A escritora Amelina Chaves, falecida na semana passada aos 92 anos de idade, deixa um legado literário que merece ser estudado e pesquisado. Sem dúvida, trata-se de uma das mais significativas expoentes da escrita feminina produzida no norte de Minas Gerais. Em 2019, como membro docente, tomei a iniciativa de apresentar ao Conselho
Universitário da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes -, proposta de concessão do título de Doutora Honoris Causa a essa aguerrida escritora.
O Regimento Geral da Unimontes estabelece que o referido título – considerado o mais expressivo reconhecimento universitário – pode ser concedido apenas a personalidades que tenham se destacado e contribuído para o desenvolvimento da sociedade. Isto, levando-se em consideração a atuação nos mais diversos campos como
a ciência, a literatura, a arte de um modo geral, a educação, a cultura, a política, a promoção da paz e outras formas de intervenção social. Assim, devido à relevância literária, educacional e cultural do conjunto da obra de Amelina Chaves, o Conselho Universitário aprovou, por unanimidade, a minha iniciativa.
Muito emocionada, Amelina em seu pronunciamento durante a solenidade de outorga do título, ocorrida aos 16 de outubro de 2019, sintetizou com humildade o seu sentimento naquela ocasião: “a minha alma está de joelhos”. Ao longo da sua vida dedicou-se incansavelmente ao ofício de representar, através da arte da palavra, aspectos consideráveis da condição humana, sobretudo associados ao homem do sertão e aos valores culturais da região norte-mineira, proporcionando assim uma maior compreensão da história do nosso povo.
Autora de mais de trinta livros, Amelina Chaves ousou escrever explorando variados gêneros literários (romance, conto, poesia, biografia, literatura infantil…).
Dentre às suas publicações, destacam-se: “Diário de um marginal”, “Jagunços e coronéis”, “Andarilho do São Francisco”, “Os olhos da noite”, “Livro Proibido”, “O câncer da vingança”, “O rancho da lua”, “Poemas da solidão”, “O flagelado”, “Folclore, quitutes e amor: contos e receitas de comidas típicas regionais”, “Príapo de Ébano”, este
último indicado para o PAES/Unimontes (3ª etapa)/2019. Merecedores de destaque também são os seguintes livros biográficos de sua autoria: “Hermes de Paula: passado e presente”, “O eclético Darcy Ribeiro”, “Téo Azevedo: catrumano 70”, “João Chaves: eterna lembrança”. E ainda as obras infantis “Ventania, um cachorrinho sonhador” e “O menino que sonhava com as estrelas”.
Vale lembrar que Amelina Chaves, nascida na vila do Sapé em 1931 – então localidade de Francisco Sá e, posteriormente, de Capitão Enéas -, mesmo diante das dificuldades impostas pela vida, conseguiu conciliar a dedicação à sua numerosa família com as atividades literárias. A escritora pertenceu à Academia Montes-clarense de Letras, à Academia Feminina de Letras de Montes Claros, ao Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e à Associação dos Poetas e Repentistas do Norte de Minas, tendo sido a sua primeira presidenta. Além disso, fez parte de importantes mobilizações voltadas para a defesa das artes e das letras. Ainda na mocidade, atuou como professora na alfabetização de crianças, jovens e adultos.
Amelina Chaves desenvolveu um notável talento para a criação literária desde cedo. Os personagens das suas narrativas eram construídos com muito engenho e sensibilidade. Temas de extrema importância foram aludidos por ela. Transgressora, soube dar voz às mulheres silenciadas pela concepção patriarcal da sociedade, rompendo tabus, decantando o desejo, o amor e a paixão, através das marcas libertárias da sua literatura. Li com atenção grande parte dos escritos de Amelina e, de modo especial, considero “O andarilho de São Francisco” um enredo primoroso.
(*) Escritor, poeta e professor da Unimontes.