Ao lamentar o que chamou de “incidente”, Bolsonaro diz que “responsável vai aparecer”, mas descarta chamar Exército de assassino. “O Exército não matou ninguém não”
A família Santos Rosa ia no domingo passado a uma festa para celebrar a iminente chegada de um bebê quando seu carro foi baleado pelo Exército no Rio, em um subúrbio pobre chamado Guadalupe. Nada menos que 80 tiros foram disparados pelos militares, que mataram o motorista. Era músico e segurança. Chamava-se Evaldo dos Santos Rosa. Tinha 51 anos. Sua esposa, seu filho de sete anos, sua enteada e seu sogro sobreviveram, embora este último tenha ficado ferido. O Exército afirma que confundiu o carro dessa família negra com o de dois criminosos que tinham disparado antes contra os militares. “É um carro de família”, gritaram os moradores na tentativa de alertar para o erro. O caso reacendeu vários debates no Brasil: sobre os riscos da militarização da segurança, a impunidade das forças de segurança (5.000 das 64.000 mortes violentas de 2017 ocorreram em operações policiais), o racismo…
A viúva do músico Evaldo dos Santos Rosa durante seu funeral na quarta-feira no Rio de Janeiro
O presidente, que enviou ao Congresso uma proposta de lei que pretende isentar de culpa os policiais que matarem um criminoso “por medo ou surpresa”, evitou se referir ao assunto até sexta-feira, quando foi indagado pela imprensa. “O Exército não matou ninguém não. O Exército é do povo, e não se pode acusar o povo de ser assassino, não. Houve um incidente”, respondeu. “No Exército sempre tem um responsável”, acrescentou, manifestando sua confiança na investigação interna.
Dez dos 12 militares envolvidos no caso foram detidos dias depois por inconsistências entre o que foi declarado inicialmente e os fatos comprovados. São acusados de descumprir as normas para abrir fogo. O assunto está sendo investigado e será julgado pela Justiça Militar, o que preocupa organizações de defesa dos direitos humanos.
Não é o primeiro incidente desse tipo. Em 2015, cinco jovens negros mortos a tiros em seu carro. Naquela ocasião, foram 111 disparos. Também eram negros, também ocorreu em um bairro pobre do Rio, e os agentes eram policiais militares. As estatísticas sobre a violência no Brasil ocultam frequentemente que os brancos vivem muito mais seguros que os negros. É como se vivessem em países distintos. O Atlas da Violência de 2018 indica que “a desigualdade racial no Brasil é cristalina no que se refere à violência letal e às políticas de segurança”. Um exemplo: enquanto o total de negros assassinados aumentou 23%, o de brancos caiu quase 7% no ano passado.
E sua visão da polícia também é diferente. Entre os jovens negros de baixa renda, cerca de 60% têm medo da polícia, enquanto 40% confiam nela, segundo uma pesquisa do Datafolha. A pesquisa mostra uma imagem inversa entre idosos brancos de alta renda.
Manifestantes fazem ato em SP contra morte de músico baleado pelo Exército no Rio: ’80 tiros em uma família negra’
Faixa com a frase: ‘parem de atirar em nós’ marcou ato em frente ao Masp, na Paulista. Músico negro foi morto após o Exército disparar 80 vezes contra o carro em que estava com sua família.
Protesto na Paulista contra a morte de músico pelo Exército no Rio — Foto: Abraão Cruz/TV Globo
Manifestantes vinculados a movimentos negros fizeram um protesto neste domingo (14) na Avenida Paulista contra a morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, no último domingo (7) no Rio de Janeiro. Rosa foi morto quando o carro que dirigia foi alvo de pelo menos 80 tiros de fuzil disparados por soldados do Exército.
Com o nome “80 tiros em uma família negra, 80 tiros em nós!”, o ato se reuniu em frente ao Museu de Arte Assis Chateaubriand (Masp).
Uma imensa faixa com a frase “Parem de atirar em nós” marcou o protesto. Manifestantes se alternaram no microfone para falar sobre a perseguição de negros na periferia.
Entre as entidades que convocaram e apoiam o ato estão a Uneafro Brasil, Marcha das Mulheres Negras de SP e Kilombagem.
Com El País e G1 SP