Com novas tecnologias e cultivo a pleno sol, região norte do Estado conquista produtividade 10x superior e projeta se transformar em novo polo de produção de cacau no País
Por Leonardo Morais – Diário do Comércio
Alimento sagrado para os mesoamericanos, moeda de troca no Brasil colonial e atualmente fonte de oportunidades. Ao longo dos anos, o cacau vem reafirmando sua relevância no mercado e, desta vez, desponta em regiões não tradicionais de cultivo, como no Norte de Minas Gerais.
Somando atualmente uma área plantada superior a 400 hectares, a produção de cacau no Estado está presente em cidades como Janaúba, Jaíba e Matias Cardoso, além de novas áreas em implantação no município de Pirapora. A expectativa para os próximos anos é que a região se transforme em um polo de produção de cacau com cerca de 10 mil hectares.
Para colocar em prática esse objetivo, há cerca de dez anos, pesquisadores vêm estudando o cultivo do fruto na fazenda experimental da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Nesse trabalho, que envolve professores, alunos e parceiros, são realizados estudos, que adaptados à tecnologia e produção local, mostram resultados otimistas, como a adoção do cultivo a pleno sol.
A técnica, segundo o professor Victor Maia, é independente da plantação de outros cultivares, diferenciando-se do sistema mais adotado no País, o “cabruca” (quando o plantio do cacau é sob a sombra das árvores nativas). “Pelo fato de ser a pleno sol e com adoção de novas tecnologias, conseguimos produtividade até 10 vezes acima da média das regiões tradicionais, como no sul da Bahia e Pará”, afirma.
Cultivo de cacau a pleno sol no Norte de Minas. | Crédito: Arquivo pessoal/Victor MaiaEntre as tecnologias adotadas a partir dos estudos realizados, Maia diz que foram identificados os genótipos mais adaptados para as condições climáticas na região. Além de ser utilizado o sistema de fertirrigação (adubo injetado na água de irrigação) para nutrição adequada do cultivo.
Outros importantes estudos giram em torno do cultivo consorciado do cacau com outras espécies como abacaxi, banana e noz-macadâmia. Além disso, a fisiologia do cacaueiro e suas respostas ao estresse hídrico e térmico na região também estão entre os principais focos da pesquisa que visa impulsionar no cultivo de cacau no Norte de Minas.
Em relação ao clima da região, que é desafiador para alguns cultivos, Maia destaca que para a cacauicultura o calor não é um impeditivo e, sim, um benefício. “Além de ser uma planta de gosta de calor, aqui temos uma grande vantagem de ser uma região seca e de baixa umidade. Esse clima se tornou desfavorável para as principais doenças do cacaueiro, como a vassoura de bruxa”, destaca o professor.
A região, segundo ele, vem se mostrando como uma área de escape às doenças, o que tem atraído a atenção de diversas indústrias para possíveis instalações em diferentes cidades. Isso é possível já que o cultivo de cacau é viável em todas as áreas do Norte do Estado que possuem condição de irrigação.
“É uma lavoura de fácil condução e comercialização, que tem demanda. É mais uma opção que surge para a região com enorme potencial, tanto para geração de renda quanto emprego”, conclui o professor.
Sistemas agroflorestais permitem cultivo com sustentabilidade
As práticas sustentáveis estão entre os pilares do cultivo de cacau na região Norte de Minas Gerais. O fruto é cultivado com trabalhos de ciclagem de nutrientes e acúmulo de carbono no solo, além de não haver necessidade de supressão de mata nativa, utilizando áreas com baixa produtividade, os chamados sistemas agroflorestais (SAF).
Os SAFs na cacauicultura são a forma mais comum de cultivo do fruto no Brasil. O sistema utiliza áreas de pastagens degradadas ou improdutivas para a plantação de cacau, diversificando a renda do produtor, além de beneficiar o meio ambiente.
“A cultura do cacau por si é como se fosse uma floresta plantada. Tanto a planta, quanto o solo retiram o CO² da atmosfera. Ela por si só já é sustentável do ponto de vista ambiental”, reforça Victor Maia.
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Região vai ganhar centro tecnológico para cacauicultura
Em setembro do ano passado, a Unimontes recebeu recursos de cerca de R$ 2,2 milhões para a criação de um centro tecnológico para cacauicultura em regiões não tradicionais. O montante faz parte de um aporte total de R$ 26,6 milhões que a universidade recebeu para investir em 27 projetos aprovados em chamada da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) destinada às universidades estaduais mineiras.
Com o recurso, serão criados espaços de pesquisa voltados para o cultivo do cacau no campus de Janaúba, em parceria com mais duas instituições no Estado: a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Centro Tecnológico contemplará os laboratórios de:
Fertilidade dos solos;
Irrigação e Drenagem;
Tecnologia de Processamento de Produtos Vegetais;
Fisiologia de Plantas Cultivadas.
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Para o reitor da Unimontes, professor Wagner de Paulo Santiago, a aprovação das propostas irá fortalecer a estrutura de pesquisa e inovação na universidade, proporcionando reflexos positivos para toda a sociedade.
Transparência, alto padrão de qualidade e responsabilidade socioambiental. O consumo de cacau no Brasil vem se modificando, resultando em uma maior procura por chocolates especiais “bean-to-bar”.
O conceito se refere ao produto que passa por acompanhamento de todo o processo produtivo, desde a obtenção dos grãos de cacau até a produção dos chocolate finalizados. Tudo controlado por um único fabricante de chocolate ou empresa, garantindo a procedência da origem a partir do cacau com Indicação Geográfica (IG).
Segundo analista de inovação do Sebrae, Hulda Giesbrecht, “o registro de produtos com Indicação Geográfica é um dos melhores caminhos para mudar a realidade dos pequenos produtores rurais em diferentes regiões do país”.
Em Belo Horizonte, a empresa AMBAR (da amêndoa à barra), vem se destacando no segmento “bean-to-bar”, levando aos consumidores mineiros a valorização da identidade do cacau brasileiro.
“É um chocolate que tem identidade. Nós conhecemos os nossos produtores, o espaço onde o cacau é beneficiado e garantimos que esse beneficiamento aconteça da forma adequada”, ressalta a idealizadora da marca, Helena Avelar.
Ela destaca que a marca sempre preza que a história do cacau seja compartilhada e afirma que recompensa de forma justa os produtores de cacau, pagando diretamente uma quantia que pode chegar até dez vezes mais do que a grande indústria paga.
Segundo ela, as expectativas, apesar de boas, são contidas em razão de uma crise no mercado de cacau no mundo, o que afetou algumas estratégias da marca. Para a Páscoa de 2024, a idealizadora prevê crescimento de 12 a 15% em vendas em relação ao ano passado.
“A nossa comunicação está sendo feita de modo a direcionar os clientes para produtos com maior valor agregado, apostando em recheios e sabores diferenciados para agradar o paladar brasileiro”, pontua. A idealizadora destaca que durante o pré-lançamento da Páscoa deste ano, 1/3 das metas de vendas já haviam sido atingidas.
Cultivo de cacau no Brasil
6º maior produtor de cacau no mundo;
600 mil hectares cultivados;
Produção superior a 200 mil toneladas de amêndoas por ano;
75 mil produtores;
60% são de agricultura familiar;
Os estados do Pará e da Bahia são os principais produtores do Brasil, responsáveis por, aproximadamente, 96% de toda a produção nacional;
Em 2022, o Brasil exportou 36 mil toneladas de chocolates e 48 mil toneladas de derivados do cacau, gerando U$ 340 milhões de dólares;
A Argentina é o destino principal, seguido por Estados Unidos e Chile.