Em discurso histórico, Lula conclamou pela refundação dos organismos multilaterais e denunciou ações de Trump e da extrema direita na ONU. “O amanhã é feito de escolha diárias e é preciso coragem de agir para transformá-lo”.

Lula em discurso na assembleia geral da ONU. – Créditos: Ricardo Stuckert / PR

Em discurso histórico na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta terça-feira (23), Lula citou o Brasil como exemplo de resistência democrática diante do autoritarismo da extrema direita e denunciou ao mundo o conluio entre o clã Bolsonaro e Donald Trump nas sanções e achaques ao país.
“Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia reconquistada há 40 anos pelo seu povo depois de duas décadas de governo ditatoriais. Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra as nossas instituições e nossa economia”, afirmou Lula.
“A agressão contra a independência do poder judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas, arquiteto e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade”, emendou o presidente.
Lula ainda criticou os conflitos mundiais, com ênfase especial ao massacre perpetrado pelo Estado Sionista de Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza.
“Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza. Ali, ali sobre toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o direito internacional humanitário e o mito da superioridade ética do ocidente. Este massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo. Em Gaza, fome é usado como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente. Quero expressar minha admiração aos judeus que dentro e fora de Israel se opõe a essa punição coletiva. O povo palestino corre o risco de desaparecer”, afirmou.
Lula ainda lembrou as mortes do Papa Francisco e do ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, citando os dois “humanistas” como exemplo de resistência ao autoritarismo.
“Se ainda estivesse entre nós, provavelmente usariam esta tribuna para lembrar que o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis. Que os únicos derrotados são os que cruzam os braços resignados. Que podemos vencer os falsos profetas de oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio”.
Por fim, Lula voltou a pedir a reforma da Organização das Nações Unidas e fez um apelo para a retomada das negociações para expandir o multilateralismo.
“O amanhã é feito de escolha diárias e é preciso coragem de agir para transformá-lo. No futuro que o Brasil vislumbra não há espaço para reedição de rivalidades ideológicas ou esfera de influência. A confrontação é inevitável. Precisamos de lideranças com clareza de visão, que entendam que a ordem internacional não é um jogo de soma zero”, afirmou.
“A ONU tem hoje quase quatro vezes mais membro do que os 51 que estiveram na sua fundação. Nossa missão histórica é a de torná-la novamente portadora de esperanças e promotoras da igualdade e da paz, do desenvolvimento sustentável e da diversidade e da tolerância. Que Deus nos abençoe a todos e muito obrigado”, concluiu.

Leia a íntegra do discurso de Lula na ONU

Este deveria ser um momento de celebração das Nações Unidas, criada no fim da guerra, onde simboliza a expressão mais elevada da aspiração pela paz e pela prosperidade. Hoje, contudo, os ideais que inspiraram seus fundadores em São Francisco estão ameaçados como nunca, estiveram em toda a sua história.
O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade desta organização está em cheque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder. Atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra.
Existe um evidente paralelo entre aquele do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia. O autoritarismo se fortalece quando nos omitimos frente à arbitrariedades. Quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas.
Em todo mundo forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades. Cultua a violência, exalta a ignorância, atua como milícias físicas e digitais e cerceiam a imprensa.
Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia reconquistada há 40 anos pelo seu povo depois de duas décadas de governo ditatoriais. Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra as nossas instituições e nossa economia.
A agressão contra a independência do poder judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas, arquiteto e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade.
Há poucos dias e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Foi investigado, indiciado julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso.
Teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas. Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos autocratas e aqueles que os apoiam. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos.
Seguiremos como uma nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela. Democracia sólidas vão além do ritual eleitoral. Seu vigor pressupõe a redução das desigualdades, a garantia dos direitos mais elementares, a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde.
A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares. Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo. A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo.
Por isso, Foi com orgulho, que recebemos da FAO a confirmação de que o Brasil voltou a sair do mapa da fome este ano de 2025. Mas no mundo, ainda há 670 milhões de pessoas famintas e cerca de 2 bilhões e 300 milhões enfrentam insegurança alimentar.
A única guerra que todos podem sair vencedores. é a que travamos contra a fome e a pobreza. Esse é o objetivo da Aliança Global que lançamos no G20 e que já conta com apoio de 103 países.
A comunidade internacional precisa rever suas prioridades, reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento, aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos e definir padrões mínimos de tributação global para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores.
A democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância. As plataformas digitais trazem impossibilidade de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas tem sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser terra sem lei. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis.
Regular não é restringir a liberdade de é garantir que o que o que já é ilegal no mundo real seja tratada assim também no ambiente digital, no ambiente virtual. Ataques à regulação serve para encobrir interesses disfarçados e dar guarida a crimes como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia.
O Parlamento brasileiro corretamente começou sem abordar esse problema. Com orgulho, promulguei na última semana uma das leis mais avançadas do mundo para proteger para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital.
Também enviamos ao Congresso Nacional projeto de lei para fomentar a concorrência nos mercados digitais e para incentivar instalação de data center sustentáveis.
Para mitigar o risco da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o pacto digital global aprovado neste plenário o ano passado. Senhoras e senhores, na América Latina e Caribe, vivemos um momento de crescente polarização e instabilidade.
Manter a região como zona de paz sempre foi e é a nossa prioridade. Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflito étnico ou religioso. É preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo.
A forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas. Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento.
Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar com graves consequências humanitárias. A via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela. O Haiti tem direito a um futuro livre de violência e é inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo.
No conflito na Ucrânia No conflito na Ucrânia todos já sabemos que não haverá solução militar. O recente encontro no Alasca Despertou a esperança de uma saída negociada. É preciso pavimentar caminhos para uma solução realista.
Isso implica levar em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes. A iniciativa africana e o grupo de amigos da paz criado por China e Brasil pode contribuir para promover o diálogo. Nenhuma situação é mais emblemática do que o uso desproporcional e ilegal da força do que a da Palestina.
Os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo. Mas nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza.
Ali, ali sobre toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o direito internacional humanitário e o mito da superioridade ética do ocidente. Este massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo.
Em Gaza, fome é usado como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente. Quero expressar minha admiração aos judeus que dentro e fora de Israel se opõe a essa punição coletiva. O povo palestino corre o risco de desaparecer.
Só sobreviverá como um estado independente integrado à comunidade internacional. Essa é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU e afirmada ontem aqui nesse mesmo plenário, mas obstruída por um único veto.
É lamentável que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico.
O alastramento desse conflito para o Líbano, para a Síria e o Irã e o Catar fomenta escalada armamentista sem precedentes. Senhoras presidentas, bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado.
A COP 30 em Belém no Brasil será a COP da verdade. Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta. Sem ter o quadro completo das contribuições nacionalmente determinadas, a chamada NDC, caminharemos de olhos vendados para o verdadeiro abismo.
O Brasil se comprometeu a reduzir entre 59 e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa em todos os setores da economia.
Nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros Enquanto isso, países ricos usufruem de padrão de vida obtida as custa de 200 anos de emissões de gases. Exigir maior ambição e maior acesso a recurso e tecnologias não é uma questão de caridade, é apenas uma questão de justiça.
A corrida por minerais críticos defensores para a transmissão energética não pode reproduzir a lógica predatória História que marcou os últimos séculos. Em Belém, o mundo vai conhecer a realidade da Amazônia. O Brasil já reduziu pela metade o desmatamento na região nos dois últimos anos. Erradicá-lo requer garantia, condições digna de vida para seus milhões de habitantes.
Fomentaram o desenvolvimento sustentável. É o objetivo do fundo florestas tropicais para sempre. que o Brasil pretende lançar para remunerar os países que mantém suas florestas em pé. É chegado o momento de passar da fase da negociação para a etapa da implementação. O mundo deve muito ao regime criado pela Convenção do Clima.
Mas é necessário trazer ao combate a mudança do clima para o coração da ONU para que ela tenha a atenção que merece. Um conselho vinculado à Assembleia Geral com força e legitimidade para monitorar compromissos dará coerência à ação climática.
Trata-se de um passo fundamental na direção de uma reforma mais abrangente da organização que conte também um conselho de segurança ampliado nas duas categorias dos seus membros. Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio.
Medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de nação mais favorecida. Desorganizam cadeia de valor e lançam a economia mundial em uma espiral perniciosa de preços altos e estagnação. é urgente refundar o OMC em bases modernas e flexíveis.
Senhoras e senhores Este ano o mundo perdeu duas personalidades excepcionais. O ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, e o nosso querido Papa Francisco. Ambos encarnaram como ninguém os melhores valores humanistas. Suas vidas se entrelaçam, se entrelaçaram com as oito décadas de existência da ONU.
Se ainda estivesse entre nós, provavelmente usariam esta tribuna para lembrar que o autoritarismo, a degradação ambiental e a desigualdade não são inexoráveis. Que os únicos derrotados são os que cruzam os braços resignados. Que podemos vencer os falsos profetas de oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio.
E que o amanhã é feito de escolha diárias e é preciso coragem de agir para transformá-lo. No futuro que o Brasil vislumbra não há espaço para reedição de rivalidades ideológicas ou esfera de influência. A confrontação é inevitável. Precisamos de lideranças com clareza de visão, que entendam que a ordem internacional não é um jogo de soma zero.
O século XXI será cada vez mais multipolar. Para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral. O Brasil confere crescente importância a União Europeia, a União Africana, a Aviam, a Celac, aos BRICS e ao G20. A voz do Sul Global deve ser respeitada e ouvida.
A ONU tem hoje quase quatro vezes mais membro do que os 51 que estiveram na sua fundação. Nossa missão histórica é a de torná-la novamente portadora de esperanças e promotoras da igualdade e da paz, do desenvolvimento sustentável e da diversidade e da tolerância. Que Deus nos abençoe a todos e muito obrigado.

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