Famílias atingidas pela lama da Samarco relatam que fundação descumpre determinação e cria dificuldades para fornecer alimentação aos seus animais
O Ministério Público de Minas Gerais acolheu denúncia da organização Cáritas, Regional MG, contra a Fundação Renova por prática de maus-tratos de animais que foram atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A representação partiu de relatos de comunidades por meio de assessoria técnica às famílias atingidas. A fundação ligada à mineradora Vale foi constituída para gerir e executar obras de reparação aos danos causados pela lama com rejeitos de mineração em toda a bacia do rio Doce.
Conforme acordos assinados após o rompimento da barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP, as empresas ficaram responsáveis pelos cuidados aos animais, inclusive fornecer alimentação.
No entanto, desde 2017 as famílias atingidas relatam que os alimentos não são entregues no prazo, o que as obriga a percorrer grandes distâncias. É comum a distribuição de quantidade insuficiente, problema que não pode ser contornado ao comércio local devastado pela lama.
“Agora a silagem tá vindo, mas sempre quando atrasa aqui, atrasa para todo mundo também”, disse à Caritas Marta de Jesus Peixoto, atingida de Paracatu de Cima, que já enfrentou períodos sem receber a alimentação animal e, por vezes, recebeu ração estragada.
Segundo a organização, a situação de cavalos é mais grave, já que comem feno, alimento que a Renova deixa faltar com frequência. No desespero, criadores os alimentam com silagem, ração fermentada indicada para o gado. Mas é prejudicial para o aparelho gastrointestinal de animais não-ruminantes, causando problemas nas articulações. Por causa disso, sem se movimentar para comer, acabam subnutridos.
Auxílio emergencial
Em novembro, os atingidos foram surpreendidos com a informação de que a Fundação Renova não forneceria mais o alimento. E que em vez disso iria depositar o valor do auxílio emergencial da alimentação animal em conta. “Quando a Renova queria dar o dinheiro, aí ficou muito tempo sem a silagem aqui”, afirma Marta.
A Fundação recuou após forte crítica das famílias atingidas, que conseguiram um acordo junto ao Ministério Público para que a medida fosse aplicada apenas para quem quisesse. Na ocasião, ela também se comprometeu a não deixar faltar alimento para os animais.
A promessa não foi cumprida, segundo a Cáritas. Em 10 de dezembro, a Fundação Renova não entregou o alimento aos atingidos, alegando que não tinha contratos de fornecimento vigentes e que seria necessário cotação, contratação de fornecedor, entre outras ações que não foram feitas em tempo hábil.
Para completar, a infraestrutura dos terrenos em que muitas famílias foram alocadas “provisoriamente” apresentam erosões, pastos subdimensionados, problemas com cercas e currais ou estão distantes de onde as criações foram alocadas. Em ambos os casos, a criação dos animais fica prejudica, assim como a geração de renda da família, agravando o endividamentos dos atingidos.
Para a família de Marta, o lugar inapropriado para a criação é um dos maiores problemas. “Não tem lugar de guardar o trato, porque a Renova não fez o curral pra nós ainda. A silagem tem que colocar no tempo e tampar com plástico. Eles argumentam que enquanto não fizer nossa casa não pode fazer nosso curral”, indigna-se a atingida.
Renova deixou animais para trás
Outra queixa é que a Renova ignora a relação entre as pessoas e seus animais. É o caso da família Cerceau, que se mudou de Paracatu de Baixo em 2019. Ao ajudar no transporte dos animais, a Fundação deixou para trás cinco galinhas, alguns pintinhos e uma pata que estava chocando.
“Não voltaram para buscá-los. Alguns pintinhos morreram no transporte e nunca perguntaram qual o valor dos animais que morreram e ficaram para trás”, relata Naife Cerceau.
Mesmo tendo solicitado, a família nunca recebeu a silagem. O0s animais ficaram desnutridos e com baixa produção de leite. “O sítio que estamos hoje não tinha estrutura para alimentação e manuseio do gado, tivemos que improvisar e comprar o alimento do nosso bolso, estourando o orçamento familiar”, disse a atingida.
Há também animais em risco em uma fazenda em Barra Longa, sob responsabilidade da Fundação Renova. Segundo relatos, os animais estão magros, sem aparo da crina, com casco desgastado e sem doma, o que os torna mais agressivos com o tempo.
A dificuldade de convivência dos proprietários com suas criações ficou ainda maior durante a pandemia da Covid-19. Essa situação é um fator de sofrimento para as pessoas, como Claudiano dos Santos, atingido de Bento Rodrigues, que recebeu uma foto de um dos seus cavalos com ferimentos no olho. Dias depois, ficou cego. A desconfiança é de que o cavalo tenha ficado no mesmo piquete com outro garanhão, o que não é recomendado. Até agora, a Renova não deu nenhuma explicação a Claudiano.
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Fonte: RBA