Profissionais de áreas ditas prioritárias pelo Governo Bolsonaro contam como navegam na restrições orçamentárias e quais oportunidades o país perde pelo congelamento de recursos

O físico Fabio Furlan, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, é um dos profissionais que vivem de pesquisa no Brasil. Atuando no campo da nanociência, área que trabalha com a manipulação da matéria em escala atômica, sua pesquisa em parceria com a química Paula Haddad, da Universidade Federal de São Paulo, tem como objetivo produzir um tipo de nanopartícula magnética para aplicações biomédicas, que pode ajudar no combate de um tumor sólido. Em termos didáticos, o pesquisador acredita que seja possível guiar medicamentos com um ímã por dentro do corpo para combater determinados tipos de cânceres. Mas para isto, depende de investimento.

No dia 15 de abril, Furlan, assim como diversos pesquisadores do país, recebeu um e-mail do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) suspendendo recursos já aprovados na Chamada Universal 2018, o edital do Governo Federal que destinou 200 milhões de reais para projetos em diversas áreas. O pesquisador já não trabalhava no melhor dos cenários. Em 2018, solicitou 114.000 reais para a pesquisa, o que garantiria a compra de reagentes químicos, diárias para realização de medidas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, serviços de terceiros (para troca de banco de baterias de nobreaks), e uma bolsa de iniciação científica para um estudante de graduação. A relevância da sua pesquisa não sensibilizou quem respondia pelas verbas. Foi contemplado com 13% desse montante. “Consegui o mínimo, apenas para a compra de reagentes para começar sua investigação”, afirma.

No papel, seu projeto foi iniciado em janeiro, mas ainda não recebeu nenhuma verba. Ou seja, nenhum centavo dos 13% que havia conseguido. Apenas a mensagem do CNPq informando que o dinheiro estava congelado, sem prazo para ser liberado. A medida não parecia em nada alinhada com indicações dadas pelo Governo Federal de que há áreas que receberão mais atenção. O próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou em seu Twitter que o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, “estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia para focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”. Porém, os cortes afetaram, inclusive, áreas aparentemente de interesse no Governo.

O EL PAÍS conversou com diversos pesquisadores, que, à  margem das ideologias políticas que dominam os noticiários, contam como navegam nas restrições orçamentárias e quais oportunidades o país perde pelo congelamento de recursos. É o caso do cientista da computação Ricardo Marcacini, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que trabalha com inteligência artificial. Marcacini solicitou financiamento para realizar um projeto no setor de agronegócios, um dos mais importantes para o desenvolvimento do Brasil. “Desde 2016 desenvolvemos robôs para coletar eventos públicos que podem afetar a cotação de commodities agrícolas, como notícias e boletins especializados, informações climáticas, legislação. Com essa base de conhecimento, algoritmos de inteligência artificial analisam os dados e notificam produtores sobre riscos futuros em relação à sua produção, permitindo o gerenciamento de riscos”, explica.

Dos 20.000 reais aprovados para o projeto no ano passado, até o momento, foram disponibilizados 4.300 reais para custeio. “Aguardo recursos para apoiar a compra de computadores para os experimentos científicos”, afirma. Sua meta, caso consiga recursos para desenvolver o projeto até o fim, é disponibilizar a tecnologia de forma gratuita.

Email enviado pelo CNPQ para pesquisadores.
Email enviado pelo CNPQ para pesquisadores.

Mateus Gerolamo, professor de engenharia de produção da USP São Carlos, é outro exemplo. Seu trabalho de pesquisa e ensino envolve estudar e investigar os desafios das organizações quanto à transformação e inovação necessárias frente à revolução digital, indústria 4.0 e outras demandas da sociedade do século XXI. Submeteu um projeto em setembro de 2018 na chamada universal para a faixa de até 60.000 reais.

Mateus Gerolamo.
Mateus Gerolamo. ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA EESC-USP

Foi aprovado e seguiu todos os trâmites necessários. Entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019 solicitou junto ao Banco do Brasil a abertura da conta referente à pesquisa. E de acordo com o CNPq, o cronograma do projeto se iniciou em 18 de fevereiro de 2019 e terá duração de 36 meses. Sua conta, porém, permanece sem saldo. A bolsa de iniciação científica destinada a estudante de graduação também foi suspensa, conforme mensagem recebida em 15 de abril. “Uma bolsa de iniciação científica é um recurso mínimo –400 reais mensais em doze meses. É extremamente preocupante ver a situação da ciência chegar nesse patamar de escassez de recursos.”

Esther Colombini, professora do Instituto de Computação da Unicamp.
Esther Colombini, professora do Instituto de Computação da Unicamp. ARQUIVO PESSOAL

Nem todos os pesquisadores afetados eram do edital de 2018. Esther Colombini, professora do Instituto de Computação da Unicamp, que trabalha com pesquisa na área de robótica cognitiva –  que empresta teorias da neurociência, psicologia e mesmo filosofia para fazer robôs mais amigáveis–, conta que seu projeto foi aprovado no edital universal de 2016. Neste ano, teria ainda direito de chamar um estudante de graduação bolsista para participar da pesquisa, o que representa um investimento de 400 reais por mês do Governo Federal. Mas a bolsa também foi suspensa.

O cientista de dados e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Rafael Rossi, também está na fila do CNPq. Ele trabalha com aprendizado de máquinas, no desenvolvimento de técnicas mais eficientes que permitam que um computador aprenda diferentes padrões de linguagem que permitam distinguir categorias de textos. Assim, uma máquina saberá se determinado conteúdo é sobre corrupção, esportes, violência contra mulher, etc..

Rossi fez um pedido de 20.300 reais para uma máquina capaz de executar seus experimentos, e duas bolsas de iniciação científica de 12 meses cada uma delas, totalizando 9.600 reais. Na aprovação do projeto, uma das bolsas foi cortada e o valor máximo do equipamento foi baixado para 15.200 reais. Não desanimou. Ao menos até ser informado pelo CNPq que as bolsas estão suspensas e ainda não há recursos para o computador, o que inviabiliza a pesquisa. “O aprendizado de máquina exige uma capacidade computacional que vai além dos computadores fornecidos pela universidade. E sem alunos, cabe ao pesquisador realizar todo o trabalho de desenvolvimento, execução de experimentos, tabulação e análise dos resultados, e a escrita científica. Fora dividir a tarefa da pesquisa com aulas e funções administrativas”, afirma Rossi.

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