Francisco tem vários desafios pela frente, entre eles o de desarticular um esquema ‘católico’ que mira o fim antecipado do seu pontificado

 A comunicação é um dos carros-chefes da reforma de Francisco. E não estamos falando simplesmente da renovação do aparato técnico do Vaticano nem das várias mudanças que foram realizadas no setor de comunicação da instituição desde que ele assumiu. Francisco aposta numa mudança de linguagem que seja capaz de atrair as pessoas para o núcleo da mensagem que ele propõe. O pontífice quer que a sua pregação chegue a todos os públicos. Só que, para isso, deseja que os meios de comunicação da casa sejam parceiros nesse processo.

A entrevista que ele concedeu à rádio espanhola Cope, que foi ao ar na última quarta-feira (1), foi fundamental para entendermos como ele lida com as arenas virtuais nas quais se forma uma oposição consistente contra ele.

Ao ser questionado a respeito de sua suposta abdicação, ele fez questão de responder que sequer lê esse tipo de notícia, negando que pretenda deixar o cargo. Um golpe certeiro contra quem pretende deslegitimá-lo. E disse que quando toma conhecimento de que suas falas foram distorcidas, prefere silenciar para não dar vazão a essas elucubrações.

Francisco entendeu que, em tempos de redes sociais, todo cuidado é pouco, deixando claro, ao mesmo tempo, que não pretende alimentar aquela velha ilusão de que pode agradar a todos. Vida que segue, com foco na reforma.

Diferente de outros pontificados, o dele tem tido trabalho com os impérios de comunicação católicos (por incrível que pareça!), os quais não escondem mais suas preferências políticas sob o pretexto de “defender os valores cristãos”. E fazem isso de maneira agressiva, baixa e antiética, muitas vezes. Uma preocupação que o papa atual fez questão de externar na sua última encíclica, Fratelli Tutti:

“Deve-se reconhecer que os fanatismos, que induzem a destruir os outros, são protagonizados também por pessoas religiosas, sem excluir os cristãos, que podem fazer parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia”, ressaltou.

Sem contar que alavancar projetos de poder, nem que para isso tenham que colocar a cabeça do papa numa bandeja, se tornou uma prática comum.

O importante é alistar membros para as cruzadas contemporâneas, cujos promotores (religiosos ou não) estejam dispostos a vender até a própria alma pela causa. Uma batalha rentável, que tem se mostrado cada vez mais lucrativa.

Não por acaso, são nesses veículos que temas sobre renúncia iminente, a “ortodoxia” de certos cardeais e a ideia de um pontificado enfraquecido ganham espaço, forçando uma espécie de “pré-conclave” virtual.

Os membros desses grupos, que se consideram parte de uma militia Christi, cuja missão é “salvar” o catolicismo do próprio papa, são responsáveis pelas várias distorções a respeito da reforma de Francisco, sua atenção pastoral e várias outras medidas, que comumente são enquadradas como “ataques à doutrina”.

Mesmo diante desse cenário, Francisco segue firme. Sinalizou que está às portas de lançar sua constituição sobre a reforma da Cúria Romana, planeja viagens e não quis deixar margens para dúvidas em relação ao futuro do seu pontificado. “Continuo vivo”, disse ele à Cope. E, pelo jeito, enquanto estiver vivo não entregará a Igreja de mão beijada para quem pretende destruí-la.

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

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