– Em Vila Nova de Minas, terra do relator da Reforma da Previdência, Marcelo Freitas, dona de casa que cuidou dele quando criança ainda aguarda aposentadoria

Como tantos outros moradores de localidades rurais, a dona de casa Maria Alaíde, 75 anos, ainda aguarda o momento de se aposentar. A ironia, no caso dela, é sua proximidade com o deputado bolsonarista Marcelo Freitas (PSL), relator do texto da Reforma da Previdência, monstrengo que ele aprovou sem nenhuma maquiagem e que ameaça justamente a aposentadoria dos seus conterrâneos do distrito de Vila Nova de Minas (a 40 km de Montes Claros), como dona Maria Alaíde.
ECN encontrou a mulher regando plantas em frente à sua residência, ao lado da igreja. Seu marido, José Alves da Silva (85), aposentado há 19 anos, contou que a mulher foi responsável pela criação do deputado, nascido em Vila Nova. O avô de Freitas, Alexandre Freitas, foi padrinho dela.

Seu José Alves foi repreendido pela esposa, para proteger Marcelo Freitas

Enquanto conversava com a reportagem, seu José Alves era observado pela esposa. Desconfiada, ela se aproxima e parece desaprovar as informações prestadas por ele. Maria Alaíde entrou com o processo de aposentadoria há 3 anos, mas não teve o benefício liberado pelo INSS, sob a alegação de que a trabalhadora rural tem renda mensal incompatível. Dia 18 de junho está marcada audiência para discutir recurso impetrado por ela.
“Marcelo falou que eu não serei afetada por essa reforma”, apressou-se a dizer, demonstrando preocupação em defender o deputado. A mulher não permitiu ser fotografada e mais tarde repreendeu o marido por aceitar.
Praticamente um terço dos 165 moradores da pacata Vila Nova já se aposentou. Os demais, incluindo aqueles que já estão em idade para requerer o benefício, aguardam o desenrolar dos acontecimentos em Brasília para saber se finalmente vão conseguir o merecido descanso depois de décadas de trabalho árduo na roça.
Quando isso vai ocorrer e em que condições dependem da relatoria feita pelo conterrâneo mais ilustre. Porém, o texto elaborado por ele não contém nenhuma ressalva, inclusive mantém o corte no valor do Benefício da Prestação Continuada (BPC), que é de 1 salário mínimo e será reduzido para R$ 400.
Por causa do relatório de Marcelo Freitas a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou a esdrúxula proposta de Reforma da Previdência exatamente como o governo Bolsonaro queria. Além da excrescência da redução no BPC, a CCJ manteve as regras que restringem as aposentadorias rurais, que também sofrerão cortes.
Essa foi a primeira de uma série de votações que a famigerada Reforma terá que enfrentar no Congresso Nacional, tendo o deputado enraizado em Vila Nova de Minas como apoiador incondicional.

Dificuldade de se aposentar traz de volta a ameaça do êxodo rural

Eleitora arrependida: Maria Cristina Reis está apreensiva com o deputado Marcelo Freitas

Maria Cristina Reis, 56 anos, votou em Marcelo Freitas, mas também pode ser uma potencial “vítima” da insensibilidade do delegado deputado. É outra que requereu aposentadoria como produtora rural (ela preside a Associação dos Pequenos Produtores de Mocambo Firme), mas foi recusada, segundo ela “por ter pele branca”. Na avaliação dos peritos do INSS, com sua tez clara não é possível comprovar que ela trabalhou na roça.
“Votei nele só por ser da região”, justifica Maria Cristina, que recorreu e aguarda decisão. Ela comercializa seus produtos no Mercado Municipal de Montes Claros. Ainda no mercado encontramos a comerciante Sérgia de Jesus, 48 anos, que tem 19 anos de contribuição, mas acredita que será difícil se aposentar na conjuntura atual.

Pessimismo: José Guiomar não esconde preocupação

José Guiomar da Cruz, de 62 anos, é outro morador da zona rural que ganha a vida com a renda de uma banca no mercado. Ele também aguarda a chance de se aposentar, apesar de se mostrar pessimista.
As barreiras para a aposentadoria colocadas pela Reforma da Previdência, principalmente no caso da população rural, ameaçam tornar inviáveis as condições de vida nos pequenos lugarejos, onde a renda proveniente dos benefícios é o que garante a permanência dos moradores. É o que alavanca a economia local. Além da Vila Nova de Minas, terra do deputado, é o caso de Miralta, Cachoeiro de Miralta, Mocambo Firme, Samambaia, Mocambo Firme e Tabuas, entre outras.
A maioria dos moradores está na faixa ou próximo a 60 anos, faixa etária em que as pessoas começam a requerer o benefício. Com população predominantemente mais velha, a falta do dinheiro da aposentadoria vai simplesmente tornar esses locais “fantasmas”, no longo prazo.
Essa será a consequência do êxodo rural, fenômeno que havia sido freado com a política de transferência de renda levada a efeito nos governos Lula e Dilma Rousseff. Agora, moradores desses lugarejos, que tiveram garantida sua sobrevivência, agora voltam a ficar apreensivos.

“Proposta vitima os mais pobres”, diz pároco de Vila Nova de Minas

Para o padre João Carlos, a reforma penaliza os mais pobres, as mulheres e os trabalhadores rurais

Para o padre João Carlos, da Paróquia São Francisco de Assis, a que pertence o distrito de Vila Nova, a reforma penaliza os mais pobres, as mulheres e os trabalhadores rurais, que precisam ser olhados de forma diferenciada. “Essa proposta traz uma visão equivocada da percepção da realidade”, diz, arguindo que a regra não pode ser linear para todo mundo, sob pena de vitimar os mais necessitados, como os moradores da zona rural.
O religioso lembra a Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e lema “Serás libertado pelo direito e pela justiça”. (Isaías 1,27). Para ele, a campanha tem relação com a problemática da Reforma da Previdência e com a perda de direitos no país.
“A CNBB está preocupada com a forma como essa proposta está sendo apresentada, penalizando os mais pobres. Não é possível concordar com a perda de direitos conquistados e garantidos”, defende padre João Carlos.
“Quando a igreja traz esse tema não tem como não falar da reforma da previdência, do saneamento básico, da saúde, da educação, da estrada, da problematização que as comunidades vivem em relação à juventude. Quais as oportunidades que nossos jovens têm na perspectiva de uma reforma como essa? Nenhuma!”, considera.
“Não é possível ouvir calado a fala do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, dizendo que uma pessoa da roça pode trabalhar aos 80 anos”, criticou o pároco.
Sobre o fato de bancos e grandes empresas sonegarem fortunas à Previdência, o padre João Carlos é taxativo: “devem ser cobrados”. Ele citou o lucro “exorbitante” dos bancos, os maiores devedores, em 2018. Apenas os 4 maiores maiores somaram lucro líquido de R$ 73 bilhões.
Padre João Carlos também mandou um recado aos que têm bens, mas que ele chama de “empobrecidos”, pois “pensam de forma reduzida, apenas neles e, por não pensarem de forma coletiva, não se importam com o mal que a reforma fará aos pobres”.
Para persuadir os deputados a votarem a favor da reforma, o governo Bolsonaro está oferecendo R$ 40 milhões em emendas, fora cargos e outros benefícios. Não se contabiliza aqui o que será liberado em forma de propinas.

Cinco pontos da Reforma da Previdência que atingem em cheio os pobres

A alegria da dupla l Bolsonaro e Marcelo Freitas, comemorando relatório da Reforma da Previdência que pune os mais pobres

1 – O governo propôs que o tempo mínimo de contribuição passe de 15 a 20 anos, ou seja, de 180 para 240 meses. Sem isso, mesmo tendo atingido a idade mínima, a pessoa não se aposenta. Não seria um grande problema se o país não contasse com altas taxas de informalidade. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), considerando-se a aposentadoria por idade, 50% das mulheres que acessaram essa forma de benefício conseguiram comprovar apenas 16 anos de contribuição. Do total de mulheres ocupadas, quase metade (47%) não possuía registro em carteira, dificultando a contribuição previdenciária. O Dieese cita que em 2014, ou seja, antes do pior da crise, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada 12 devido à rotatividade do mercado de trabalho e à informalidade. Para cumprir 15 anos, uma pessoa precisaria, na prática, de 19,8 anos. Se forem 20 anos de contribuição, esse número subiria para 26,4 anos. Os cálculos são médias, mas servem para provar um ponto: se é difícil chegar aos 15 anos, imagina aos 20 então.
2 – Quem se aposentar por idade, tendo contribuído 20 anos, receberá uma aposentadoria no valor de 60% da média salarial e não mais 90%, como é hoje para quem perfaz duas décadas. 3) A Reforma da Previdência quer que a pensão paga a viúvas e órfãos de aposentados seja de 60% do valor do benefício, acrescida de 10% para cada dependente adicional até 100%. E, pior: abre-se a porteira para receber pensões de menos de um salário mínimo. Hoje, o valor é integral. Ou seja, se um “conjê” (hehehe) que recebia um salário mínimo de aposentadoria morre, não há filhos ou eles já são maiores de 21 anos, o viúvo ou viúva receberia R$ 598,80
3 – O governo propôs que a idade mínima para que idosos em condição de miserabilidade (menos de R$ 249,50 de renda familiar mensal per capita) possam receber o salário mínimo mensal do Benefício de Prestação Continuada (BPC) passe de 65 para 70 anos. Em contrapartida, quer desembolsar uma fração desse total – R$ 400,00 – dos 60 aos 69 anos. Vale lembrar que é mais fácil conseguir um bico para complementar a renda aos 60 aos 65 do que dos 65 aos 69 – sem contar que a demanda por recursos para custos de saúde e emergências aumenta exponencialmente nessa idade. Os deputados prometeram derrubar esse ponto e o próprio Guedes já se mostra resignado que seu “bode na sala” vá embora.
4 – Quanto às aposentadorias no campo, a Reforma da Previdência demanda uma contribuição anual mínima de R$ 600,00 por família durante 20 anos, ao invés de apenas comprovar o trabalho no campo por 15 anos, como é hoje. A proposta ignora que o produtor, às vezes, termina o ano sem renda líquida, por fatores climáticos ou de preço no mercado, dependendo do Bolsa Família. Essa parte também vai ser defenestrada, principalmente pela chiadeira de políticos do Nordeste.
5 – Mas ficam ainda os impactos contra os assalariados rurais. Após 2020, por conta de mudanças em lei, eles já teriam que contribuir por 15 anos – vale ler esse número sob a luz da taxa de informalidade no campo, que ultrapassa os 55%. Com a reforma, terão que contribuir por 20 anos. Ou seja, vai ter gente no campo que cairá invariavelmente no colo do BPC, a supracitada assistência a idosos muito pobres. Essa é uma das razões pela qual o governo quer mover a idade de acesso do benefício de 65 para 70 anos, porque sabem que outras mudanças na reforma farão chover gente nessa fila.

Casa do deputado Marcelo Freitas, em Vila Nova de Minas

A realização desta reportagem só foi possível graças à colaboração de um grupo de profissionais dos mais variados segmentos. Comum a todos eles a preocupação com os ataques a direitos do nosso povo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

5 − 2 =