Deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente, é apontado como um dos integrantes de “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais
O deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), que foi ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro, se tornou réu nesta segunda-feira (28) após a 4ª Vara Federal/Criminal do Pará aceitar denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Salles e mais 21 pessoas, entre elas o ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, são acusadas de integrarem uma organização criminosa que encampou um “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”.
Segundo o MPF, Salles, que agora é réu por corrupção passiva, associação criminosa, facilitação ao contrabando, advocacia administrativa e obstrução à fiscalização ambiental, permitiu a exploração ilegal de madeira da Amazônia para venda no exterior após mudar regras do Ibama. A denúncia dá conta de que o ex-ministro favoreceu os madeireiros ilegais e permitiu “a representação de interesses privados em detrimento do interesse público”.
A investigação do caso, feita pela Polícia Federal, levou Salles a deixar o governo Bolsonaro em meio de 2021, quando o escândalo veio à tona através da operação Akuanduba.
“A mais alta cúpula do Ministério do Meio Ambiente e a alta direção do Ibama manipularam pareceres normativos e editaram documentos para, em prejuízo do interesse público primário, beneficiar um conjunto de empresas madeireiras e empresas de exportação que tiveram cargas de madeira apreendidas nos Estados Unidos”, diz trecho da denúncia oferecida pelo MPF.
Pelos supostos crimes listados pelo MPF associados a Salles, o deputado, se condenado, por pegar até 30 anos de prisão em regime fechado. Até o momento da publicação desta matéria o parlamentar não havia se pronunciado sobre o assunto.
Relembre os escândalos de Ricardo Salles
Pregou o assassinato de sem-terras e pessoas de esquerda
Durante sua campanha para deputado federal em 2018, pelo partido Novo, Ricardo Salles sugeria o assassinato de sem-terras e de pessoas de esquerda de maneira explícita.
Seu “santinho” de campanha prometia “segurança no campo”, em um claro apoio aos latifundiários, usando a imagem de uma munição de revólver como solução.
Condenado por fraude ambiental
No final e 2018, o Salles foi condenado em primeira instância por fraude ambiental. A acusação do Ministério Público é que Salles, enquanto secretário do Meio Ambiente de Alckmin, fraudou mapas de um decreto para beneficiar empresas que atuam na várzea do Rio Tietê.
Ainda cabe recurso.
Investigado por enriquecimento ilícito
Em julho de 2019, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar suposto enriquecimento ilícito de Salles.
De acordo com o MP, o ex-ministro teve um enriquecimento atípico entre 2012 e 2017. Em 2012, quando foi candidato a vereador pelo PSDB, ele declarou à Justiça Eleitoral R$ 1,4 milhão em bens. Na última eleição, quando foi candidato a deputado federal pelo Novo, declarou R$ 8,8 milhões, um estranho aumento de 335%.
Mentiu no currículo
Em artigo de defesa das privatizações publicado na Folha de S. Paulo em 2012, o então desconhecido Ricardo Salles colocou em sua mini-biografia, ao final do texto, que era mestre em direito público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos. O título, no entanto, não passa de uma mentira.
Ao site de The Intercept Brasil, a universidade desmentiu o ex-ministro. A mentira, no entanto, antes de vir à tona, foi reproduzida na maior parte das entrevistas e aparições públicas que Salles fez desde que o artigo da Folha em que aparece com o título de mestre foi publicado.
Com a repercussão de que havia mentido, Salles se justificou dizendo que a menção à Universidade de Yale em seu currículo teria sido um erro de sua assessoria.
Desmontou o Conama
Em maio de 2019, já como ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles promoveu uma verdadeira destruição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama): cortou 77% dos conselheiros do órgão e o reformulou de acordo com seus interesses.
Antes composto por 96 integrantes – entre entidades públicas e ONGs –, o Conama passou a ter 22 conselheiros, e o governo federal passou a ser o protagonista do órgão.
Para entidades e especialistas, trata-se de um desmonte na área de preservação ambiental.
Perseguição e demissão do presidente do ICMBio
Em abril de 2019, durante uma reunião com ruralistas, Salles fez ameaças explícitas contra funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele disse que processaria os agentes por não terem ido ao encontro. O problema é que o evento era em um sábado, fora do horário de expediente, e os servidores sequer haviam sido convidados. A ameaça foi filmada.
Com a investida de Salles contra o ICMBio, poucos dias depois, o presidente do órgão, Adalberto Eberhard, pediu demissão do órgão.
Gerou a demissão do diretor do Inpe e quebrou o Fundo Amazônia
Diante da divulgação dos dados que mostram que o desmatamento na Amazônia havia crescido 278% em julho de 2019, em comparação ao mesmo período de 2018, Salles, em consonância com o presidente, articulou a demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), Ricardo Galvão. O governo afirmava, à época, que os dados são mentirosos.
A demissão de Galvão e a postura de Salles frente ao Ministério do Meio Ambiente fez com que a Alemanha e a Noruega decidissem suspender o repasse de R$ 288 milhões para o Fundo Amazônia destinados a projetos de preservação ambiental.
Tentou processar a Fórum e perdeu
Ainda em junho de 2019, Tribunal de Justiça (TJ) manteve decisão da juíza Daniela Dejuste de Paula, titular da 30ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, em primeira instância, e deu ganho de causa à Revista Fórum em ação judicial movida por Salles.
“Basicamente, ele alegou que esses veículos teriam divulgado matérias inverídicas e difamatórias a respeito dele. Mas, na verdade, são reportagens que tratavam da atuação dele na época em que era secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB)”, explica Gabriel Borges, advogado que representou a Fórum, ao lado de André Rota Sena, ambos do escritório Santo, Borges, Sena Sociedade de Advogados.
Recorde de incêndios no Pantanal
Em setembro de 2020, O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou que o total de focos de incêndio no Pantanal bateu recorde histórico: 14.764 focos. Os dados vêm desde 1998 e se referem ao período do ano até o dia 13 de setembro.
O número é 214% maior do que os 4.699 registrados no mesmo período de 2020, que já tinha sido o mais alto desde 2012. Com Salles no Ministério do Meio Ambiente, os níveis de queimada no bioma batem recordes.
Somente os focos de incêndio de janeiro a setembro de 2020 foram equivalentes ao total dos seis anos anteriores.
Recorde de desmatamento na Amazônia
Além das queimadas no Pantanal, em 2020 o desmatamento também bateu recordes na gestão do ex-ministro. A destruição da Floresta Amazônica cresceu 9,5%, voltando a atingir a maior taxa desde 2008.
Aproveitar a pandemia para “passar a boiada”
Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Ricardo Salles afirmou que era preciso aproveitar a “atenção da imprensa (…) voltada quase exclusivamente pro Covid” e “dar de baciada a simplificação”.
A simplificação de normas a que ele se referiu na reunião, central em sua agenda na pasta, visa facilitar a exploração do ambiente e desmontar os mecanismo de proteção e de preservação. Medidas que atendem demandas de grandes empresas, das quais é próximo.
“Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, disparou.
“Revogaço” de proteção a restingas e manguezais
Em setembro de 2020, Salles revogou resoluções de preservação ambiental na 135ª reunião ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Foram revogadas resoluções sobre definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno (302/2002), que estabelece parâmetros, definições e limites de APPs (303/2002), atingindo diretamente áreas de mangues e restingas.
Além disso, foi revogada uma medida que estabelece licenciamento de empreendimentos de irrigação (284/2001) e foi permitido o uso que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos possam ser queimados em fornos industriais – contrariando a regra anterior que previa o descarte.
O “revogaço” teve forte repercussão negativa e, em outubro do mesmo ano, a ministra Rosa Weber, do STF, derrubou a decisão.
Queda nas multas ambientais
Em janeiro, o orçamento proposto pelo governo para o Ministério do Meio Ambiente e órgãos vinculados foi o mais baixo em 21 anos. A análise foi feita pelo Observatório do Clima, no relatório “Passando a Boiada”, lançado no mesmo mês.
Essa redução no orçamento foi proposta enquanto Salles estava flexibilizando controle da exportação de madeira, loteando cargos nos órgãos ambientais com policiais militares e propondo a extinção do Instituto Chico Mendes.
O relatório Passando a Boiada ainda mostrou que o total de multas aplicadas pelo Ibama em 2020 também foi o menor em duas décadas. Houve queda de 20% na comparação com o ano anterior e de 35% em relação a 2018 (governo Temer).
Cúpula do Clima e “milícia ambiental”
Entidades voltadas para questões climáticas denunciaram, em abril deste ano, que Salles queria criar o que chamam de “milícia ambiental” com o US$ 1 bilhão que pediu aos países ricos para combater o desmatamento na Amazônia.
Em reuniões prévias à Cúpula do Clima com representantes dos Estados Unidos e de financiadores europeus, o ministro defendeua formação de um Força de Segurança Ambiental. Segundo ele, a patrulha armada poderia substituir a ação da Polícia Federal e dos órgãos como o Ibama e ICMBio.
Para entidades, o interesse de Salles era direcionar as ações de combate ao desmatamento de acordo com objetivos políticos.
Assédio contra servidor do Ibama
Em maio de 2021, a Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente e do Pecma do Distrito Federal (Asibama-DF) denunciou que um servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi intimidado e pressionado por um superior e por um assessor de Salles.
Hugo Leonardo Mota Ferreira, analista ambiental do Ibama, foi retirado de sua sala e teve seu computador confiscado. O servidor divulgou um documento, no qual denunciava que o modelo de conciliação de multas, criado há dois anos pelo então ministro, é um fracasso, pois aplicou menos de 2% das autuações ambientais no período.
“O servidor Hugo trabalha na área de sancionamento de multas do Ibama. Nesta quarta-feira (5), ele respondeu a um questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), que havia sido enviado ao Ibama dias atrás, aliás, chegou para o Hugo com o prazo expirado. O documento questionava a eficiência do novo modelo do sancionamento de multas proposto pelo Ministério do Meio Ambiente”, conta Alexandre Bahia Gontijo, presidente da Asibama-DF.
Alvo de operação da PF
Ainda em maio, Salles foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF). Entre os crimes supostamente praticados há a prática de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando.
Sob o nome de Operação Akuanduba, cerca de 160 policiais federais cumpriram 35 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e nos estados de São Paulo e Pará. As medidas foram determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A Polícia Federal deu início a investigação em janeiro de 2021 a partir de informações obtidas junto a autoridades estrangeiras que relataram um possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira.
Alvo de inquérito no STF
No início de junho de 2021, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou abertura de inquérito contra Salles por atrapalhar as investigações da Polícia Federal relativas à Operação Handroanthus. A notícia-crime foi apresentada originalmente pelo delegado Alexandre Saraiva, que foi exonerado do comando da PF do Amazonas após a denúncia.
As acusações foram levantadas por Saraiva em razão da atuação de Salles diante da operação. Segundo o ex-chefe da PF no Amazonas, o ex-ministro fez “críticas ferrenhas à investigação a que nem sequer teve acesso” e defendeu publicamente os madeireiros investigados.
Durante audiência na Câmara dos Deputados, Saraiva afirmou que “o ministro tornou legitima a ação de criminosos” na Amazônia ao comentar sobre a denúncia apresentada contra Salles. O delegado disse que houve um aumento da grilagem no último período.
Ignorou reunião do Conselho da Amazônia
Já pressionado pelas denúncias, no final de maio de 2021, o então ministro não compareceu à reunião do Conselho da Amazônia.
O gesto provocou críticas públicas de Mourão, presidente do conselho. Ele reclamou da ausência do “ministério mais importante”, ressaltando que Salles, sequer, mandou um representante, e disse: “Falta de educação”.
O vice-presidente admitiu, naquele dia, que os índices de desmatamento no Brasil “pioraram” nos meses de março e abril e afirmou, ainda, que “a situação também não está boa” em maio.
Restringiu acesso a multas ambientais
Deputados do PT protocolaram junto à Justiça Federal, em junho de 2021, uma Ação Popular contra Ricardo Salles e contra o presidente do Ibama, Luis Carlos Hiromi Nagao, por conta da decisão tomada recentemente que tornou restrito o acesso a milhares de processos administrativos e multas por crimes ambientais.
Segundo reportagem de Rubens Valente publicada no portal UOL em 12 de junho, o Ibama, através de uma circular interna, restringiu o acesso a 199 categorias – de um total de 595 -com informações que incluem autuações e fiscalizações ambientais que poderiam estar à disposição da população através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), via internet, do governo federal.
Comprou mansão em meio às denúncias
Salles comprou uma casa em uma das regiões mais arborizadas e nobres de São Paulo (SP).
Trata-se de um imóvel de dois andares na rua Honduras, no Jardim América, Zona Oeste da capital paulista, próximo ao Club Athletico Paulistano, frequentado pela elite da cidade. Na região, uma casa como a de Salles custa em torno de R$15 milhões.