A família imperial – Por Reinaldo Lobo*

A grande surpresa da CPI da Covid foi a revelação de que Carluxo Bolsonaro, o 03 da família presidencial, participou diretamente da negociação e rejeição dos 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, em setembro do ano passado.

O que fazia um mero vereador do Rio de Janeiro numa comissão importante do Ministério da Saúde num momento de extrema gravidade nacional? Ele é um médico? Tem uma posição institucional em Brasília? Tem conhecimento técnico sobre vacinas para rejeitar milhões de doses contra a Covid-19?

Quem o nomeou secretamente para uma função de negociador internacional de tal relevância? O que o legitimava para decidir, em nome do ministério e do governo, algo de tamanha responsabilidade? O Congresso? O STF? A Advocacia da União? Nada disso.

Seu poder vem do papai. Sua influência é um “direito de sangue”, como no império. A diferença é que o imperador e sua família eram referendados pelas instituições de então e pela tradição. Hoje estamos numa república, até prova em contrário.

Nesse caso dos Bolsonaro há uma “naturalização” forçada de seu status pelos próprios membros da família, até certo ponto referendada pela mídia. As Forças Armadas, ainda que não aprovem oficialmente, toleram tamanho disparate.

É como se houvesse um direito divino dos garotos da família presidencial de se meterem em tudo sem perguntar a ninguém. São obviamente, porta-vozes do papai. Em parte, a razão disso vem da crença gerada em torno do “mito” de salvador da pátria e da religião doentia gerada pelos seguidores do presidente autoritário e “onipotente” – hoje cada vez mais fraco, na verdade.

A “família imperial” aproveita as benesses do poder e do mando como se estivesse acima da lei dos homens. O clã funciona como uma gangue, disposta a levar vantagem em tudo e gerando um inimigo comum hoje abstrato: o comunismo.

O presidente dá um jeito de bloquear adversários vistos como “inimigos”, diz que os que ficam em casa em razão da pandemia são “idiotas”, continua a negar a existência dos 435 mil mortos e de uma doença grave cujo vírus ainda circula no país, interfere no Congresso comprando deputados com 3 bilhões de reais públicos, e faz piada com as milhares de mortes reproduzindo o slogan das milícias de sua origem: “CPF cancelado”.

Esse é um imperador nada civilizado, não chega nem perto da elegância e civilidade de dom Pedro II, mas tem uma corte fiel no fanatismo e puxa-saquismo. As fofocas da “corte” causam frisson nos seus adeptos, muitos dos quais nem desconfiam que o fundamentalismo de seu líder é pura manipulação, oportunismo e mentira.

Há uma solidariedade cúmplice entre os membros da família, cujos filhos estão todos metidos em maracutaias e negócios suspeitos, a começar pela famosas “rachadinhas” do não menos famoso Fabrício Queiróz, “operador” miliciano envolvido com gangsters cariocas e até com inúmeras mortes. Note-se que as mulheres têm um papel mínimo nesse esquema machista, sendo apenas produtoras de filhos ou veículos para lavagem de dinheiro.

Como muitas seitas de adoradores da violência, a família procura vender o que solidifica o fundamentalismo com toques religiosos: uma base de crença.

Sabe-se hoje que o fundamentalismo religioso ou político tem as mesmas raízes psíquicas do terrorismo – método, aliás, usado pelo então tenente Bolsonaro para chamar a atenção do Exército sobre o soldo dos militares, o que lhe valeu a expulsão das Forças Armadas.

O fundamentalismo, que afeta a família, os seus ideólogos e seguidores, caracteriza-se por uma redução dos referentes, uma simplificação estúpida da realidade, um sentido de certeza absoluta e uma rejeição de possibilidades alternativas. O resultado é a violência e a anulação do pensamento.

Essa é a própria definição do fundamentalismo, que se baseia em poucos princípios, muitas vezes falsos, mas que inunda as mentes de milhões de pessoas no mundo e uns poucos (22%, segundo as pesquisas) aqui no Brasil. No entanto, essa minoria é barulhenta, não hesita em espalhar fake news e agitar para conduzir as maiorias à insensatez ou até mesmo à morte.

A família Bolsonaro se autoproclamou acima da Lei por sua psicopatia e disfunção social. O papai seduziu os filhos com armas, filmes B norte-americanos – ao ponto de se considerarem verdadeiros “Rambos” – e, principalmente, com dinheiro e poder da corrupção.

O meio de Bolsonaro para cativar os filhos é o mesmo que usou para seduzir senadores e deputados a fim de manter sua maioria relativa no Congresso, capaz de impedir seu impeachment – comprou a todos com dinheiro alheio. Só que esse dinheiro é do povo, inclusive daqueles que o seguem siderados em sua fé suicida.

Quando saírem do poder, os Bolsonaro se tornarão apenas uma família sem sangue azul como qualquer outra, mas ainda continuarão – receio – uma família disfuncional e psicopática.

*Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezenove − dezesseis =