– Escravos do século 21 –
 Auditores do Ministério do Trabalho já resgataram 102 pessoas em flagrante de trabalho escravo no Norte de Minas neste ano. Crime estaria avançando nas carvoarias

 – PROMESSAS – Auditores do MTE relatam que muitas vítimas do trabalho escravo buscam ganhar a vida em carvoarias e fazendas
Somente neste ano, 102 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Norte de Minas – 89 na cidade de Coração de Jesus, 10 em Grão Mogol e três em Jaíba. A maioria dos casos é referente a mão de obra escrava em carvoarias e fazendas, nas plantações de banana e outros tipos de cultura. Os trabalhadores vêm de vários estados do país, com a promessa de uma vida melhor, de emprego fixo e moradia para toda a família.

“Percebemos um aumento do trabalho escravo no Norte de Minas no ramo da carvoaria, algo antigo, mas que tem crescido nos últimos anos”, afirma o auditor do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) Marcelo Gonçalves.

– RESGATE
De 2017 à primeira quinzena deste ano, os auditores do MTE resgataram 197 pessoas em situação insalubre de trabalho. Em algumas situações, os trabalhadores e suas famílias tinham os documentos pessoais retidos pelo empregador. No mês passado, 66 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo em Paracatu – as vítimas eram de algumas cidades do Norte de Minas e do Piauí. Elas moravam em alojamentos improvisados e não recebiam qualquer valor nem alimentação.

A cidade que mais tem registros de mão de obra escrava na região é Coração de Jesus (89), seguida por Jequitaí (53), que está a 102 quilômetros de Montes Claros, maior município do Norte de Minas, que dispõe de unidades do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do MTE.

Segundo o órgão, as fiscalizações são frequentes e frisam à necessidade de denunciar qualquer tipo de abuso que configure mão de obra escrava. As multas não correspondem ao ato de crueldade enfrentado por essas pessoas. De acordo com o diagnóstico feito pelo MTE, no município que mais apresentou mão de obra escrava no Norte de Minas, Coração de Jesus, para os 89 resgatados, a fazenda foi multada em R$ 19.815,46.

PROMESSAS – Auditores do MTE relatam que muitas vítimas do trabalho escravo buscam ganhar a vida em carvoarias e fazendas

– PERFIL
A escravidão do século 21 não diferencia os trabalhadores por raça. Basta o indivíduo não ter conhecimento dos seus direitos e aceitar fazer qualquer serviço para não deixar o pão faltar à mesa. Outro perfil dos resgatados é que são jovens, menores de idade e idosos, sempre sem Carteira de Trabalho assinada e nenhum direito garantindo. Muitas vezes, no local não é oferecida água potável e a jornada de trabalho é exaustiva, sem nenhum tipo de equipamento de segurança.

– COMPENSAÇÃO
Quando a empresa é multada por algum ato de infração trabalhista, ela pode negociar com o Ministério Público e compensar o município ou os cidadãos lesados de alguma forma. A multa aplicada pode ser dividida entre os prejudicados ou a empresa pode oferecer serviços à sociedade, como bolsas de estudo, construção de escolas, etc. E, para a empresa voltar a funcionar, deve atender a uma série de burocracias e se submeter a constantes visitas dos analistas fiscais.

– Presidente Bolsonaro critica punição estabelecida em lei
Na última terça-feira, o presidente da República, Jair Bolsonaro, criticou a emenda constitucional que pune com expropriação a propriedade rural em que for constatado trabalho escravo. Além disso, o presidente argumentou que a definição do que é “trabalho análogo à escravidão” precisa ser mais clara, afirmando que o empregador “não quer maldade para o seu funcionário nem quer escravizá-lo”.

A escravidão foi oficialmente abolida no Brasil em maio de 1888, com a promulgação da Lei Áurea. Dessa forma, a expressão “trabalho análogo à escravidão” faz referência a situações degradantes, similares às das relações de trabalho na época da escravidão.

As expressões “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” foram introduzidas pela Lei Federal nº 10.803/2003, que modernizou a repressão à escravidão contemporânea no Brasil. Esta lei determina “reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência” para quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

Crítica de Bolsonaro à emenda do trabalho escravo expõe desconhecimento da lei

Ao contrário do que sugeriu o presidente, trabalho escravo e em condições análogas à escravidão são o mesmo crime

Posição do presidente não tem embasamento jurídico e já constava no programa de governo apresentado na campanha / Sergio Carvalho/MTE

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) criticou esta semana a Emenda Constitucional 81, aprovada em 2014, que permite a expropriação de imóveis nos quais haja flagrante de trabalho escravo.

O teor da crítica do capitão reformado, que já constava no programa de governo apresentado por sua candidatura em 2018, se baseou em uma distinção conceitual inexistente no campo jurídico.

Segundo ele, haveria uma “linha tênue” entre trabalho escravo e trabalho em condição análoga à escravidão. Essa indefinição, em sua opinião, geraria insegurança a produtores rurais: “O trabalhador, o empregador, tem que ter essa garantia. Quem tem coragem de investir num país como esse?”.

Ao se dirigir ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins, deixou explícita sua confusão, dizendo que colegas do magistrado “entendem que o trabalho análogo à escravidão também é escravo. E pau neles [produtores rurais]”.

Sinônimos

Segundo a jurista e pesquisadora Andrea Gondim, autora da dissertação “Trabalho em condição análoga à de escravo no meio urbano”, os dois termos, na verdade, “falam da mesma figura”. Ou seja, são sinônimos para descrever o que alguns estudiosos chamam de “escravidão contemporânea”.

“São utilizados vários termos, mas o que eles querem dizer é que ainda hoje acontece de pessoas serem submetidas a situações similares à escravidão. Quando a gente utiliza o uso reduzido do termo [‘trabalho escravo’], é para sensibilizar à sociedade exatamente para isso”, afirma.

De acordo com Gondim, “do ponto de vista técnico-jurídico” o termo mais apropriado é “trabalho em condição análoga à de escravo”, já que houve Abolição formal do escravagismo em 1888.

Penalidade

A Emenda citada pelo presidente modificou o artigo 243 da Constituição, que já previa a expropriação – perda de propriedade sem indenização – para o caso de tráfico de entorpecentes.

“O texto dispõe que as propriedades podem ser expropriadas quando flagrada a ‘exploração do trabalho escravo na forma da lei’. Ou seja, nada impede que se utilize [para a definição] o artigo 149 do Código Penal para a expropriação. Quando se fala em trabalho escravo no contexto atual se está falando do trabalho descrito no Código Penal”, afirma Gondim.

O Código Penal, assim, dá uma definição do que se pode considerar o trabalho escravo contemporâneo no Brasil: “trabalhos forçados”, “jornada exaustiva”, “condições degradantes de trabalho” e restrição, “por qualquer meio, [de] sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador”.

De acordo com o Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, mantido pelo Ministério Público do Trabalho em cooperação com a Organização Internacional do Trabalho, no período de 2003 a 2018, ocorreram 45.028 resgates de pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão no país.

O frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das entidades que sempre atuou na notificação de suspeitas de trabalho escravo, explica que os focos de trabalho escravo variam aos longos dos anos, passando de setores como madeireiras na Amazônia, na produção de carvão, nos canaviais e, mais recentemente, em áreas urbanas como a indústria têxtil.

O religioso afirma que nos últimos três anos as ocorrências têm diminuído. “Uma característica permanente é invisibilidade. A suspeita é que haja uma subnotificação [nos últimos anos] por vários motivos. E também que tenha havido mudanças reais após 25 anos de fiscalização”, argumenta.

Um dos possíveis fatores mencionados por Plassat é a piora no mercado de trabalho, que teria levado a um temor maior para a realização de denúncias por parte dos trabalhadores. Em 2018, fiscais identificaram cerca de 1700 situações de trabalho escravo, resgatando 1133 pessoas.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), 8 mil auditores fiscais do trabalho seriam necessários para cobrir todo o território nacional. Atualmente, o Brasil tem 2,2 mil profissionais contratados.

O ritmo das operações dos auditores fiscais vai na contramão da urgência da erradicação do trabalho escravo. Informações disponibilizadas em agosto do ano passado pelo extinto Ministério do Trabalho mostraram que o número de fiscalizações está em queda.

No ano de 2017, por exemplo, foram realizadas 88 operações de fiscalização, resultado do contingenciamento de 52,2% no plano orçamentário para esse fim. Em 2016, foram 115

Com O Norte e Brasil de Fato

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