Ascensão do atual presidente e filme que quer rediscutir a ditadura reacendem o interesse sobre o período mais sinistro da história brasileira

– Por Waldo Ferreira

A queda de braço entre correntes de esquerda e de extrema-direita na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em torno do filme “1964: O Brasil entre Armas e Livros”, é mais um sinal de que 55 anos depois de instalada e 34 anos após seu fim a ditadura ainda tem feridas abertas.
Contribui para isso a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, a produção de vários filmes e documentários a respeito e mais recentemente a ascensão do atual presidente da República Jair Bolsonaro, militar da reserva que nega o golpe e celebra a ditadura de que foi vítima o país. Sua determinação para que os quartéis comemorassem o golpe, dia 31 de março, contribuiu ainda mais para que o assunto voltasse a ser debatido.
“1964: O Brasil entre Armas e Livros” pretende rediscutir conceitos de golpe, ditadura e repressão. Considerado direitista, causou indignação na Unimontes e sua exibição foi impedida, dia 11 de abril. A tentativa foi avaliada como provocação de grupos minoritários de direita na universidade, pois no mesmo dia foi mostrado o documentário “Que Bom te Ver Viva”, de Lúcia Murat.
Antes, a Unimontes já realizara o ciclo “Encontros com a História”, que exibiu no dia 5 de abril o documentário “O Dia que Durou 21 Anos”, do cineasta Camilo Galli Tavares. Houve um debate com o público sobre o filme, mediado pelo professor doutor Laurindo Mékie Pereira.
No dia 24 foi realizada a mesa redonda “Para não esquecer: Memórias da Ditadura no Brasil”, com a participação da professora Maria Jacy Ribeiro, do Instituto Histórico Geográfico de Montes Claros, e do professor Guilherme Costa Pimentel, egresso do mestrado em História da Unimontes e autor de um estudo sobre pessoas de Montes Claros ligadas ao comunismo e que foram reprimidas durante o regime militar.
Um dia antes, um debate sobre o golpe militar e a conjuntura política atual colocou mais lenha na fogueira. A advogada e estudante do 4° Período de Ciências Sociais, Iole Barbosa Oliva, se infiltrou entre o público presente no auditório do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), majoritariamente de esquerda, contestou o golpe e fez campanha solitária pela exibição do filme.
Iole, que também não considera ter havido golpe parlamentar contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, bradou em tom de ameaça, ao final do debate, que a produção será exibida “custe o que custar”. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) reiterou que não permitirá que isso ocorra. Na parte do debate reservada às perguntas ela sustentou, de forma equivocada, que não houve golpe porque “não houve o emprego de força” e o cargo de presidente “estava vago”, pela suposta ausência do presidente João Goulart do país.
Os professores Gilmar Ribeiro e Laurindo Mékie rebateram, esclarecendo que o poder foi tomado à força, com o emprego de tanques nas ruas ainda na véspera do dia 31 de março, à revelia do presidente, que é o comandante supremo das Forças Armadas e se encontrava em Porto Alegre e não fora do país, como se inventou, para justificar sua deposição.
FALTA PERCEPÇÃO DA REALIDADE – “Achar ditadura algo bom é um direito. Mas dizer que não houve golpe é desconhecer a história”, devolveu Mékie, que é pós-doutor em História pela Universidade Nova de Lisboa.
“A discussão se houve ou não golpe em 64 não faz sentido na Academia. No boteco ainda vai”, ironizou Gilmar Ribeiro, doutor em Educação, História e Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Ele explicou que o golpe foi um movimento civil militar, depois transformado em um governo ditatorial, com fechamento do Congresso e perseguição aos contrários.
Ribeiro considera que o país vive uma perigosa crise de legitimidade, lembrando que é justamente nela que a democracia se sustenta. “Uma coisa é ganhar, outra é governar”, resumiu, referindo-se à falta de perspectiva e projeto no atual governo.

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