Enquanto o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes toma conta das conversas entre as pessoas em todo o país, nos salões refrigerados dos prédios da Justiça, em todo o país, os senhores magistrados e promotores faziam sua “greve” em defesa do auxílio-moradia indiscriminado e de reajustes dos vencimentos que, nas palavras do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, “hoje estariam em R$ 47 mil”.

Pobres coitados, chegam a dizer que estão sendo perseguidos.

É o escárnio escancarado em um país que tem juízes – e muitos, quase 20 mil – e não tem Justiça e que tem outros milhares de promotores de Justiça que não a promovem, preferindo dedicar-se à uma espécie de cruzada moralista que perdeu todos os cuidados com a honra alheia e que transforma julgamentos em linchamentos.

É o deboche à inteligência humana, que se soterra ante a histeria de quem diz que uma sociedade que encarcera 700 mil pessoas, quase, tem de resolver seus problemas imensos de segurança prendendo mais gente e por mais tempo.

Poucos e raros dos “gravatinhas” que querem ganhar quase R$ 50 mil, afora “penduricalhos”, tiveram a coragem trágica de agir, com a energia devastadora que agem quando se trata de criminalizar a política quando lhes caíam às mãos, às centenas, indícios de que as corporações policiais estavam infestadas até a medula por esquemas de controle do tráfico de drogas, de armas, de contrabando, de todos os ilícitos que se possa imaginar.

Um destes casos, todos recordam, foi o da juíza Patrícia Acioli, assassinada com 21 disparos, aqui perto de casa, por ter sido a responsável pela prisão de cerca de 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio.

Se houvesse no país um Ministério Público digno deste nome, o Ministro da Justiça seria chamado a explicar-se por ter dito, com todas as letras, há seis meses, que comandantes de batalhões da PM fluminense eram “sócios do crime organizado”.

Quem pode garantir que não veio de um destes sócios o medonho comando para a morte de Marielle, que deixa pendurado no pincel o general interventor da Segurança e suas anunciadas – apenas anunciadas – intenções de moralizar a polícia. Pois não foi preciso atravessar a distância entre intenção e gesto para que lhe jogassem um cadáver aos pés.

Num caso com tudo para ter toda a imensa repercussão que está tendo aqui e lá fora e que mostra o quanto é estúpida e constrangedora a tática primária de “fichar pelo celular” os moradores desta ou daquela favela.

Os juízes gulosos, os policiais corruptos que comandam ou se associam às drogas e armas, os políticos que se associam a este jogo hipócrita de pedir mais penas e mais balas sobre os “bagrinhos do crime” e a mídia que despertou a corja de imbecis que se regojizam nos sites e redes da internet por ter sido assassinada uma mulher a quem, por defender pobres, chamavam de defensora de bandidos são todos parte do cinismo dominante da sociedade brasileira.

Eles são o caldo podre de uma cultura de repressão e de morte, cujos antídotos – a justiça social, a educação, a polícia e o judiciário que ajam sobre as causas e não sobre o varejo das consequências da criminalidade – se tornaram “malditos”.

O crime, afinal, é um bom negócio para eles: garante-lhes os empregos, o reconhecimento dos salões, o “faz diferença”.

Portanto, que se elimine qualquer um que tente tornar este país um pouco menos dividido.

Fernando Brito é editor do Tijolaço

O Brasil das elites pode ser bem vestido, bem banhado, perfumado. Mas como fede.

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