– Quando o presidente do maior Poder constituído deste país, a Câmara dos Deputados, se sente impelido a dar uma declaração pública de que é preciso garantir a liberdade de imprensa e o sigilo da fonte e que essas premissas estão previstas na Constituição, a sociedade precisa sair do casulo em que está metida e colocar a cabeça para fora. O que Rodrigo Maia fez foi apenas dar o tom.
Suas palavras contêm, para quem se dispuser a ler nas entrelinhas, uma preocupação disfarçada com o que pode vir por aí. Da incontinência verbal do presidente da República e imposição do filho a embaixador nos EUA às tentativas de calar quem pensa diferente – via portaria 666, que trata da deportação sumária de estrangeiros residentes no Brasil – são fartos os episódios que demonstram, no mínimo, o arrefecimento da democracia por aqui.
A relativização do destempero presidencial em atos e falas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – em tese escravo da Carta Magna -, é a senha que a horda bolsonarista, composta por cristãos fundamentalistas, militares de pijama e corporações empresariais, espera para impor sua agenda antidemocrática. Nunca é demais lembrar que esse processo começou de forma prática com a deposição de uma presidente inocente, em 2016. Como continuidade do plano era preciso condenar e prender o ex-presidente Lula, para impedi-lo de concorrer às eleições de 2018.
A ascensão do acéfalo Bolsonaro é a consequência natural, mas esse ainda não é o desfecho pretendido com o embuste a que foi submetido o país. O vazamento de mensagens revelando diálogos criminosos entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da Operação Lava Jato, especialmente Deltan Dallagnol, é uma luz para o entendimento de como funciona o esquema operado pelo agora ministro da Justiça para contaminar Ministério Público e Judiciário e colocar o país no caminho do arbítrio.
Nessa toada, a ordem é ignorar o devido processo legal, dar de ombros ao estado de direito e rasgar a Constituição e o Código Penal para atingir os objetivos de poder. É nesse contexto que entra a portaria de sugestivo número 666, uma clara tentativa de intimidar o jornalista Glenn Greenwald, norte-americano radicado no Brasil e fundador do site The Intercept, primeiro a publicar as mensagens.
O comportamento da população, aprisionada nas redes sociais, é o de quem ainda não entendeu ou não tem a percepção da gravidade do que está em curso. Defesa de tortura, de trabalho escravo, de deportações, de pena de morte, de censura às artes, de assassinatos na ditadura, de fechamento do STF, de extinção dos índios etc…É preciso mais?
A sociedade civil está negligenciando o alerta de que nas democracias é preciso estar sempre vigilante, notadamente na nossa, ainda imberbe e carecendo de amadurecimento.

*  Waldo Ferreira é jornalista e editor do ECN

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

19 + sete =