Elementos estratégicos para a alta tecnologia e a geopolítica global têm em MG os maiores depósitos do país. Desafio é extrair, beneficiar e industrializar

Pequenos depósitos de óxidos de terras raras: No sentido horário, a partir do centro superior: praseodímio, cério, lantânio, neodímio, samário e gadolínio
crédito: Peggy Greb/US Department of Agriculture/Wikimedia Commons

A busca por elementos que compõem o grupo das chamadas terras raras, que emergiu nas discussões sobre tarifas entre os Estados Unidos e o maior fornecedor do mundo, a China, nas negociações que envolvem a guerra da Ucrânia e até como pano de fundo na crise diplomática entre EUA e Brasil, põe Minas Gerais em evidência, por ser o estado de maiores reservas estimadas desses minerais estratégicos dentro do Brasil, país com a segunda maior concentração mundial dessas riquezas.

Mas onde exatamente ficam essas reservas? Por meio de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Ministério das Minas e Energia (MME), a reportagem do Estado de Minas listou as principais jazidas e processos minerários envolvendo os Elementos de Terras Raras.

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De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o Serviço de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos (USGS) identificou até 2024 um potencial de 90 milhões de toneladas de reservas de ETR no mundo, sendo 44 milhões (48,8%) na China, 21 milhões no Brasil (23,3%), 6,9 milhões na Índia (7,6%), 5,7 milhões na Austrália (6,3%) e 12,4 milhões no resto do planeta (13,7%).

“Os depósitos mais expressivos do país concentram-se em Minas Gerais, associados a rochas alcalinas e carbonatíticas, especialmente nas localidades de Araxá, Poços de Caldas e Tapira. Há também depósitos relevantes em São Paulo (Jacupiranga, Itapirapuã) e Goiás (Catalão)”, informou a pasta.

E para que servem essas substâncias?

Esses elementos são importantes sobretudo para constituir os chamados imãs permanentes ou superímãs, segundo o professor doutor Fernando Landgraf, engenheiro metalurgista da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), com 30 anos de experiência no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

“A importância desses minerais reside principalmente na sua aplicação em superímãs, descobertos por volta de 1970 e aprimorados em 1984, como o ímã de neodímio-ferro-boro, o ímã mais forte que o homem sabe fazer. São usados em motores elétricos ou em geradores cruciais para carros elétricos, turbinas eólicas, miniaturização de motores, incluindo aplicações militares, como drones”, enumera Landgraf.

Apesar do nome “terras raras”, muitos dos elementos que compõem esse grupo são mais abundantes na crosta terrestre do que metais como cobre e zinco. Entre eles, o cério, por exemplo, é o ETR mais abundante e o 25º elemento mais comum na crosta terrestre.

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Mas são extremamente necessários e estratégicos. Ex-CEO da Neo Performance Materials (empresa referência em terras raras, metais críticos e energia limpa), Constantine Karayannopoulos, estimou, em evento organizado em março pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que os ímãs respondem por mais de 90% do valor da indústria de terras raras, por serem muito poderosos e diminutos, podendo operar em condições adversas.

Processos de pesquisa e exploração no país

Em levantamento feito no dia 27 de agosto de 2025 no cadastro mineiro da ANM, o Brasil tinha 2.341 processos minerários, em diferentes estágios, sobre terras raras. São processos que abrangem áreas de 3.394.734 hectares.

Aqueles que estão em fases mais adiantadas, com possibilidade de mineração ou muito próximos disso, são nove concessões de lavra (uma em Araxá, o restante em Goiás), oito requerimentos de lavra (dois em Minas Gerais) e sete direitos de requerer lavras (dois em Minas Gerais).

A maioria ainda é muito incipiente, em fases de médio a longo prazo, totalizando 1.947 que têm autorização para pesquisa. Outros 347 se tratam de requerimentos de pesquisa, 20 aptos para iniciar processos de mineração e três se referem a áreas em disponibilidade para iniciar processos.

A Bahia é o estado que tem mais processos, somando 913, seguida de Goiás, com 456, e de Minas Gerais, com 401. Também a Bahia totaliza a maior área envolvida nesses processos minerários, totalizando 1,3 milhão de hectares (ha), seguida de Goiás, com 729 mil ha, e de Minas Gerais, com 452 mil ha.

Onde pode haver extração no estado?

Em Minas Gerais, há 83 municípios com processos minerários em vários estágios sobre exploração das terras raras. Os mais numerosos são Presidente Olegário, no Noroeste de Minas, com 46, Caldas (Sul, com 42), Poços de Caldas (Sul, com 38), Andradas (Sul, com 26), Patos de Minas (Alto Paranaíba, com 22), Ipuiúna (Sul, com 16), Santa Rita de Caldas (Sul, com 9), Araponga (Zona da Mata, com 8), Espinosa (Norte), Grão Mogol (Norte), Matutina (Alto Paranaíba) e Varjão de Minas (Noroeste), estas últimas com 7 processos cada.

Já os municípios que têm a maior área com processos são Presidente Olegário (77.550 ha), Patos de Minas (36.577 ha), Caldas (21.942 ha), Andradas (15.345 ha), Varjão de Minas (13.659 ha), Poços de Caldas (12.813 ha), Ipuiúna (no Sul de Minas, com 12.278 ha), Grão Mogol (12.090 ha), Mamonas (Norte, com 10.081 ha) e Lagamar (Noroeste de Minas, com 9.780 ha).

Mil toneladas para um quilo de ETR

Apesar de estratégica, a mineração de terras raras não é um processo simples. Segundo especialistas, obter um quilo desses minerais pode exigir o processamento de mil toneladas de material extraído do solo. Essa separação também é um grande entrave tecnológico que o Brasil e Minas Gerais – estado com maiores reservas – precisam enfrentar.

“O desafio não é apenas a extração do minério, mas o beneficiamento. O concentrado vende as terras raras todas juntas, enquanto as aplicações exigem elementos separados. É preciso planejamento estratégico que contemple não apenas a extração, mas também o processamento e industrialização, gerando valor agregado e empregos qualificados no país”, afirma o professor doutor Fernando Landgraf, da Escola Politécnica e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP.

Um exemplo a se mirar, na avaliação do especialista da Poli/USP, é a China, que “construiu toda a cadeia produtiva e domina o mercado de superímãs, produzindo 90% do que é consumido no planeta”, destaca.

Quais são as maiores riquezas em Minas?

Em Minas Gerais, os principais minérios de terras raras localizados pelas pesquisas minerárias são o Neodímio, Praseodímio, Disprósio, Térbio e Cério, de acordo com pesquisas realizadas pela ANM e informes de investimentos das empresas.

O cério é um dos produtos que a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) planeja separar de seus rejeitos de nióbio em Araxá. Seus usos estratégicos incluem a catálise automotiva e o craqueamento de petróleo (permitindo menor emissão de poluentes e maior rendimento na obtenção de gasolina e gás liquefeito de petróleo – GLP, e desativando metais prejudiciais aos catalisadores como o vanádio) e várias aplicações de alta tecnologia. O cério, junto com o lantânio, está presente na monazita e bastnasita, que são minerais de terras raras.

O neodímio é crucial para a fabricação de ímãs permanentes de neodímio-ferro-boro (NdFeB), que são poderosos, pequenos e operam sob condições adversas. São críticos para a descarbonização e são indispensáveis em motores de alta eficiência.

As principais aplicações

Aproximadamente metade das aplicações de ímãs de terras raras até 2035 estarão relacionadas a automóveis, principalmente para motores de tração de veículos elétricos, mas também em turbinas eólicas e outros motores auxiliares. Projetos em Minas Gerais, como o Caldeira, em Poços de Caldas, preveem uma produção significativa de óxidos de neodímio/praseodímio, que pode atender a cerca de 5% da demanda global.

Similarmente, o praseodímio é um componente essencial nos ímãs permanentes de neodímio-ferro-boro (NdFeB), presente no projeto Caldeira e em iniciativas em Tiros (Alto Paranaíba). O disprósio é crucial para melhorar as propriedades magnéticas dos ímãs, especialmente em temperaturas elevadas. O Projeto Tiros menciona o disprósio como um dos principais elementos identificados.

O térbio também é empregado na fabricação de ímãs, para aumentar sua performance sob altas temperaturas, mas tem aplicações em outros produtos de alta tecnologia. Assim como o disprósio, a demanda por térbio é alta, e sua escassez é uma preocupação futura para a indústria. O Projeto Tiros identificou o térbio como um de seus elementos principais.

O que é isso?

As chamadas “terras raras” são um grupo de 17 elementos químicos essenciais na indústria moderna. Apesar do nome, não são tão raras no planeta: o difícil é encontrá-las em jazidas economicamente viáveis e separá-las. Do smartphone às turbinas eólicas, passando pelos carros elétricos e chegando à indústria bélica, essas substâncias são consideradas estratégicas para a transição energética e para a produção de tecnologia de ponta. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, os elementos de terras raras leves são o lantânio (La), cério (Ce), praseodímio (Pr), neodímio (Nd), promécio (Pm), samário (Sm), európio (Eu), escândio (Sc) e ítrio (Y). Já os elementos de terras raras pesados são o gadolínio (Gd), térbio (Tb), disprósio (Dy), hólmio (Ho), érbio (Er), túlio (Tm), itérbio (Yb) e lutécio (Lu). As reservas de Minas Gerais podem projetar o estado no mapa global da mineração tecnológica.

Fonte: Jornal Estado de Minas

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