– Em Minas, quando as coisas estão confusas na política, se diz que “vaca está estranhando bezerro”, numa viagem às antigas tradições, costumes e linguagem, próprios de uma época que já vai longe.-

*Por Carlos Lindenberg

 Era um tempo em que do interior mineiro vinham os coronéis do PSD, da UDN, do PR e de outras siglas mortas pela ditadura de 1964 e enterradas pelos anos que se passaram. Era a Minas rural de Raul Soares, de Benedito Valadares, de Artur Bernardes e de tantos outros que formaram a velha escola do jeito mineiro de fazer política. Essa, não existe mais. Para saudade de uns e comemoração de outros. Mas algumas expressões permanecem, como a de ”vaca estranhando bezerro” ou ainda a de “catitu fora da manada é comida de onça”.

A de “vaca estranhando bezerro” se aplica ao momento atual da politica não apenas em Minas como de resto no país, desde que no ano passado o vice-presidente Michel Temer se aliou aos seus antigos adversários do PSDB e juntos, com a inestimável ajuda do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não por acaso também do PMDB, resolveram tirar da presidência da República a recém-reeleita Dilma Rousseff. Instigava e liderava o movimento golpista o senador Aécio Neves, ex-governador do Estado, neto do antológico ex-presidente Tancredo Neves e até então comandante supremo das forças políticas do Estado. Na reeleição, Dilma derrotou o condestável Aécio em seu próprio Estado e as forças aecistas perderam o Palácio da Liberdade para o adversário do PT, Fernando Pimentel.

Pronto, de lá para cá as coisas desandaram, no País e, particularmente, em Minas. A primeira consequência do revés de 2014 foi uma nova derrota do PSDB, em 2016, em que o estreante Alexandre Kalil, com discreto apoio do governador Pimentel, venceu o tucano João Leite e se elegeu prefeito de Belo Horizonte. Com isso, o partido parece que perdeu a rota dos votos no Estado e ainda não se reencontrou. Para complicar as coisas, o senador Aécio Neves, em cuja sombra não cresceu ninguém, o que parece ser uma característica da família, foi abatido em pleno voo pelas denúncias de Joesley Batista, um dos donos da JBS, que lhe faz graves acusações, o que culminou com o seu afastamento do cargo de senador – por determinação do STF – na prisão de sua irmã, Andrea, coisa impensável em Minas em qualquer tempo, e de seu primo Frederico. Com Aécio correndo ainda o risco de ser preso, como quer o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot.

O resultado de tudo isso é que o PSDB não tem um candidato natural à sucessão do governador Fernando Pimentel, a despeito do esforço que faz o ex-deputado Dinis Pinheiro, do PSDB e presidente da Assembleia Legislativa no governo Aécio/Anastasia, percorrendo o Estado de ponta a ponta, ou do ex-prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, do PSB, que também vem se reunindo com prefeitos e ex-prefeitos na busca de um discurso municipalista que possa viabilizar sua pretensa candidatura. Com isso, Fernando Pimentel, mesmo que enfrentando dificuldades financeiras no governo, como de resto boa parte dos Estados, se não encontra facilidades também não vê obstáculos intransponíveis para uma tentativa de reeleição, ainda que não possa contar com seu vice, Antônio Andrade, do PMDB, que se rendeu a Michel Temer já na fase do pré-golpe contra Dilma Rousseff.

Para culminar com esse desarranjo do PSDB no Estado, acirrado pela reafirmação do apoio tucano ao governo de Temer, coube ao deputado estadual João Vitor Xavier, um dos mais votados do partido na última eleição, e secretário-geral do diretório regional ocupar a tribuna da Assembleia para um vigoroso ataque à decisão da cúpula de permanecer no “cambaleante governo Temer” e de lhe dar suporte parlamentar. Indignado com decisão, João Vitor destacou o que chama de incoerência do PSDB que “há um ano decidiu participar do governo que pouco antes questionara judicialmente, ao pedir a anulação da chapa Dilma-Temer. Incoerência reforçada agora com a decisão de permanecer nesse governo já morto, embora não sepultado”, recordando a postura histórica dos ex-governadores Franco Montoro e Mário Covas – este último, por sinal, responsável pela não adesão do PSDB ao governo do então presidente Collor, na década de 90.

Bravo, o deputado tucano atacou da tribuna da Assembleia: “Lamento profundamente a decisão do partido de compactuar com um governo que não tem razão de ser ética e moral. O PSDB não perde a mania do caciquismo, distanciando-se das ruas em troca de espaço no governo. Isso é fisiologismo. Uma incoerência e um equívoco em sua história recente.” Ninguém do partido, nem na Assembleia, nem de outra forma, contestou o deputado. Por situações assim é que em Minas, quando a confusão política aumenta, é que se diz que “vaca está estranhando bezerro”. E é exatamente assim que está a política mineira desde que Pimentel desalojou os tucanos do Palácio da Liberdade, que o PSDB ajudou a derrubar Dilma e que seu líder maior no Estado foi alvejado pelas denúncias de Joesley Batista, culminando com a decisão do partido de permanecer como condômino do PMDB na sustentação de Temer – para desencanto certamente de muitos tucanos, como manifestou o deputado mineiro João Vitor Xavier.

* Carlos Lindenberg é diretor do 247 em Minas

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