 do documento único gerado)
O Agente de polícia Júlio César de Freitas, perante o Ministério Público, disse que:
(…) no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pela inspetoria porque o Dr. Leonardo estava montando uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque; que os mandados se referiam aos três irmãos Aguimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga’; o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que eles estariam frequentando o parque e iriam praticar uma ação criminosa pois havia muito dinheiro no local; que o depoente desconhecia que o pai dos investigados estava trabalhando como pipoqueiro no local; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram o Júnior de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que assim que ele avistasse as pessoas procuradas iria acionar o restante dos policiais civis; que o restante do pessoal ficou do lado de fora, nas proximidades; que segundo soube pelo próprio Júnior ele foi até a catraca do lado direito e se identificou como policial, mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário negou a entrada; que não se recorda se o Júnior falou que eles iriam consultar uma lista; que diante disto, o Júnior telefonou para o Dr. Leonardo e disse que não conseguiu entrar; que então os policiais chegaram de uma vez; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que não sabe se os policiais civis chegaram e ainda tentaram conversar, mas sabe que foi preciso pular a catraca para entrar no local; que neste instante foi dado voz de prisão em flagrante por desobediência e desacato; que logo em seguida um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente presenciou esta ação tendo sido o policial que fez a abordagem deste segurança; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia número suficiente de policiais para garantir uma abordagem segura; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, em local com aglomerado de pessoas, houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que o depoente esteve no parque anteriormente para fins particulares e nestas ocasiões pagou para entrar; que apresentou sua carteira funcional, teve ingresso livre; que apesar de ter ido no local para divertir-se, entende que o policial civil está trabalhando 24 horas por dia, pois se houver necessidade de prisão tem dever legal de cumpri-la; que nesta época em particular havia uma portaria do Delegado Regional determinando que todos os policiais estavam de plantão e em serviço; que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa; que no dia da operação o depoente não sabe dizer o porque o Júnior não pôde entrar, mas conforme mencionada pela senhora Sandra em entrevista à NTV, foi porque a funcionária estava apenas cumprindo ordem da Direção que tinha proibido o ingresso dos policiais no parque; que o depoente não sabe dizer porque a Direção do Sindicato teria impedido o ingresso de policiais naquela data no parque; que não lembra se tirou foto para a confecção de credenciais; que não recebeu credencial para ingresso; que não sabe informar se outros policiais receberam credenciais; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque; que no dia da operação estava armado e foi preciso empunhá-la porque como dito havia um segurança armado, o qual foi conduzido por porte ilegal de arma; que precisou empunhar a arma para fazer uma abordagem de segurança; que a ação foi muito rápida e não se recorda se quando chegaram os policiais civis eles já estavam com porte ostensivo; que acredita que os policiais civis sacaram a arma porque viram o funcionário armado; que não sabe dizer se o funcionário que proibiu a entrada do Júnior no parque estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente nãos sabe dizer; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque.”.” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 177/178 do documento único gerado)
Na fase judicial da ação penal instaurada contra o requerido, o aludido policial confirmou seu depoimento, mas alterou na parte em que afirmou que gritou em tom alto e claro que um dos seguranças estaria armado (fls. 284 do documento único gerado).
O agente de polícia João Batista dos Reis Soares, na fase administrativa, depôs que:
(…) que no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pela inspetoria porque o Dr. Leonardo estava montando uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque; que os mandados se referiam aos três irmãos Águimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga’; o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que eles estariam frequentando o parque e iriam praticar uma ação criminosa pois havia muito dinheiro no local; que o depoente desconhecia que o pai dos investigados estava trabalhando como pipo queiro no local; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram o Júnior de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que assim que ele avistasse as pessoas procuradas iria acionar o restante dos policiais civis; que o restante do pessoal ficou do lado de fora, nas proximidades; que segundo soube pelo próprio Júnior ele foi até uma das catracas e se identificou como policial, mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário negou a entrada dizendo que era ordem da direção do parque; que o funcionário dizia que policial teria que pagar; que em nenhum momento o Júnior falou que eles iriam consultar uma lista; que o depoente ouviu dizer que existia uma lista e apenas o policial que tivesse o nome nela é que poderia entrar; que diante disto, o Júnior telefonou para os policiais; que o depoente entender, naquele primeiro momento, que era para irem cumprir o mandado; que então os policiais foram para o local e lá perceberam que a situação era um pouco diferente; que no local, os funcionários estavam impedindo os policiais de ingressarem no local; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que a viatura em que o depoente estava chegou por último e o depoente ficou mais atrasado porque era o motorista da viatura; que segundo soube posteriormente os policiais civis chegaram e ainda se identificaram como policiais mas mesmo assim não permitiram o ingresso dos mesmos, os quais precisaram ‘pular a catraca’; que neste instante foi dado voz de prisão em flagrante por desobediência e desacato; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia a necessidade porque havia notícia de que eles poderiam praticar crime no local; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, em local com aglomerado de pessoas, houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que o depoente não esteve no parque anteriormente, sendo o dia da operação a primeira vez; que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa, e nem ouviu comentários de que outros policiais tiveram problemas; que no dia da operação o depoente não sabe dizer o porque o Júnior não pôde entrar; que o Júnior falou que eles apenas mencionaram que a Direção tinha proibido o ingresso dos policiais no parque; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque, acreditando que não porque não ouviu qualquer comentário na polícia civil; que no dia da operação estava armado mas não estava com porte ostensivo; que ficou sabendo que um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente não viu esta ação; que acredita que os policiais civis sacaram a arma porque viram o funcionário armado; que não sabe dizer se o funcionário que proibiu a entrada do Júnior no parque estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente não sabe informar; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque; que tem certeza que não havia revanche com a Direção porque o depoente foi acionado momentos antes e não havia nenhum menção de adotar procedimento contra a direção do parque.” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 179/180 do documento único gerado)
O agente de polícia Dartagnan Agenor Soares, no Ministério Público, relatou que:
(…) no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pela inspetoria porque o Dr. Leonardo estava montando uma operação para, cumprimento de mandados de prisão no parque e para coibir possível crime; que os mandados se referiam aos três irmãos Aguimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga’; o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que eles estariam frequentando o parque e iriam praticar uma ação criminosa pois havia muito dinheiro no local; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram o Júnior de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que assim que ele avistasse as pessoas procuradas iria acionar o restante dos policiais civis; que o restante do pessoal ficou do lado de fora, nas proximidades; que segundo soube pelo próprio Júnior ele foi até uma das catracas e se identificou como policial, e mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário negou a entrada dizendo que era ordem da direção do parque; que o funcionário dizendo que a polícia não poderia entrar sem pagar; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que segundo soube posteriormente os policiais civis chegaram e ainda se identificaram como policiais mas mesmo assim não permitiram o ingresso dos mesmos, os quais precisaram ‘pular a catraca’; que neste instante foi dado voz de prisão em flagrante por desobediência e desacato; que o depoente entrou no final da operação; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia a necessidade porque havia notícia de que eles poderiam praticar crime no local; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, em local com aglomerado de pessoas, houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que o depoente não esteve no parque anteriormente, sendo o dia da operação a primeira vez; que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa, e nem ouviu comentários de que outros policiais tiveram problemas; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque, acreditando que não porque não ouviu qualquer comentário na polícia civil; que no dia da operação estava armado mas não estava com porte ostensivo; que ficou sabendo que um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente viu esta ação e saiu correndo para auxiliar o Dr. Leonardo; que os policiais civis sacaram a arma porque viram o funcionário armado; que não sabe dizer quem era o funcionário que proibiu a entrada do Júnior no parque e se ele estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente informou que certamente porque ele teria avistado o funcionário com arma e também por segurança porque quando se vai abordar alguém não se sabe se ele estará armado ou se irá reagir; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policia foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque..” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 181/182 do documento único gerado)
O agente de polícia Terval Carlos Pereira Rocha declarou, perante a Promotoria de Justiça, que:
(…) no dia 30 de maio de 2008 foi chamado pela inspetoria porque o Dr. Leonardo estava montando uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque e para coibir possível crime; que os mandados se referiam aos três irmãos Aguimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga o depoente, assim como os demais policiais civis tiveram ciência de que eles iriam ao parque naquela noite; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram um ou dois policiais de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que ao depoente coube ficar transitando pela avenida fazendo vigilância externa; que não sabe ao certo qual foi o combinado, mas sabe que era para acionar o restante do pessoal assim que localizasse os procurados; que posteriormente segundo soube pelo próprio Júnior ele foi até ‘uma das catracas e se identificou como policial, mostrou sua carteira funcional e disse que estava a serviço; que mesmo assim, o funcionário disse que ele somente poderia entrar se o nome tivesse numa lista; que o Júnior tentou conversar mas não deu certo; que diante disso, o Júnior telefonou para o pessoal; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que o depoente apenas cumpria ordem; que quando o depoente se aproximou viu um aglomerado de pessoas e pensou que eles estivessem cumprindo os mandados; que depois é que soube que o Júnior foi proibido de entrar; que houve necessidade de ‘pular a catraca’; que um dos seguranças estava armado; que o depoente entrou no final da operação; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia, número suficiente de policiais para garantir a segurança dos trabalhos; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, em local com aglomerado de pessoas houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que o depoente esteve no parque anteriormente, podendo afirmar que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa, e nem ouviu comentários de que outros policiais tiveram problemas; que não sabe dizer porque neste dia em específico o parque resolveu proibir a entrada de policiais; que acredita o depoente que o pessoal da portaria é despreparado; que o depoente não tem informação sobre possível briga da chefia da Polícia Civil com a direção do parque, acreditando que não porque não ouviu qualquer comentário na polícia civil; que no dia da operação estava armado porque pensou que estava havendo cumprimento do mandado e há notícia de que os irmãos ‘guiga’ são perigosos; que conforme dito, um dos funcionários fez menção de sacar a arma que estava no colete; que o depoente não viu esta ação; que não sabe dizer quem era o funcionário que proibiu a entrada do Júnior no parque e nem se ele estava armado; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente informou que certamente por segurança porque quando se vai abordar alguém não se sabe se ele estará armado ou se irá reagir; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque.” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante. (fls. 183/184 do documento único gerado)
O agente de polícia Leiliane da Silva Braga, na fase administrativa, asseverou que:
(…) no dia 30 de maio de 2008 foi chamada pelo o Dr. Leonardo para participar de uma operação para cumprimento de mandados de prisão no parque; que pelo que se recorda os mandados se referiam aos três irmãos Aguimar, Nilson e Gilmar, conhecidos como irmãos ‘Guiga’; que acredita que os mandados seriam cumpridos no parque porque os demais policiais civis tiveram ciência de que eles estariam frequentando o local; que o Dr. Márcio ou o Dr. Leonardo incumbiram o Júnior de adentrar no parque primeiramente e permanecer no interior à procura destes indivíduos; que assim que ele avistasse as pessoas procuradas fria acionar o restante dos policiais civis; que soube apenas que o Júnior não conseguiu entrar e chamou o restante do pessoal; que não conversou com Júnior nada podendo esclarecer sobre a conversa que ele teve com os funcionários; que quem chefiava a operação era o Dr. Leonardo, sendo que a depoente apenas cumpria ordem; que incumbiu a depoente dar apoio; que o depoente entrou no final da operação; que estava armada; que nãos e recorda se estava de arma em punho; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandado de prisão em local com aglomerado de pessoas, o depoente disse que havia a necessidade porque eles estavam sendo procurados há muito tempo e também porque a civil está preparada para cumprir mandados; que não sabe informar se por se tratar de operação de média envergadura, em local com aglomerado de pessoas, houve a comunicação do fato à Polícia Militar ou à direção do Parque; que a depoente esteve no parque anteriormente, no dia do show da Ivete Sangalo, a serviço; que neste dia a depoente entrou normalmente, após apresentação da carteira funcional; que não sabe se outros colegas de trabalho tiveram problema para entrar na festa, e nem ouviu comentários de que outros policiais tiveram problemas; que a depoente não tem informação sobre possível briga na chefia da Polícia Civil com a direção do parque, acreditando que não porque não ouviu qualquer comentário na polícia civil; que não sabe dizer porque neste dia específico o Júnior não conseguiu entrar normalmente no parque, como nos outros dias; que ficou sabendo que um dos funcionários estava armado mas não sabe informar se ele fez menção de sacar a arma; que perguntado porque o Dr. Leonardo teria apontado arma para a cabeça do funcionário desarmado, o depoente informou que não sabe dizer; que não ouviu dizer que policiais civis estiveram no parque dias antes e que teriam dito para funcionárias que elas estavam impedindo o ingresso de policiais civis no local e iriam se arrepender; que a operação policial foi legítima e não teve qualquer cunho revanchista com conduta anteriormente adotada pelo parque.” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pela declarante. (fls. 185/186 do documento único gerado)
Já o inspetor de agentes, Francisco Luís Domingues, perante o Ministério Público, afirmou que:
(…) é inspetor de agentes da delegacia de repressão a crimes contra o patrimônio e tóxicos de Patos de Minas; que ficou sabendo da operação policial que iria acontecer no Parque de Exposições no dia em que ela ocorreu (Sexta-feira) logo pela manhã; que apesar de ser o inspetor de agentes com lotação junto à Delegacia de Furtos e Roubos não participou do planejamento da operação desencadeada naquele dia; que o Dr. Leonardo, que estava de plantão naquele dia, organizou as equipes e definiu os detalhes da operação; que naquele dia seriam cumpridos cinco mandados, dentre eles três relativos aos irmãos Nilson, Aguimar e Gilmar, por prática de roubo; que segundo soube teria chegado informações aos policiais de que eles estariam frequentando o parque de exposições naquela data; que há tempos a polícia civil estava tentando localizá-los e prendê-los, mas não tinham sido localizados; que o depoente foi chamado à noite, após os agentes terem sido impedidos de adentrar no parque; que se dirigiu para a Delegacia de Plantão e no local já havia algumas pessoas presas; que o depoente acompanhou os trabalhos, verificou a questão da documentação das armas de fogo que não tinham sido apresentadas até então; que recorda-se que na Segunda feira ou Quarta subsequente, recebeu ligação em seu celular do Dr. Paulo Cesar de Freitas solicitando averiguação da presença dos irmãos Gilmar, Nilson e Aguimar no endereço que ele lhe forneceu na ocasião; que durante a ligação não lembrou dá informar o Promotor de que a polícia civil tinha informações de que eles estavam na cidade e inclusive tinham sido informados que os irmãos estiveram no parque de exposições na Sexta-feira e que a civil foi impedida de adentrar no parque para tentar cumprir o mandado; que não se recorda de ter dito ao referido promotor de justiça de que ‘não adianta nada ir procurar este pessoal pois eles estão fugidos há muito tempo’; que se recorda de ter dito ‘que já teriam procurado em todos os endereços possíveis e que não tinham achado, mas que naquele endereço que estava sendo informado ainda não tinham ido”; que descobriram depois que referido endereço pertencia a uma irmã dos procurados; que realmente não se lembrou de informar que havia informação de que os irmãos estavam frequentando a festa do milho dias antes; que depois do incidente a policia civil ainda tentou cumprir os mandados; que o depoente esteve no parque e deixou três agentes de polícia encarregados de vasculhar o parque; que acha que os agentes eram o Júnior, Marcelo Gomes e Tiago; que nenhum dos mandados foi cumprido naquela data; que um dos irmãos foi preso dias depois no endereço mencionado pelo Dr. Paulo; que fora o dia da operação o depoente esteve no parque outra vez e nesta ocasião pôde entrar sem qualquer empecilho e antes de adentrar identificou-se como policial e o agente de segurança verificando que seu nome constava de uma lista, franqueou a entrada; que soube por ouvir dizer que outros policiais civis, militares, federais, delegados e jornalistas tiveram problemas para entrar; que soube que eles tiveram problemas para entrar; que não sabe indicar nomes e nem datas em que isto teria acontecido; que não existiu qualquer problema entre a Direção do Parque e o Comando da Polícia Civil; que sabe que o Delegado Regional expediu ordem de serviço cancelando férias e folgas de todos os policiais; que esta ordem de serviço foi comunicada ao parque; que não sabe informar porque houve problema para entrada dos policiais civis no dia do cumprimento dos mandados; que ao contrário do mencionado pela direção do parque não existiu por parte da civil qualquer retaliação pela dificuldade de entrada dos policiais civis na festa; que perguntado se não era desaconselhável cumprir mandados de prisão durante a festa quando estariam presentes milhares de pessoas e ainda levando-se em consideração que estava ocorrendo dificuldades para ingresso no local, o depoente respondeu que não, porque há tempos estavam tentando cumprir os mandados, a polícia civil possui capacidade e treinamento para cumprir com segurança este tipo de operação; que não sabe se a direção do parque foi informada a respeito da operação naquela data. ” Vai o presente termo assinado pela Promotora de Justiça e pelo declarante (fls. 188/189 do documento único gerado)
Devem ainda ser mencionados a inconveniência e o risco inerente ao cumprimento de mandados de prisão em um local onde estariam aglomeradas milhares de pessoas, não sendo crível que os policiais fossem àquele local para cumprir os mandados com uma mínima expectativa de êxito, seja em face do grande número de pessoas que frequentavam o evento, seja porque o policial supostamente designado para o cumprimento dos mandados era novato e não conhecia os supostos procurados, seja porque não deram continuidade à suposta determinação de cumprimento dos aludidos mandados, seja porque sequer os apresentaram às vítimas, seja porque não informaram a operação à Polícia Militar, ou aos responsáveis pelo evento.
De mais a mais, a confusão gerada na portaria do evento, causada pela negativa de um policial civil de se identificar, comprometeria o sucesso da suposta operação montada, evidenciando o real intuito da diligência, qual seja, uma repressão aos funcionários que controlavam a entrada no evento festivo.
Caso a finalidade do ingresso dos policiais no Parque de Exposições fosse o efetivo cumprimento dos mandados, estes teriam sido por eles apresentados desde o início, cuidando para que as presenças não fossem notadas pelos participantes do evento.
Consequentemente, diante desse quadro, como observamos no decorrer da instrução do presente feito, as declarações das vítimas, acima descritas, são absolutamente harmônicas, e consistem em elementos seguros para corroborar os fatos narrados na presente ação, sendo importante ressaltar que o comportamento destas deixou claro que não queriam causar prejuízo a ninguém, tendo apenas o propósito de contribuir com a Justiça para que a verdade real dos fatos viesse à tona.
Opostamente, o requerido, a todo custo, tentou afastar sua responsabilidade pelos fatos descritos na inicial, no entanto, apresentou declarações contraditórias e evasivas, com o fim único de se afastar da verdade, o que me leva a destacar a lição de Ferri, que, apesar de se direcionar à imputação criminal, encaixa-se como uma mão à luva à espécie, e, como alegou o próprio requerido, ora primeiro apelante, o ato de improbidade administrativa, em tese, por ele praticado, também é tipificado como crime:
(…) o réu inocente tem sempre uma atitude retilínea, como o voo da andorinha. O réu culpado, ao invés procede em zig-zag; tergiversa, contradiz-se, procura remediar às mentiras tornadas patentes; tem, sempre, uma atitude sinuosa, como o voo do morcego. (In, “Defesas Penais” – Vol 2º – 1925 – p. 289)
Segundo o escólio de José Frederico Marques:
(…) o inocente negará a imputação e poderá fazê-lo com absoluta competência, porque nenhum crime praticou. Ao culpado, a situação se apresentará mais difícil, porque a sua negativa mentirosa o obriga a rodeios e ginástica de dialética que acabarão por deixar vestígios e provas circunstanciais de real valor para o veredicto final dos órgãos jurisdicionais. (In, “Elementos de Direito Processual Penal” – 1ª edição – Editora Bookseller – p. 299)
Também nesse ponto, vale invocar elucidativo esclarecimento do Professor Eugênio Pacelli de Oliveira, cuja obra é marcada pela sensatez e pelo equilíbrio. Acerca da valoração do interrogatório, diz o mestre que:
(…) se o acusado prefere oferecer a sua versão dos fatos, esta, a autodefesa ativa, se submeterá ao exame de sua pertinência e validade probatórias, em confronto com os demais elementos de convicção constantes nos autos (In, “Curso de Processo Penal” – Belo Horizonte: Del Rey – 2002 – p. 302)
E, mais à frente, conclui o brilhante doutrinador que é:
(…) inquestionável o fato de ser admissível a valoração do depoimento, até mesmo em prejuízo do réu, diante de eventual inconsistência (id. ibid.)
Ressai evidente, desse modo, que o apelante praticou ato de improbidade administrativa, atentatório aos princípios da Administração Pública, tipificado no art. 11, I, da Lei Federal 8.429/92, tendo em vista que se aproveitou de sua posição como Delegado de Polícia para praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.
Importante destacar que constitui ato de improbidade administrativa a ação ou omissão que fere direta ou indiretamente os princípios da Administração, independentemente da existência de enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário, contentando-se essa figura típica com o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente do agente em praticar a conduta descrita na lei, como no caso dos autos, porque o prejuízo, neste caso, é moral, atinge a toda a Administração Pública.
Com efeito, os elementos dos autos demonstram de forma inconteste a má-fé e a intenção deliberada do réu de violar os princípios da Administração Pública, notadamente, os princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade e razoabilidade
Esta posição não discrepa daquela exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive em recentes julgados:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. EXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE AFIRMADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. DESNECESSIDADE DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU PREJUÍZO AO ERÁRIO. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE CONSIGNA A PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO) APTO A CARACTERIZAR O ATO ÍMPROBO VIOLADOR DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. REVISÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. É pacifico o entendimento desta Corte no sentido de que inexiste cerceamento de defesa quando o julgador, ao constatar nos autos a existência de provas suficientes para o seu convencimento, indefere pedido de produção de provas, além disso, a discussão sobre à necessidade de dilação probatória na espécie implica necessariamente reexame dos fatos e provas delineados nos autos, providência que é vedada em face da Súmula 7/STJ. 2. Esta Corte Superior possui entendimento uníssono segundo o qual, para o enquadramento da conduta no art. 11 da Lei 8.429/1992, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo, dispensando-se a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente. 3. Na hipótese, o Tribunal de origem com base no conjunto fático e probatório constante dos autos, atestou a prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da lei 8.429/92, diante da presença do elemento subjetivo (dolo). Assim, a reversão do entendimento exarado no acórdão exige o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica reexame do conjunto fático-probatório dos autos, encontrando óbice na súmula 7/STJ, salvo se da leitura do acórdão recorrido exsurge a desproporcionalidade na aplicação das sanções, o que não é a hipótese dos autos. Precedentes: AgRg no REsp 1307843/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 10/08/2016; REsp 1445348/CE, Rel. Min. Sergio Kukina, Primeira Turma, DJe 11/05/2016; AgInt no REsp 1.488.093/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, Dje 17/3/2017. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1725696/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ATO DE IMPROBIDADE. CONVÊNIO. FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA CONDENAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE. ACÓRDÃO EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CASA. DANO IN RE IPSA. DOLO GENÉRICO PRESENTE. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. I – Deve ser indeferido o pedido de retirada de pauta fundado no não cabimento do agravo regimental no Tribunal a quo. A alegação não consta nas contrarrazões do agravo regimental interposto na origem (fls. 638-653). O que seria necessário para o prequestionamento da matéria. Também não se formulou a alegação nas contrarrazões do recurso especial ou na petição de agravo interno, ora em julgamento, o que configuraria, se formulada, inovação recursal. Indeferido, portanto, o pedido de retirada de pauta. III – Foi proposta ação civil pública por ato de improbidade administrativa pelo Ministério Público do Estado do Maranhão. Atribui-se à causa o valor de R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais). IV – Sustenta-se, em síntese, que o réu, então Prefeito do Município de Pandaré-Mirim, não efetuou a prestação de contas referente ao Convênio n. 3/2012 (Processo n. 282/2012) firmado entre a Secretaria de Estado das Cidades e Desenvolvimento Urbando-SECID e o Município, para a construção de 50 unidades habitacionais em situação precária. V – Por sentença (fls. 346-352), foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, para condenar o réu às seguintes sanções: a) indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); b) suspensão dos direitos políticos pelo período de 5 anos; c) multa civil no valor correspondente a 30 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente enquanto prefeito municipal; d) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo período de 3 anos; e e) ressarcimento integral do dano ao erário no valor total de R$ 186.916,65 (cento e oitenta e seis mil, novecentos e dezesseis reais e sessenta e cinco centavos). VI – Foram opostos embargos de declaração pelo réu, rejeitados pela decisão de fls. 404- 405, com fixação de multa de 2% sobre o valor atualizado da causa pelo caráter protelatório do recurso. VII – Provocado por recurso de apelação (fls.517-528), o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão manteve a sentença. VIII – Cabe ressaltar que a situação descrita nos presentes autos não encontra óbice na Súmula n. 7 desta Corte, porque a análise do recurso “independe” do revolvimento de matéria fático-probatória, reclamando apenas a “revaloração das provas produzidas” nas instâncias anteriores. Em outras palavras, o fato “prestação extemporânea de contas” é certo e provado. Basta avaliar se ele implica comportamento censurável pela Lei de Improbidade Administrativa. IX – A decisão contra a qual se insurge o Ministério Público foi proferida em via de embargos declaratórios com efeitos infringentes. A pretexto de suprir omissão no julgamento do recurso de apelação, expôs o relator (fl. 608): “Com efeito, verifica-se que, de fato, o v. acórdão embargado deixou de apreciar a argumentação apresentada pelo embargante, concernente na apresentação das contas do Convênio nº 03/2012, celebrado com a Secretaria de Estado das Cidades e Desenvolvimento Urbano/SECID, especificamente os documentos de fls. 89 à 200 (volume I) e fls. 201 à 306 (volume II), e, por consequência, não apresentou a devida apreciação do conjunto probatório. Omissão, a qual passa a ser sanada”. X – Arrimando-se em tais documentos, entendeu o Tribunal de origem que houve prestação de contas pelo réu: às fls. 89 e 91, as contas parciais; às fls. 90, as contas finais relativas à primeira parcela dos recursos transferidos por força do Convênio n. 003/2012. No julgamento colegiado do agravo regimental, essa versão foi ratificada (fls. 659-655). XI – A análise dos documentos mencionados nos julgados, que aqui no Superior Tribunal de Justiça receberam a numeração e-STJ fls. 96-98, torna possível verificar que foram protocolizados no órgão destinatário em 30/4/2014 e 2/7/2014. Todavia, a notificação do réu para defesa preliminar aconteceu em 9/4/2014 (fl. 41). XII – Ora, é evidente que os protocolos das prestações de contas, com base nos quais o Tribunal a quo absolveu o réu, foram feitos somente após o ex-gestor municipal tomar ciência da acusação de improbidade administrativa. Assim, pretendia ele – “e talvez só por isso prestou as contas” – garantir sua impunidade em relação às sanções previstas na Lei n. 8.429/92. XIII – Desse modo, resulta patente o dolo do agente público, ainda que genérico, em relação à prática da conduta ímproba tipificada na Lei de Improbidade como violadora dos princípios da administração pública (LIA, art. 11, VI). Se o convênio fixava prazo para a prestação de contas e o administrador público o desprezou por longo tempo, deixando de justificar o emprego dos recursos recebidos, sua conduta caracteriza violação dolosa dos princípios regentes da atividade administrativa. Para fins de subsunção da conduta, às figuras do art. 11 da LIA, é bastante o dolo genérico. Nesse sentido: REsp n. 1.352.535/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19/4/2018, DJe 25/4/2018; REsp n. 1.714.972/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/4/2018, DJe 25/5/2018. XIV – Caracterizada, assim, a hipótese típica do art. 11, caput e VI, da Lei n. 8.429/92, exatamente como o declarou a juíza prolatora da sentença reformada. Essa a única questão jurídica prequestionada e devolvida a esta Corte Superior. XV – Correta, portanto, a decisão agravada que deu provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Maranhão, reformando o acórdão recorrido e restabelecendo a sentença de primeira instância tal como prolatada. XVI – Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1327393/MA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019)
E, no caso, como já exaustivamente consignado, restou suficientemente provado que, no dia dos fatos, um dos agentes de polícia chegou na portaria principal do evento que ocorria em Patos de Minas – Festa do Milho –, acompanhado do requerido e de outros policiais civis, e, dizendo-se agente da Polícia Civil, porém, sem se identificar documentalmente, manifestou o desejo de adentrar o Parque de Exposições.
Contudo, o referido agente, mesmo sem credencial, foi convidado a se dirigir ao portão de acesso especial, fato que foi de encontro aos brios do réu, levando-o a sacar sua arma de fogo e apontá-la em direção aos porteiros, que, como se viu das provas colhidas, em momento algum ofereceram resistência, a fim de que os demais agentes pudessem ingressar no local pelo acesso principal.
Ademais, atendendo à determinação do requerido, ora primeiro apelante, que gesticulava e verberava, empunhando uma pistola semiautomática, os policiais civis, saltando sobre as catracas, ingressaram no parque, momento em que o primeiro, após determinar uma busca pessoal nos porteiros e em outros funcionários do Sindicato Rural, ordenou que eles fossem algemados e conduzidos presos à Delegacia de Polícia.
Ressalte-se que, durante toda a ação ilícita, o requerido, assim como os demais policiais, não apresentaram aos porteiros os aludidos mandados de prisão que justificariam a presença da Polícia Civil no evento, bem como o seu franco acesso ao evento, nem mesmo deu continuidade à aludida diligência, contentando-se com a prisão dos funcionários da Festa Nacional do Milho, de modo que ocorreu prisão absolutamente ilegal, na modalidade de flagrante forjado, que foi utilizada pelo inculpado como instrumento de intimidação e retaliação a episódio similar ocorrido com um de seus colegas policiais na véspera dos fatos acima relatados, incorrendo na prática de atos de improbidade administrativa violadores dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e razoabilidade, conforme descrito na inicial da presente Ação Civil Pública.
Outrossim, como ressaltou com percuciência o autor da ação, ao impugnar a contestação:
Advirta-se que a consulta à mencionada lista se justificava em razão de que a entrada franca somente seria plausível para agentes que estivessem a serviço durante a realização da festa. Caso contrário, o agente estaria se valendo de sua condição de servidor público para auferir vantagem manifestamente indevida.
Ora, não seria razoável, por exemplo, a concessão de entrada franca em favor de policiais de outras localidades que aqui se encontrassem tão-somente para participarem, na qualidade de consumidores, do referido evento festivo. Por óbvio, a restrição, nesse caso, não constituiria violação das prerrogativas funcionais dos policiais civis, o que realça a legitimidade da prévia identificação dos entrantes.
De qualquer modo, ainda que a conduta dos porteiros tivesse sido arbitrária, o que, definitivamente, não é o caso, a tresloucada reação do impugnado teria extrapolado os limites do regular exercício de um direito, configurando um verdadeiro abuso de direito (…)
Por sua vez, ao contrário do que consta da contestação, a pretensão ministerial não foi de discussão quanto à conveniência e oportunidade da conduta praticada pelo requerido, mas a sua legalidade, já que, de fato, discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
Dito tudo isso, restou suficiente comprovado, no decorrer da instrução do presente feito, que o réu, agindo de forma livre e consciente, afrontou os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade, motivo pelo qual deverá responder pelas sanções do art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa, por infração ao art. 11, I, do mesmo Diploma Legal.
De resto, como ponderou o ilustre Magistrado de Primeiro Grau, mais próximo dos fatos e das pessoas neles envolvidas:
(…) A defesa do réu, por sua vez, se concentra no fato de que tudo não passa uma interpretação equivocada da conduta do demandado, acenando em suas alegações finais que não houve improbidade administrativa, que o fato de estar portando arma de fogo, por si só, não é elemento que caracterize grave e iminente perigo para a incolumidade física das pessoas e, ainda, que não cabe ao MP discutir a conveniência e oportunidade de ato de polícia (ato administrativo).
Indubitável nos autos, analisando a documentação que instrui o Inquérito acima citado e a prova colhida nos autos da ação penal n° 0480.09.125.058-3 que instrui a presente ação que a conduta do requerido e os fatos narrados se amoldam à hipótese de improbidade administrativa prevista pelo art. 11 da Lei 8.429/92. Como cediço, a ofensa aos princípios da administração pública caracteriza-se como ato de improbidade administrativa, prescindindo, para configuração efetiva da conduta do mencionado dispositivo, a prova da ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Ocorre que, para que haja a condenação por ato de improbidade administrativa, descrito no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a comprovação do elemento subjetivo, qual seja, o dolo genérico. O dolo genérico perseguido é a compreensão da intenção, vontade, o agir com má-fé no intuito de não cumprir obrigação legal, ato de oficio determinado, que segundo a jurisprudência a seguir transcrita do STJ, atribui-se ao autor da ação (…)
Verifico, outrossim, que a incansável defesa se apega em demasia a alegação de que o requerido, na qualidade de delegado de polícia, estava no exercício da sua função – fato que tenho como incontroverso, cumprindo seu dever, contudo, conforme apurado, excedeu às suas funções o caracteriza a conduta do requerido como ímproba.
Apurado que o ato ilícito foi praticado no efetivo exercício das atribuições do cargo, mostra-se perfeitamente cabível o reconhecimento da improbidade administrativa, mormente porque a acusação impinge ao requerido conduta que contraria frontalmente princípios basilares da Administração Pública, tais como a moralidade e legalidade, valores que tem, na função de delegado civil, o dever institucional de defender.
Sem dúvida os princípios da legalidade e moralidade administrativa foram violados, merecendo, pois, a reprimenda da lei.
(…)
Cabível, outrossim, a procedência parcial do pedido, considerando-se que a conduta de praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência, através do uso da função pública, viola os princípios da administração pública, em especial os da legalidade e moralidade, devendo ser banida (…)
Finalmente, reconhecida a improbidade administrativa, quanto às sanções a serem aplicadas, tem-se como direção o disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei Federal 8.429/92, no sentido de que, na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Sobre a questão, ensina Marcelo Figueiredo, que:
(…) sendo procedente a ação, as penas previstas se aplicam em bloco, ou o juiz pode discricionariamente aplicá-las, uma delas, ou todas em conjunto? De fato, é de se afastar a possibilidade da aplicação conjunta de penas em bloco, obrigatoriamente. É dizer, há margem de manobra para o juiz, de acordo com o caso concreto, aplicar as penas, dentre as cominadas, isolada ou cumulativamente (…). Tudo dependerá da análise da conduta do agente público que praticou ato de improbidade em suas variadas formas. É bem verdade que a lei silenciou a respeito do tema. Ou, por outra, tem redação incompleta. O art. 12 e seus incisos apresentam-se confusos, dando margem a tais perplexidades. Ainda aqui, mostra-se adequado o estudo a respeito do princípio da proporcionalidade, a fim de verificarmos a relação de adequação entre a conduta do agente e sua penalização. É dizer, ante a ausência de dispositivo expresso que determine o abrandamento ou a escolha das penas qualitativa e quantitativamente aferidas, recorre-se ao princípio geral da razoabilidade, ínsito à jurisdição (acesso à Justiça e seus corolários). Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a conduta do agente público em face da lei e verificar qual das penas é mais ‘adequada’ em face do caso concreto. Não se trata de escolha arbitrária, porém legal. (…).
Enfim, as penas devem ser, prudente e adequadamente aplicadas de acordo com a conduta do agente, inobstante a ausência de critério explícito aparente contido na lei. (…) (In, “Probidade Administrativa. Comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar”, 4ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 114/115)
E mais:
Assim, o termo ‘fixação’ pode ser decodificado e entendido do seguinte modo: o Judiciário analisará amplamente o ato praticado pelo agente, tido por violador da probidade administrativa, para, nos limites e na extensão da lei, de modo flexível e criterioso, dentre as sanções legais, escolher as aplicáveis ao caso concreto. (ob. cit., p. 133)
Emerson Garcia, citando Bentham, aconselha que quanto mais nocivo à administração pública é o ilícito, maior deve ser a sanção aplicada a fim de se tentar preveni-lo (In, “Improbidade Administrativa, 3ª edição, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 511).
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a aplicação das sanções da Lei Federal 8.429/92, para atender à finalidade pedagógica e intimidadora, deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. REVISÃO. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Na forma da jurisprudência do STJ, “a ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções de caráter punitivo […] que têm a força pedagógica e intimidadora de inibir a reiteração da conduta ilícita” (Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Voto Vista no REsp 664.440/MG, DJU 06/04/2006). 2. Da mesma forma, “esta Corte Superior possui entendimento de que é possível a aplicação cumulativa das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade” (AgInt no REsp 1.386.409/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe 21/03/2018). 3. “É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica reexame do conjunto fático-probatório dos autos, encontrando óbice na súmula 7/STJ, salvo se da leitura do acórdão recorrido exsurge a desproporcionalidade na aplicação das sanções, o que não é a hipótese dos autos” (AgInt no REsp 1.606.097/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 23/04/2018). 4. Caso concreto em que as sanções decotadas – (i) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 8 (oito) anos, a contar do trânsito em julgado da sentença e (ii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos – não guardam pertinência com a conduta praticada pelo agravado, na medida em que o ato de improbidade em tela não tinha relação com atividades de natureza político-partidária ou empresarial. Assim, uma vez evidenciado o manifesto excesso na fixação das referidas sanções, é possível a modificação do acórdão recorrido sem que isso implique reexame de matéria fática. Nesse sentido: AgRg no AREsp 120.393/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe 29/11/2016. 5. Agravo interno improvido. (AgInt no AgInt no AREsp 546.311/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 23/08/2018)
A aplicação das sanções da Lei Federal 8.429/92 deve, de fato, ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar penalidades desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a impunidade.
E, para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no artigo 12 e incisos, da Lei de Improbidade Administrativa, deve o Magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a medida da lesão ao erário, o histórico funcional do agente público, etc., sendo certo que, na forma da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções de caráter punitivo, que têm a força pedagógica e intimidadora de inibir a reiteração da conduta ilícita.
Tecidas essas breves considerações, na espécie, a sentença impôs ao requerido, ora primeiro apelante, o pagamento de multa civil no valor de 05 (cinco) vezes a remuneração percebida pelo requerido à época dos fatos; a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Todavia, conforme documento de fls. 479/507 do documento único gerado, o requerido teve contra si outra condenação na ação de improbidade administrativa nº 0480.09.127803-0, por fatos análogos aos presentes, justamente por utilizar de seu cargo para fins privados e ilícitos, sendo oportuno acrescentar, que, na aludida ação, foi imposta somente a pena de pagamento de multa civil de 5 (cinco) vezes o valor dos vencimentos do requerido, por apresentar-se, segundo o Relator, ponderada, na medida em que atenderia aos comandos constitucionais e infraconstitucionais, punindo quem praticou ato ímprobo, de forma proporcional à extensão da improbidade, sem imposições injustas.
No mais, na ação penal de abuso de autoridade, o requerido também foi beneficiado com pena exclusivamente de multa. Posteriormente, foi reconhecida a prescrição retroativa.
Não fosse por tudo isso, na Sindicância Administrativa contra ele instaurada na Corregedoria Geral da Polícia Civil, apenas foi imposta a suspensão por 5 (cinco) dias.
Desse modo, o que os autos revelam é que, apesar do pouco tempo de serviço público, o requerido passa ao largo dos princípios que norteiam a Administração Pública, utilizando-se de seu cargo para fins escusos, de modo que patente se torna a aplicação cumulativa das sanções previstas no inciso III do art. 12 da Lei Federal 8.429/92, para se atender à finalidade pedagógica e intimidadora.
Evidente que o primeiro apelante agiu de forma abusiva, valendo-se da função de Delegado de Polícia, por mais de uma vez, para abusar de sua autoridade, razão por que, a sua pretensão subsidiária, de aplicação de pena pecuniária mínima, de forma isolada, deve ser rechaçada, justamente por sua desproporcionalidade em relação à gravidade do fato praticado.
Nestes termos, com razão o Ministério Público, ao pleitear a condenação do requerido nas sanções previstas no artigo 12, III, da Lei Federal 8.429/92, incluindo a multa civil, a perda de suas funções públicas, a suspensão de seus direitos políticos e a impossibilidade de contratar , por tudo o que foi visto, mostrando-se insuficiente para fins de repressão e prevenção de futuras ações abusivas por parte do apelado as penas impostas na sentença, faltando, pois, proporcionalidade na análise dos presentes fatos pelo MM. Juiz sentenciante, na medida em que o requerido, pela gravidade e consequência dos atos abusivos praticados, revelou total inaptidão para exercer o cargo de Delegado de Polícia, sendo de rigor a decretação da perda do cargo por esse egrégio Tribunal.
Em outras palavras, cabíveis, na hipótese dos autos, as sanções da lei de improbidade de modo cumulativo, excetuando-se a de ressarcimento ao erário, eis que o prejuízo é de ordem moral, tendo em vista que, diante da prova produzida, mostrou-se elevado o desvalor ético e moral na conduta praticada pelo requerido, Delegado da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, que vem se mostrando useiro e vezeiro no abuso de autoridade, durante o cumprimento de suas funções.
Não se pode descurar, outrossim, de que os atos ímprobos decorreram da própria função relevante de Delegado, e o requerido vem utilizando de seu cargo para constranger pessoas, praticando, de forma reiterada, atos visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência, de modo que a condenação do requerido nas sanções do art. 12, III, da Lei Federal 8.429/92, de forma cumulativa, além de exemplarmente pedagógica, revidará, à altura, a acintosa conduta do mesmo em face do patrimônio moral da Administração Pública.
Por fim, não merece prosperar a alegação do primeiro apelante de que o termo inicial para a incidência de juros e de correção monetária deve ser a data do arbitramento da multa civil, tendo em vista que a incidência da correção monetária e dos juros dá-se desde o evento danoso, conforme pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, por se inserirem as sanções e o ressarcimento, nos casos de improbidade administrativa, no contexto da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito, senão vejamos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMÓVEL DO ESTADO. FALTA PARCIAL DE PREQUESTIONAMENTO. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 1.022, II, DO CPC. 1. Conforme consta dos autos, cuida-se, na origem, de ato de improbidade administrativa cometido por Adalberto Almeida Conde, que, na qualidade de Diretor-Geral do Degase, permitiu, sem prévio procedimento licitatório, o uso de prédio público _ Centro Profissionalizante do Degase _ pela sociedade empresária Alimenge Comercial de Gêneros Alimentícios Ltda., para nele implantar uma padaria-escola, visando à qualificação profissional de menores infratores. 2. Entretanto, esta, decorrido um ano de utilização do imóvel, jamais atendeu a tal finalidade, utilizando-se do prédio em seu exclusivo interesse comercial. Ademais, a empresa, após ser notificada para desocupar o imóvel, subtraiu aparelho de cortar massa de propriedade do erário, bem como deixou o imóvel público com paredes e portas quebradas. Recurso do Estado do Rio de Janeiro 3. O ressarcimento do dano, previsto na Lei de Improbidade Administrativa, insere-se no contexto da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito. Assim, a correção monetária e os juros da multa civil têm, como dies a quo de incidência, a data do evento danoso (o ato ímprobo), nos termos das Súmulas 43 e 54 do STJ e do art. 398 do Código Civil. Recurso de Adalberto Almeida Conde 4. Não se configurou a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. 5. A indicada afronta aos arts. 927 e 942 do CC não pode ser analisada, pois o Tribunal de origem não emitiu juízo de valor sobre esses dispositivos legais. O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram apreciados pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 6. É entendimento pacífico no STJ que, com base no convencimento motivado, pode o juiz julgar com amparo nas provas produzidas nos autos, que deem sustentação à sua decisão, podendo indeferir as tidas como inúteis ao esclarecimentos dos fatos, como, na hipótese sub judice, a oitiva das testemunhas. Portanto, a alteração do decisum para modificar o entendimento do magistrado quanto à ilicitude dos fatos e os danos por eles ocasionados demandam incursão no acervo fático-probatório dos autos, medida que encontra óbice na Súmula 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.” 7. Recurso Especial de Adalberto Conde parcialmente conhecido, apenas em relação à violação ao art. 1.022 do CPC, e, nessa extensão, não provido, e Recurso Especial do Rio de Janeiro provido. (REsp 1765055/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 23/04/2019)
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MULTA CIVIL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA. SANÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. DIES A QUO DA DATA DO EVENTO DANOSO. CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. In casu, trata-se de multa civil fixada na sentença da Ação de Improbidade Administrativa por ofensa aos princípios administrativos. 2. As sanções e o ressarcimento do dano, previstos na Lei da Improbidade Administrativa, inserem-se no contexto da responsabilidade civil extracontratual por ato ilícito. 3. Assim, a correção monetária e os juros da multa civil têm, como dies a quo de incidência, a data do evento danoso (o ato ímprobo), nos termos das Súmulas 43 (“Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”) e 54 (“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”) do STJ e do art. 398 do Código Civil. 4. Recurso Especial provido. (REsp 1645642/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 19/04/2017)
Oportuno acrescentar que o requerido, ora primeiro apelante, foi até mesmo beneficiado com o termo inicial dos juros a partir da citação, quando o correto seria desde o evento danoso, o que não poderá ser objeto de alteração, em virtude de ausência de inconformismo ministerial quanto a este específico aspecto, sob pena de reformatio in pejus.
Diante do exposto, rejeito a preliminar, e, no mérito, nego provimento ao primeiro recurso, e dou provimento ao segundo apelo, para declarar a perda da função pública de Delegado da Policia Civil do requerido.
Mantenho, quanto ao mais, a sentença.
Custas recursais, de ambos os apelos, pelo requerido.
Sem honorários recursais, por não ser cabível o seu arbitramento na espécie, nos termos do art. 18 da Lei Ação Civil Pública – Lei Federal 7.347/85.

DES. JAIR VARÃO
V O T O

Acompanho o i. Des. Relator em seu judicioso voto.
Inicialmente, na esteira do voto do em. Relator, rejeito as preliminares levantadas pelo requerido em suas razões de apelação.
Adentrando ao mérito da demanda, imputa-se ao primeiro recorrente a prática de ato de improbidade administrativa em razão de ter se aproveitado do cargo de delegado de polícia para constranger e efetuar a prisão ilegal de várias pessoas durante a festa nacional do Milho, realizada em maio de 2008 no Município de Patos de Minas.
Após detida análise dos autos, razão assiste ao Ministério Público em sua pretensão.
O fato imputado ao ora primeiro apelante restou devidamente delineado e comprovado nos autos da ação penal nº. 0480.09.125058-3, na qual foi ele condenado pela prática do crime previsto no art. 4º, alínea “a”, da Lei nº. 4.898/65 – Lei dos crimes de abuso de autoridade.
Por oportuno, transcrevo o seguinte excerto da referida sentença penal:
“A materialidade do delito restou amplamente comprovada pelos Anexos Fotográficos de fls. 17/21, pelo Termo Circunstanciado de fls. 22/24, pelos depoimentos de fls. 49/66 e 159/179, pelo Termo de Restituição de fls. 130, bem como pelas demais provas carreadas aos autos.
Quanto à autoria delitiva, não obstante a negativa do Acusado, constato que revelou-se certa e inconteste diante do conjunto probatório, notadamente pelas declarações das vítimas e das testemunhas, assim como pelas demais provas acostadas aos autos.
Minuciosamente analisado o conjunto probatório, além de considerar legítimas as provas produzidas pelo órgão ministerial, o considero suficiente para ensejar o decreto condenatório.
As provas trazidas aos autos demonstraram nitidamente que o Acusado, na condição de Delegado de Polícia, efetuou a prisão de funcionários que estavam trabalhando na portaria do evento festivo “Festa Nacional do Milho” no ano de 2008, sem as formalidades legais e com abuso de poder, com intuito de retaliação a um fato ocorrido em data anterior ao crime.
O tipo penal imputado ao Acusado assim dispõe:
“Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;”
Embora tenha sido criada uma portaria específica para o ingresso gratuito de policiais no evento, ainda que não estivessem em serviço, um policial, acompanhado de um casal, tentou entrar pela portaria principal, motivo pelo qual foi solicitado que aguardasse a conferência de seu nome em uma lista.
Mostrando-se indignado com tal situação, proferiu promessa de represália.
Confiram-se os depoimentos sobre tais fatos:
Evaristo José Caixeta (presidente do Sindicato dos Produtores Rurais – promotor do evento) “(t.) que as credenciais foram entregues ao delegado regional e, assim como as carteiras funcionais autorizaria a entrada no parque; ( … ) que foi indicado para entrada dos policiais civil a portaria com catraca mecânica; que bastaria o policial apresentar a sua carteira funcional para ser admitido pelo porteiro que estava operando aquela catraca; ( … ) que esta portaria foi criada exatamente para atender a polícia, civil, militar ou federal; ( … ) que foi previsto que algum policial pudesse insistir em entrar por uma portaria que não a designada; que para esta hipótese o depoente orientou o pessoal a solicitar a carteira funcional do policial e autorizar a entrada, mas registrando a ocorrência em um. livro próprio; ( … )” (sic) (fls. 251) (depoimento prestado em Juízo).
Leonardo dos Santos Diniz (Acusado): ‘( …) ficou combinado que todos os policiais civis teriam entrada franqueada após a apresentação de carteira funcional; que ainda segundo soube a entrada seria feita por um único portão, o ‘mais da direita de quem está olhando para dentro do parque’; 159) (depoimento prestado perante a Promotoria de Justiça).
Gisele Aparecida do Amaral (vítima): “(…) que se recorda que um dia antes da chegada dos policiais armados no parque, dois policiais civis estiveram no local junto com a namorada de um deles e, quando a depoente solicitou o nome dos policias para checagem na lista, eles disseram gritando à depoente que não existia desgraça de lista nenhuma para a policia civil’; ( … ) que depois que entraram, os dois policiais disseram Vocês vão ver o que vai acontecer aqui amanhã, aguardem; (….)” (sic) (depoimento ofertado perante a Promotoria de Justiça e ratificado em Juízo às fis. 252/253).
“(..) que o rapaz que chegou acompanhado da namorada e mostrou o documento para a depoente na quinta-feira, apenas tirou o documento do bolso e rapidamente guardou de novo, dizendo que era policial civil; que ele não entregou o documento para a depoente nem permitiu que a depoente pudesse vê-lo; que não sabe se aquele documento era uma carteira funcional; que muito menos teve condição de ver o retrato ou o nome que constava naquele documento; (…)” (sic) (fIs. 252/253) (depoimento prestado em Juízo).
Elisângeta Barbosa dos Santos: “(…) que a depoente também estava trabalhando na quinta-feira, na mesma portaria em que a Gisele e a Eliane; que viu o policial discutir com elas e empurra-las, porque ele não queria que seu nome fosse identificado na lista; que também ouviu aquele policial dizer que elas iam ver e que eles iam voltar; (…)” (sic) (fls. 254/1 55) (depoimento prestado em Juízo).
O incidente acima descrito deu ensejo à empreitada delituosa em questão, consistindo em prender funcionários da portaria do evento festivo através de um flagrante forjado e com abuso de poder.
Com efeito, foi determinada pelo Delegado de Plantão Leonardo dos Santos Diniz, Acusado na presente ação penal, uma diligência policial com a suposta finalidade de dar cumprimento a alguns mandados de prisão anteriormente expedidos, a ser realizada no interior do Parque de Exposições.
Em todos os momentos em que foi ouvido, o Acusado negou veementemente o abuso de autoridade, tentando justificar sua atuação na data dos fatos.
Vejamos:
Leonardo dos Santos Diniz: “( … ) ficou combinado que todos os policiais civis teriam entrada franqueada após a apresentação de carteira funcional; que ainda segundo soube a entrada seria feita por um único portão, o ‘mais da direita de quem está olhando para dentro do parque’; ( … ) que no dia 30/05 então montou-se três equipes que ficaram de plantão na delegacia e mandaram ao local da festa o Júnior que é policial mais novo e desconhecido na cidade; que o Júnior deveria se apresentar como policial e solicitar a entrada e lá dentro era para ele ficar próximo da entrada e observar o ingresso das pessoas e eventualmente dos irmãos ‘guigas’; ( … ) que o Júnior não foi com os mandados de prisão; que o Júnior foi impedido de entrar; que acredita que ele disse que estaria a serviço, mas não deve Ter dito que iria cumprir mandado de prisão; (…) que a polícia civil resolveu entrar no parque portando armas ostensivamente porque havia a notícia de que os funcionários do parque estariam ‘mancomunados’ com alguns bandidos, os quais inclusive estavam entrando no parque armados; que o depoente não sabe informar o nome de quem seriam estes funcionários; que perguntado se a policia militar não estaria realizando buscas e utilizando detector de metais na ocasião, o depoente afirmou que os funcionários ainda assim poderiam estar facilitando o ingresso de bandidos no local; ( … ) que houve a necessidade de empunhar arma de fogo porque com a chegada da policia alguns deles saíram correndo; que perguntado porque o depoente apontou arma de fogo para a cabeça de um dos funcionários, o qual não tentou de forma alguma fugir, o depoente disse que no momento da confusão é difícil saber com o que vai se deparar; ( … ) que perguntado se a confusão não prejudicaria o cumprimento do mandado de prisão, o depoente reconheceu que sim, mas disse que diante da situação de proibição do parque havia a necessidade da entrada como ocorreu; ( … ) que nega veementemente que a Policia Civil ‘forjou’ cumprimento de mandado apenas em represália à conduta do parque; (..)”
“( … ) que interrogando encontrava-se de plantão na data dos fatos; que recebeu a informação de que deveria tentar cumprir dois mandados de prisão; ( … ) que não sabe quem montou a operação, sabendo apenas que não foi o interrogando; ( … ) que não tinha conhecimento e nem noticia da existência de uma entrada especial para policiais; que recomendou ao Júnior que se dirigisse à portaria principal ( … ) orientando-o no sentido de que agisse com discrição, apresentando sua carteira funcional e solicitando a entrada, mantendo-se nas proximidades da entrada para tentar identificar as pessoas que pretendiam prender; ( … ) que ele ligou para o interrogando, algum tempo depois, informando que não tinha conseguido entrar no parque, embora tivesse identificado como policial civil, apresentando sua cadeira funcional; que assim que receberam essa informação, passada pelo interrogando, os policiais entraram nas viaturas e se dirigiram para a podaria do parque, sem que o interrogando tivesse proferido alguma ordem nesse sentido; (…) que assim que e aproximou da catracas, o policial Julio César gritou que alguém estava na posição, sul, velada, com o cão rebatido, estando o interrogando com o dedo fora do gatilho; que realmente empunhou sua arma, mas não com o propósito deliberado de intimidar algum dos porteiros; (…) que o interrogando não chegou a dar voz de prisão para ninguém; (…) que foi o interrogando que ratificou a prisão em flagrante dos cinco funcionários do parque por crime de desobediência ( …)” (sic) (fls. 260/262).
Destaque-se a contradição entre os depoimentos do Acusado, sendo que em uma primeira oportunidade afirmou ter conhecimento de uma portaria específica para o ingresso dos policiais, negando tal ciência no seu interrogatório em Juízo.
Ocorreu uma segunda incoerência nas declarações do Réu, consistindo em primeiramente afirmar que desconhecia o fato de o agente de polícia ter ou não apresentado sua carteira funcional ou qualquer outra identificação, alegando em um segundo momento que este lhe informou que se identificou devidamente como policial civil.
Nota-se que as negativas apresentadas pelo Acusado não encontram qualquer suporte nas provas trazidas aos autos, traduzindo uma pueril e inócua tentativa de desguiar-se da responsabilidade penal, pois além de não encontrar respaldo nos autos, a contradição entre os depoimentos intriga sua credibilidade.
Analisando detidamente os depoimentos do Réu, chego à conclusão de que a negativa geral de autoria não merece ser acolhida, simplesmente porque o conjunto probatório revela, de forma inequívoca, ter o Acusado executado o crime em análise até a sua consumação.
lnfirmando a evasiva do Acusado, as vítimas foram firmes e coerentes em seus depoimentos, narrando com profusão de detalhes a empreitada criminosa, ressaltando o abuso de autoridade de que foram vítimas, bem como a negativa do policial de se identificar. Senão vejamos:
Gisele Aparecida do Amaral: “( … ) que em momento nenhum negou a entrada ao policial civil; ( … ) que em nenhum momento o policial civil disse que estava em serviço e nem disse que tinha um mandado para cumprir; que o policial chegou e disse: “quero entrar porque sou policial civil’ que a depoente disse: o senhor poderia me dizer o seu nome, porque eu tenho que conferir na lista’ que então ele respondeu: “não tem lista nenhuma. Eu sou policial civil, não vou dar o meu nome e vou entrar’ (..) que ele se recusou a dar o nome, dizendo que ia chamar o pessoal dele; que em seguida ele fez uma ligação e depois de poucos minutos chegaram uns dez policiais pulando as catracas e prendendo a depoente e outras pessoas já declinadas; que o policia que chegou primeiro já tinha dito para a depoente que ela estava presa, no momento em que a depoente insistiu em que tinha que identificar aquele policial atendendo a ordem da diretoria do sindicato; que, entretanto, a depoente só foi conduzida para o camburão, como um bandido, depois da chegada do delegado e de outros policiais; que os dois policiais que estiveram no parque no dia anterior, com as namoradas e disseram que a depoente “ia ver no dia seguinte” estavam entre os doze policiais que chegaram no parque pulando as catracas, prendendo os porteiros e os ameaçando com armas; que os dois policiais se irritaram, no dia anterior, pelo mesmo motivo que o policial que ligou para os outros, ou seja, porque a depoente disse que precisava identifica-los pela lista; ( … ) que o acusado, antes de apontar a arma para o Vender, a apontou para a depoente, que chegou a fazer xixi na calça de medo. (…) que quanto ao rapaz que chegou na sexta-feira dizendo que era policial civil e que disse que a depoente estava presa quando a depoente pediu que ele se identificasse, para que pudesse verificar a lista, ele nem chegou a mostrar ainda que rapidamente a carteira funcional ou qualquer outro documento de identificação; ( … ) que a depoente não se recorda de ter visto nenhum segurança armado na portaria; que o moço da bilheteria estava armado; que a bilheteria fica ao lado das catracas, em um cubículo fechado; que o bilheteiro estava na bilheteria; que os policiais entraram na bilheteria e o prenderam, assim como fora pegar um segurança armado que estava há uns cem metros da portaria; ( … ” (sic) (fis. 252/253) (depoimento prestado em Juízo).
Elisâgela Barbosa dós Santos: “(..) que não ouviu o que conversaram o policial que chegou primeiro e a Gisele; que a conversa entre eles foi rápida, que pouco tempo depois deles terminarem a conversa chegaram, os policiais pulando as catracas e armados; ( … ) que além de apontarem armas para a depoente, os policiais a prenderam e a colocaram dentro do camburão; (..) que até agora não entendeu porque foi presa; que o Marcelo, que é outro rapaz que estava armado, estava no podão da bilheteria, dentro da guarita; que ele foi tirado de dentro da guarita, pela porta, que estava aberta; que o Emerson, que também estava armado, estava na sede do Sindicato, há mais de duzentos metros da portaria principal, onde aconteceu o tumulto; que os policiais foram prender o Emerson na sede do Sindicato, levando-o para a podaria e depois para o camburão; que nem o Wander nem ninguém além do Emerson e do Marcelo estava armado. (…) que a lista era apenas para o policias civil que não portassem a carteira funcional; que os que exibissem a cadeira funcional teriam a entrada autorizada na hora; ( … ) que não foi feita consulta à lista no dia em que a depoente e seus colega foram presos, porque os policiais não quiseram se identificar, nem com a cadeira funcional nem com qualquer outra; que somente na hora em que um dos elementos colocou a arma na cabeça da depoente, na sexta-feira, foi que ela soube que era um policial civil; (..) os policiais que entraram na quinta-feira (..) também estavam entre os policiais civis que prenderam a depoente e seus colegas no dia seguinte.” (sic) (fIs. 254/255) (depoimento ofertado em Juízo).
Vander Felizardo de Oliveira: “(…) que os policiais civis pularam a catraca e de arma em punho foram empurrando os funcionários e vigilantes; que o delegado sacou a arma de fogo e apontou na direção do depoente dizendo para ele se afastar; que foi dada busca pessoal nos homens; que em nenhum momento o policial civil que chegou primeiro ao local informou que estava ali para cumprir mandados de prisão; que ele deu voz de prisão em flagrante para a depoente só porque a Eliane e a Gisele estavam cumprindo ordens e pediram o nome dele para checar se constava da lista; que o depoente e o Marcelo foram colocados no compartimento fechado da viatura, algemados; que os policiais prenderam várias pessoas, cerca de oito, sendo a depoente, a Eliane, a Kátia, a Elisângela, a Ângela, o Wander, o Marcelo e o Emerson, sendo que este último estava na sede do sindicato há 200m dali; (..) que nas imagens dá para ver o momento em que o delegado Dr. Leonardo, de arma em punho, a ponta para o depoente; que diante do tumulto não se recorda o que o delegado disse, apenas recorda que ele dizia que todos estavam presos e ‘vai pra lá’ (…)” (sic) (fls. 59/61 (depoimento ofertado perante a Promotoria de Justiça).
Como se pode observar, as declarações das vítimas, acima descritas, são absolutamente harmônicas, e consistem em elementos seguros para corroborar a autoria do abuso de autoridade.
Ressalta-se que o comportamento das vítimas deixou claro que não queriam causar prejuízo a ninguém, tendo apenas o propósito de contribuir com a Justiça para que a verdade real dos fatos viesse à tona.
(…)
Não bastassem as declarações das vítimas, inconcebível é o subterfúgio oferecido pelo Réu, no sentido de que foi montada uma operação com escopo de capturar procurados da justiça que, segundo denúncias anônimas, estariam no interior do evento festivo.
A Festa Nacional do Milho, tradicional na cidade de Patos de Minas/MG, leva ao Parque de Exposições uma multidão de pessoas, principalmente na data do crime, uma vez que foram comemorados os 50 anos da festa.
Sem mencionar a inconveniência e o risco inerente ao cumprimento de mandados de prisão em um local onde estariam aglomerados milhares de pessoas, inacreditável que os policiais fossem àquele local para cumprir os mandados com uma mínima expectativa de êxito, seja em face do grande número de pessoas que freqüentavam o evento, seja porque o policial ‘designado” para o cumprimento dos mandados era novato e não conhecia os supostos procurados.
Vejamos a declaração da testemunha de defesa:
João Waldemar Cancado Pacheco: “(..) que o Junior foi destacado para entrar primeiro no parque e tentar identificar os “Guiga”, porque ele era o mais recente transferido para Patos de Minas (…) que acredita que o Junior nunca tivesse visto os Guinga (…)’ (sic) (fls. 256) (depoimento prestado em Juízo).
Ademais, a confusão gerada na portaria do evento, causada pela negativa de um policial civil de se identificar, comprometeria o sucesso da suposta operação montada, evidenciando o real intuito da diligência, qual seja uma repressão aos funcionários que controlavam a entrada no evento festivo.
Caso a finalidade do ingresso dos policiais no Parque de Exposições fosse o efetivo cumprimento dos mandados, estes teriam sido por eles apresentados desde o início, cuidando para que suas presenças não fossem notadas pelos participantes do evento.
Constato, por fim, que os policiais civis não deram prosseguimento ao cumprimento dos mandados naquela noite, limitando sua atuação ao infeliz episódio, que culminou com a arbitrária e ilegal prisão dos funcionários do parque.
Confira-se o trecho do depoimento da testemunha de Defesa:
Júlio César de Freitas: “(…) que naquele dia os “Guiga” não foram presos, (…)” (sic) (fis. 249) (depoimento ofertado em Juízo).
Ademais, os anexos fotográficos às fls. 17/21 mostram a forma agressiva do ingresso dos policiais civis, os quais pularam as catracas e portavam armas de fogo, causando grande alvoroço entre os presentes.
Destaque-se a imagem de fls. 20, na qual o Réu Leonardo dos Santos Diniz, usando camisa branca, aponta uma ama de fogo direto para a cabeça de um funcionário inerte, bem como a de fls. 21, na qual segura de forma brusca outra funcionária.
Conclui-se que o crime de abuso de autoridade se consubstanciou no momento em que o Acusado, na qualidade de Delegado de Polícia, ORDENOU e EXECUTOU medida privativa de liberdade em desfavor das vítimas, as quais estavam apenas fazendo seu trabalho, sem as formalidades legais e com abuso de poder, mediante um flagrante forjado.
Diante, pois, da logicidade proporcionada pelo acervo probatório colhido, não há que se falar em absolvição do Acusado pela vaga alegação de que inexistem provas a sustentar o juízo condenatório, até por que diante das declarações das vítimas, quais não geram a mínima margem de dúvida quanto à conduta criminosa do Réu, a negativa por ele esboçada é desmerecedora de crédito.
Destarte, devidamente comprovadas a autoria e a materialidade, e não estando presentes quaisquer das excludentes da ilicitude ou dirimentes da culpabilidade, deve o Acusado LEONARDO DOS SANTOS DINIZ, suportar a reprimenda penal.” (fls. 355/369) (grifos no original).
Sobre a possibilidade de admissão da prova produzida na esfera penal em ação de improbidade, assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
“A doutrina e a jurisprudência admitem a “prova emprestada” produzida em outro processo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa no âmbito do processo para o qual será utilizada, existindo precedente recente da Primeira Turma em caso concreto semelhante ao ora analisado. Nesse sentido: REsp 1.556.140/SE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 2/2/2018; AgInt no AREsp 916.197/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/9/2017, DJe 25/9/2017; AgInt no REsp 1.645.255/AP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/8/2017, DJe 23/8/2017; AgRg no REsp 1.299.314/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 23/10/2014, DJe 21/11/2014.” (REsp 1698909/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 20/11/2018).
No caso, em sede de contestação, o próprio requerido requereu fossem aplicadas no presente feito as provas produzidas na ação penal (fl. 267 do doc. único)
Ora, dessume-se da análise dos depoimentos das mencionadas testemunhas e das declarações das vítimas acima transcritas, bem como das contradições nos depoimentos prestados pelos policias que participaram da operação, tal como ressaltado pelo i. Des. Relator em seu judicioso voto, que o ora primeiro apelante, utilizando-se do pretexto de cumprimento de mandados de prisão, os quais, repita-se, sequer foram apresentados no início da “operação policial”, valeu-se do cargo de delegado de polícia para satisfação de desejo pessoal, qual seja, repreender os funcionários que controlavam a entrada na Festa do Milho, em flagrante violação aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade administrativas.
Consoante destacado pelo em. Relator:
“Caso a finalidade do ingresso dos policiais no Parque de Exposições fosse o efetivo cumprimento dos mandados, estes teriam sido por eles apresentados desde o início, cuidando para que as presenças não fossem notadas pelos participantes do evento.”
Ainda, nos termos da sentença penal:
“(…) os policiais civis não deram prosseguimento ao cumprimento dos mandados naquela noite, limitando sua atuação ao infeliz episódio, que culminou com ã arbitrária e ilegal prisão dos funcionários do parque.”(fl. 368 do doc. único).
Não se olvida que o ato de improbidade, a ensejar a aplicação da Lei 8.429/92, não pode ser identificado apenas como aquele que deixa de cumprir algum ditame legal/constitucional, sendo imprescindível a atuação transgressora dos deveres de retidão, da boa-fé, da boa-administração e de lealdade ao interesse público, vale dizer, a improbidade administrativa é a injuridicidade qualificada pelo elemento subjetivo do agente.
Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
(…)
3. É que “o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público.” (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em “O Limite da Improbidade Administrativa”, Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8). “A finalidade da lei de improbidade administrativa é punir o administrador desonesto” (Alexandre de Moraes, in “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”, Atlas, 2002, p. 2.611).”De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado” (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).” (REsp 758.639/PB, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 15.5.2006)
(…)
(REsp 734.984/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJe 16/06/2008)
Em outras palavras, “a improbidade é uma ilegalidade qualificada pelo intuito malsão do agente, atuando sob impulsos eivados de desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave.” (AgRg no AREsp 83.233/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 03/06/2014).
Consoante a sempre precisa lição do em. administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello:
“(…) a administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos. (…)
Márcio Cammarosano, em monografia de indiscutível valor, sustenta que o princípio da moralidade não é uma remissão à moral comum, mas está reportado aos valores morais albergados nas normas jurídicas. Quanto a nós, também entendendo que não é qualquer ofensa à moral social que se considerará idônea para dizer-se ofensiva ao princípio jurídico da moralidade administrativa, entendemos que este será havido como transgredido quando houver violação a uma norma de moral que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado. Significa, portanto, um reforço ao princípio da legalidade, dando-lhe um âmbito mais compreensivo do que normalmente teria.” (Curso de Direito Administrativo. 29ª ed., rev. e atual. até a EC 68/11, São Paulo, Malheiros, 2012, pp. 122 e 123).
No caso, o ora primeiro apelante ao, deliberadamente, valer-se do cargo público para atendimento de anseio pessoal pautou-se com desprezo pela coisa pública e pela lealdade ao interesse público, incidindo em nítida prática de ato de improbidade administrativa.
Por fim, quanto à penalidade aplicável, também acompanho o i. Des. Relator, considerando a gravidade dos fatos apurados, bem como a reiteração do ora primeiro recorrente na prática de conduta transgressora dos mais elementares princípios da Administração Pública (fls. 479/509 do doc. único).
Pelo exposto, acompanho, na integralidade, o voto do em. Des. Relator.
É como voto.

DES. MAURÍCIO SOARES – De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: “REJEITARAM A PRELIMINAR, E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, E DERAM PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *