Eliminação para a França escancara preparação inadequada, desorganização tática e desprezo da CBF por mulheres em posições de comando
A derrota para as francesas, na prorrogação, não chega a ser uma surpresa. Favoritas, as donas da casa aproveitaram-se de falhas defensivas para eliminar o Brasil nas oitavas da Copa do Mundo feminina. A lateral Tamires sofreu pelo lado esquerdo com as investidas da atacante Diani, que fez a jogada do primeiro gol. No segundo, um vacilo na marcação de bola parada resultou na conclusão certeira de Henry à beira da pequena área. Veteranas da equipe, Marta, Cristiane e Formiga não conseguiram impor sua experiência. Porém, o que mais fica evidente diante da eliminação é a perda de status da seleção brasileira, que deixou de figurar entre os times a serem batidos na modalidade. Por trás da queda, o comando masculino, dos cartolas da CBF à comissão técnica, agora se esforça para justificar o processo de enfraquecimento em que imprimiu suas digitais.
Conhecido como Vadão, o técnico Oswaldo Alvarez acumula quase quatro anos à frente da seleção, divididos em duas passagens. Na atual, sua equipe amargou a pior série de derrotas do Brasil no futebol feminino. Foram nove tropeços seguidos em jogos preparatórios. Em entrevistas, dizia que o time precisava melhorar “em todos os aspectos”, mas não detalhava porque jogava mal nem seus planos para melhorar o desempenho. Na tentativa de encontrar a formação ideal, fez improvisações insólitas, como o deslocamento da atacante do Barcelona, Andressa Alves, para a lateral. O desajuste tático logo se mostrou visível na Copa do Mundo. No primeiro lance da estreia contra a Jamaica, por pouco não sofreu um contra-ataque, interceptado pela goleira Bárbara no meio-campo, após uma cobrança de escanteio a favor do Brasil.
Em que pese a fragilidade das jamaicanas, a vitória na abertura do Mundial deu confiança às jogadoras, que chegaram a abrir 2 a 0 contra a Austrália na partida seguinte, mas sofreram a virada depois que o treinador sacou Cristiane, Formiga e Marta, que voltava de lesão. Diante das italianas, na terceira rodada, o time se mostrou mais sólido. Faltando 15 minutos para o fim, Vadão decidiu segurar a vitória por 1 a 0. No entanto, caso marcasse mais um gol, a equipe brasileira se classificaria em primeiro lugar do grupo e, em vez da França, pegaria a China nas oitavas, num caminho mais acessível rumo à final. O treinador justificou o recuo alegando que o Brasil “tem de enfrentar qualquer seleção”.
No jogo contra as francesas, a estratégia de fechar espaços e neutralizar a velocidade das adversárias pelas pontas funcionou às custas de sacrifício das principais jogadoras de ataque. Marta voltou a atuar distante do gol. Aos 33 anos, em recuperação de lesão, a melhor do mundo passou praticamente todo o segundo tempo marcando lateral. Não havia criação no meio-campo, e as principais jogadas dependiam da capacidade de Cristiane segurar bolas no campo ofensivo. Apesar do esforço que nunca faltou, as brasileiras chegaram à prorrogação bastante desgastadas fisicamente, sem forças para buscar o empate nos minutos finais.
Coordenador de seleções femininas da CBF, o médico Marco Aurélio Cunha avaliou como “ótimo” o trabalho de Vadão na Copa do Mundo, por entender que o time evoluiu desde as nove derrotas consecutivas sofridas antes do torneio. A tolerância com o treinador não foi a mesma demonstrada com sua antecessora no cargo, Emily Lima, demitida em 2017 com apenas 10 meses de trabalho. Ao contrário dos últimos cinco técnicos da equipe, ela foi a única que não teve oportunidade de completar ao menos um ano de comando. Tratava-se da primeira mulher a dirigir a seleção após três décadas de predomínio masculino na função.
Existe apenas uma mulher na comissão técnica de Vadão, a auxiliar Beatriz Vaz, chamada pela CBF para atender determinação da FIFA, que exige pelo menos uma representante feminina em comissões. Todo planejamento e o ciclo preparatório para a Copa estiveram a cargo dos homens. Em entrevista após a derrota para a França, Marta não endereçou o recado à comissão técnica, mas reforçou a necessidade de melhorar a preparação para grandes torneios. “Não adianta fazer isso em semanas, meses, tem que ser bem antes”, disse a capitã. Em menos de dois meses, o Brasil teve cinco atletas com problemas musculares, incluindo Cristiane, que saiu lesionada das oitavas, e Marta, que não jogou a Copa em plenas condições físicas.
A baixa representatividade feminina ainda se reflete na alta cúpula da CBF, que não tem nenhuma mulher em sua diretoria. Rogério Caboclo, que assumiu a presidência da confederação em abril, mas já dava as cartas informalmente desde o afastamento de Marco Polo Del Nero, banido por denúncias de corrupção, promete mais investimentos no futebol feminino, especialmente com o fortalecimento dos recém-lançados campeonatos de base. No entanto, as jogadoras ainda têm um pé atrás, pois, em outros momentos, como quando a seleção chegou a ganhar a medalha de prata na Olimpíada, em 2004, ou no vice-campeonato mundial, em 2007, também haviam recebido promessas de apoio que nunca foram cumpridas.
Embora se comprometa a reparar o histórico descaso com a modalidade, o novo presidente da CBF havia bancado, antes mesmo do desfecho da Copa, a permanência de Vadão e Marco Aurélio Cunha até os Jogos Olímpicos de 2020. Para os homens que comandam o futebol das mulheres, independentemente de suas falhas, o pacto de cavalheiros não costuma falhar.
Via El País