“Eu fiz o teste. Sabe o que tem dentro da nossa caixa d’água? Minério” – Foto: Evandro de Paula

Os moradores da comunidade Tejuco, de Brumadinho (MG), região central de Minas Gerais, mais uma vez tentam um diálogo com o poder público sobre as inúmeras consequências do rompimento da barragem Córrego do Feijão, da Vale. Em audiência pública realizada na quarta-feira (19) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, a comunidade trouxe um adendo preocupante: a falta de resoluções tem aumentado sobremaneira o número de autoextermínios na comunidade, que já chegam a 90 casos.

Desde 2019, a população denuncia a má qualidade da água e a falta de abastecimento. Um episódio marcante foi, há dois anos, a comprovação de que o reservatório da comunidade continha substâncias tóxicas (alumínio, ferro e manganês) acima do valor permitido. A averiguação foi realizada pela consultoria Acquaveras em dezembro de 2020, mas o quadro que não recebeu solução.

Ao contrário, quase dois anos depois, o Brasil de Fato MG noticiou que o Tejuco ainda vivia de caminhões-pipa. Como as nascentes secaram desde o crime-tragédia da Vale, o local passou a ser abastecido pela prefeitura de Brumadinho e pela Copasa. Segundo moradores, a quantidade de água fornecida nunca foi suficiente.

TAC da Vale?

Uma das críticas da comunidade é o viés que tomou o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado entre Vale, Prefeitura de Brumadinho, Ministério Público, Defensoria Pública e Copasa. Na avaliação de Evandro de Paula, presidente da Associação de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos, esse é um TAC coordenado para os interesses da mineradora.

“Como nós dizemos lá, não é um TAC, é um TAC-V. É um TAC da Vale. Porque foi a Vale que fez esse TAC e os órgãos assinaram. A gente queria entender qual o motivo de não ter chegado até nós, os mais prejudicados e os mais vulneráveis. Por que não fomos procurados?”, questionou o presidente.

Em um slide de vídeos e fotos, Evandro comparou as águas usadas para abastecer a comunidade e a água utilizada pela mineradora para lavagem de minério. Enquanto uma torneira jorrava água enlameada (foto abaixo) na casa de um morador, a água da tubulação da mineradora jorra límpida.

“Essa água que sai aqui”, aponta Evandro para o vídeo, “sustentava a comunidade e ainda sobrava pra Brumadinho. Por que não faz isso pra comunidade do Tejuco?”

Água na tubulação da empresa Vale /e Água na casa de morador do Tejuco / Foto: Evandro de Paula

História

O morador do Tejuco e ativista ambiental Marco Antônio Cardoso recordou que a comunidade existe há 300 anos, e sempre teve uma convivência harmônica com as nascentes, das quais retiravam toda a água necessária. A atividade minerária começou nos anos 1940, se intensificando a partir dos anos 2000, com a chegada da empresa Vale.

Porém, em suas palavras, foi a partir de 2019 que a comunidade passou a viver uma situação “tremendamente absurda”. “Passamos a receber água em quantidade bem menor do que antes, e qualidade muito ruim. Nossas caixas d’água passaram a receber apenas lama”, indignou-se.

“Agora, propõem pra gente que a Copasa faça a gestão dessa água, cobre um valor por isso, que haja a perfuração de poços artesianos numa área mais baixa”, disse. Fazendo referência a outro problema relatado: a Vale foi autorizada a jogar os rejeitos de minério da barragem que se rompeu diretamente na cava de Córrego do Feijão, o que pode significar a contaminação da água do lençol freático.

Um estudo de 2022, da Fiocruz Minas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comprovou que metade das crianças de Brumadinho têm pelo menos um metal acima do valor de referência. A via de contaminação, se foi por contato, pelo ar ou pela água, por exemplo, não foi detectada.

Para Marco Antônio, esse é um exemplo de que as “soluções” encontradas até o momento, sem a participação da população atingida, representam a continuidade e fortalecimento dos empreendimentos minerários. Os mesmos que provocam tais danos.

Respostas

Presente na audiência, o promotor de Justiça das Promotorias de Brumadinho Lucas Trindade explicou que o TAC não trata da proteção de nascentes, mas sim de assegurar o abastecimento de água.

Já a defensora pública Carolina Morishita lamentou que a quantidade e complexidade das demandas às vezes superam a capacidade de atendimento da Defensoria. Por envolverem muitas instâncias do poder público e entes privados, exijam levantamentos técnicos, demorando um tempo maior do que a expectativa dos atingidos.

Décio Júnior, secretário de Comunicação de Brumadinho, que representou a prefeitura de Brumadinho, se posicionou contra a cobrança de taxas de abastecimento e saneamento pela Copasa. “A Copasa vai receber uma obra pronta da Vale e ainda cobrar pela água? Não aceitamos isso”, defendeu.

Pela Copasa, o representante Fernando Janett afirmou que a tarifação não é definida pela empresa, mas sim pela Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae MG). Ele se comprometeu a averiguar as condições dos reservatórios do Tejuco.

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