E specialistas destrincham estratégias da Defesa russa em movimentação de tropas em Kherson, assim como seus efeitos na operação militar
Especialistas destrincham estratégias da Defesa russa em movimentação de tropas em Kherson, assim como seus efeitos na operação militar, e avaliam possibilidade de volta de negociações entre Moscou e Kiev.
O recuo estratégico russo em Kherson pode ser o divisor de águas para uma fase decisiva do conflito entre Rússia e Ucrânia.
Por ordem do ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, tropas russas se retiraram de partes do território para formar posições defensivas na margem esquerda do rio Dniepre, na quarta-feira (9), o que, segundo especialistas, pode significar o início de uma nova etapa da operação militar especial.
A decisão foi tomada depois que o comandante de todas as forças russas na Ucrânia, o general Sergei Surovikin, alertou sobre planos de Kiev de lançar um ataque maciço de mísseis à represa de Kakhovka, cidade da região de Kherson, com ataques indiscriminados contra civis.
Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, e o analista geopolítico Rogério Anitablian explicaram a situação e os novos contornos do conflito, no 129º episódio do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
“Ainda é cedo para um diagnóstico completo, mas a primeira impressão que tenho é que [os russos] estão encurtando a frente, porque essa posição defensiva que ocupavam em uma margem avançada do rio Dniepre dificultava muito a defesa”, avalia Farinazzo.
Segundo o especialista militar, a medida permite poupar tropas da designadas na região e facilitar a coordenação com outras frentes. Ele acredita que Kiev faz a mesma leitura do movimento.
Segundo o especialista militar, a medida permite poupar tropas da designadas na região e facilitar a coordenação com outras frentes. Ele acredita que Kiev faz a mesma leitura do movimento.
Farinazzo divide a operação russa em etapas. De acordo com o especialista, a primeira foi a de avanço em colunas mecanizadas, com tropas russas avançando até as fronteiras de Kiev e depois retraindo.
Na sequência, ele aponta que houve a fase de duelos no Donbass, com maciças concentrações de artilharia. De setembro para cá, a Ucrânia conseguiu recompor suas reservas e realizar avanços, com suporte militar, de treinamento e de inteligência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), lembra.
Em resposta, na fase seguinte, a Rússia usou armamentos de longo alcance, com mísseis e drones, para desarticular a infraestrutura ucraniana, tanto a logística como a industrial e energética, descreve. Agora, segundo ele, a Rússia deve encurtar suas linhas, “talvez para passar o inverno e receber ou adaptar novos reforços”.
“É cedo para dizer a intenção de um lado ou de outro. A gente sabe que a intenção da Ucrânia é recuperar territórios, mas a gente ainda não sabe qual é a intenção da Rússia. Existe uma discussão entre os especialistas no sentido de saber se a Ucrânia chegou ao seu limite. Particularmente, acho que a Ucrânia pode ter chegado no limite das reservas, mas é muito cedo para dizer ainda”, analisa.
Para Farinazzo, todos os movimentos de Moscou até agora foram “no sentido de poupar tropas”. Ou seja, sempre que identificaram que a Ucrânia “tinha superioridade de fogo ou de homens, retraíram para evitar grandes baixas”.
O analista geopolítico Rogério Anitablian diz que o deslocamento de tropas russas no Dniepre parece “um movimento estratégico, cujo objetivo fundamental é a proteção da Crimeia e das fontes de água” oriundas da região de Kherson.
Ele aponta que Moscou age para construir um “cinturão de defesa” da Crimeia mais robusto, prescindindo de áreas na margem do rio, “onde já por alguns meses existem assédios consecutivos de tropas ucranianas, naturalmente assistidas por todo a expertise da OTAN”.
Paralelamente, Anitablian chama a atenção para outro ponto: os crescentes rumores de que os EUA autorizaram Kiev a negociar diretamente com Moscou, em decorrência dos ataques contra a infraestrutura de produção e distribuição de energia, no entorno da capital ucraniana.
Segundo ele, a sinalização mostra “uma fadiga na capacidade de resistência” a ataques de mísseis e médio e longo alcance russos. Os estoques de peça de reposição para linhas de transmissão, turbinas, “muito provavelmente se esvaíram” ao longo do tempo, diz.
“Me parece que o conflito entra em uma fase mais decisiva, onde verificamos que não existe possibilidade de solução militar, mesmo com todo o apoio da OTAN por parte dos ucranianos, em relação a suas ambições de reconquista territorial. Vejo como um momento bastante oportuno para que eventualmente tenhamos negociações de paz entre as partes sem viés político da OTAN”, afirma Anitablian.
O comando de Sergei Surovikin
Para Robinson Farinazzo, a chegada de Sergei Surovikin para o comando de todas as tropas russas na operação é uma “mudança de paradigma”. Ele lembra que, antes do militar ser alçado ao posto, a Rússia sempre poupou a infraestrutura ucraniana e agora mudou a estratégia. O oficial da reserva da Marinha do Brasil aponta que Surovikin “acredita bastante na destruição da infraestrutura do inimigo”.
“Pelo que observamos, a Ucrânia tem uma superioridade de fogos muito grande em Kherson. O front russo-ucraniano tem mais de mil quilômetros. Então, ninguém tem completa hegemonia e superioridade em todos os setores. A Ucrânia optou em concentrar forças em Kherson. A Rússia está forçando mais à frente do Donbass”, indica. “Talvez eles [os russos] tenham avaliado que se se mantivessem à margem de Dniepre, seria muito difícil de defender em virtude da superioridade de fogo e de homens do inimigo”.
Segundo ele, Kherson é a principal cidade que a Rússia conquistou das forças ucranianas desde o início da operação. Por isso, Moscou precisa medir bem cada passo na região, alvo de ofensivas ucranianas.
O especialista militar afirma que a evacuação de civis de Kherson é “um indicativo de que o comando russo esperava uma batalha violenta”. Com isso, apesar do ponto negativo de “mexer na confiabilidade” das novas regiões que votaram a favor do referendo de adesão à Rússia, “a vantagem é que evita baixas, retirando a população civil” da localidade, avalia.
“Nós não dispomos de todos os dados operacionais que tanto russos como ucranianos possuem. Acho que os comandos decidem em função desses dados. Eu penso que, se tivesse que defender uma frente muito longa, evitaria sacrificar o pessoal, retrairia, faria uma frente melhor adensando as unidades e a cobertura de fogos. Parece que é isso que a Rússia está fazendo”, afirma.