A mais dramática campanha presidencial de nossa história política chega à última semana num ambiente político favorável ao crescimento de Fernando Haddad. As razões são fáceis de compreender.
Investigado pela Polícia Federal e pelo TSE, Jair Bolsonaro já mudou de identidade política. Perdeu o papel cuidadosamente construído de inquisidor que assumiu ao longo da campanha para se colocar na defensiva, suspeito como um foragido da Justiça que teima em esconder a verdade. A grande massa de eleitores atraídos numa guerra de valores morais irá repensar suas escolhas e estará aberta a novos argumentos.
Nessa situação, Bolsonaro tende a parar de crescer e começar a perder votos. Educado para desconfiar sistematicamente de todos os políticos, o eleitor presta muita atenção ao que ocorre nos dias finais da campanha e neste momento fará descobertas monstruosas sobre Bolsonaro: contribuições ilegais de empresas privadas, uso de caixa 2, e outros crimes eleitorais. Eleitores mais cuidadosos, que tentam agir de modo consciente na escolha do candidato, irão prestar atenção a nova revelação.
A máquina da campanha está em pane. Embora tenha apoiadores, Bolsonaro não tem militantes e seu partido é uma sigla de fantasia. Sua força real era uma organização clandestina que atuava às escondidas na internet, que começa a ser desbaratada agora. O próprio Whatsapp promoveu 700 000 cancelamentos, conforme o El País. As quatro agencias responsáveis pelos disparos em massa também foram advertidas para deixar de prestar o serviço. Mesmo que tente reconstruir o esquema, reincidindo perigosamente numa prática criminosa quando já é investigado oficialmente, não é uma estrutura que se constrói do dia para a noite.
A denúncia complica o esforço para fugir dos debates pela TV na última semana de campanha. Temendo futuras complicações éticas, a equipe médica que o atendeu após a facada de Juiz de Fora lavou as mãos. Anunciou, publicamente, que a saúde do candidato está em ordem e lhe cabe decidir se comparece ou não aos debates. Caso mantenha a decisão de não comparecer Bolsonaro arrisca-se a ganhar a fama de fujão, particularmente vergonhosa para quem insiste em fazer do passado militar sua verdadeira personalidade identidade — embora tenha passado apenas onze anos na caserna e seja político profissional há 28 anos. Se decidir comparecer, será inevitável enfrentar perguntas incomodas sobre sua máquina de mentiras, perdendo pontos mais uma vez.
Sem o discurso fácil da moralidade, restará ao candidato enfrentar o debate político, nem um pouco favorável, pois ele encarna um projeto essencialmente impopular, contrário às necessidades da maioria dos brasileiros. Suas ideias econômicas são uma versão piorada das receitas desastrosas que Michel Temer vem aplicando ao país — com apoio de Bolsonaro e seu guru, Paulo Guedes.
Num país no qual 69% da população reafirma os compromissos com a democracia, o comportamento autoritário — para dizer o mínimo — de Bolsonaro fez nascer entre muitos brasileiros o receio de que o país seja jogado numa ditadura, como mostra pesquisa recente do DataFolha.
Comprometido com programas radicais de privatização e corte de investimentos públicos, inclusive com a Emenda Constitucional que reduz gastos por 20 anos, Bolsonaro nada tem a dizer sobre programas contra a miséria e a desigualdade — apenas esconder que o plano é cortar, cortar e cortar.
Neste ambiente, quando chega à ultima semana a campanha apresenta uma brecha aberta para uma virada espetacular nos últimos dias. Há um novo ânimo na campanha de Haddad.
* Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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