O ministro Luis Roberto Barroso defende o sistema eleitoral, alvo de ataques do presidente
Presidente do TSE afirma que Brasil é vítima de chacota e desprezo perante o mundo
Em pronunciamento para anunciar o Conselho de Transparência das Eleições, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, fez duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro, atribuindo ao chefe do Executivo a prática de mentiras e um populismo irresponsável que envergonha o país perante outras nações.
“Todos sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história”, declarou o ministro. “Quando fracasso bate à porta, é preciso encontrar culpados.” O magistrado destacou que não se pode “permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral” que o país vive. “A democracia tem lugar para conservadores liberais e progressistas. O que nos une é o respeito à Constituição. A democracia só não tem lugar para quem pretende destrui-la”, afirmou.
Além do tom duro, outro fator que aproximou o discurso de Barroso no TSE com o do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, de quarta-feira (8), foi a citação direta a Jair Bolsonaro, que insuflou seus apoiadores contra as instituições do Judiciário e prometeu desrespeitar decisões judiciais que venham a ser emitidas pelo ministro Alexandre de Moraes, integrante das duas cortes. O presidente do Supremo lembrou que o desacato a ordens da Justiça é crime de responsabilidade, que pode ensejar a abertura de processo de impeachment.
Barroso rebateu enfaticamente as afirmações de Bolsonaro, como a de que ele não poderia “participar da farsa patrocinada pelo presidente do TSE”. O ministro lembrou que o chefe do Executivo repete, incessantemente, as alegações de supostas fraudes na eleição que o alçou ao Palácio do Planalto, sem ter apresentado nenhuma prova, mesmo quando foi instado formalmente pela corte eleitoral – “teórica vazia”, “política de palanque”, classificou.
Barroso defendeu o sistema eleitoral, alvo de constantes ataques do presidente, que nunca apresentou provas de possíveis falhas. “Já começa a ficar cansativo no Brasil ter que repetidamente desmentir falsidades para que não sejamos dominados pela pós-verdade, pelos fatos alternativos, para que a repetição da mentira não crie a impressão de que ela se tornou verdade. É muito triste o ponto a que chegamos”, disse Barroso, insistindo, em seu discurso, nas mentiras e na prática de difamação do sistema legítimo por parte do mandatário.
Barroso voltou a garantir a segurança das urnas eletrônicas e a rebater o voto impresso, proposta já derrotada na Câmara dos Deputados, mas que voltou à pauta bolsonarista nos atos do 7 de Setembro. “O sistema é certamente inseguro para quem acha que o único resultado possível é a própria vitória. Como já disse antes, para maus perdedores não há remédio na farmacologia jurídica”, disse.
Barroso destacou que presidente do STF, ministro Luiz Fux, já se manifestou em relação aos ataques com o rigor que se impunha. “A mim, cabe, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, apenas rebater o que se disse de inverídico em relação à Justiça eleitoral. Faço isso em nome dos milhares de juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo. Não o da retórica de palanque, mas o do trabalho duro e dedicado e que não podem ficar indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira”, disse Barroso.
Acusações sem fundamento
Em seu discurso, o presidente do TSE elencou seis acusações infundadas proferidas por Bolsonaro contra a Justiça Eleitoral e seus integrantes durante os atos de 7 de setembro, como a suposta possibilidade de fraude eleitoral devido ao sistema de votação eletrônico utilizado atualmente e a necessidade da adoção do voto impresso auditável para solucionar manipulações jamais comprovadas. De forma objetiva e firme, Barroso desmentiu cada uma das falas do presidente.
“O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser ‘conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará'”, disse. “Quando o fracasso bate à porta, porque esse é o destino do populismo, é preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, a imprensa, ou os tribunais”.
Ao rebater as bravatas de Bolsonaro sobre o voto impresso, por exemplo, Barroso sinalizou, mais uma vez, que a contagem pública manual de votos “seria um retorno ao tempo da fraude e da manipulação”. “Contagem pública anual de votos é como abandonar o computador e regredir não à máquina de escrever, mas à caneta tinteiro. Se tentam invadir o Congresso Nacional e o STF imaginasse o que não fariam com as sessões eleitorais”.
“Uma das manifestações do autoritarismo pelo mundo afora é a tentativa de desacreditar o processo eleitoral e as instituições eleitorais para, em caso de derrota, poder alegar fraude e deslegitimar o vencedor”, disse Barroso. “O extremismo tem se valido de campanhas de ódio, desinformação, meias verdades e teorias conspiratórias, que visam a enfraquecer os fundamentos da democracia representativa”.
O presidente do TSE também criticou os excessos de Bolsonaro e os constantes ataques à democracia. “Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre neste momento, triste dizer isso, uma desvalorização global. Não é só o real que está desvalorizando. Somos vítima de chacota e de desprezo mundial”, afirmou. Para ele, o Brasil sofre com “um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que desmatamento da Amazônia, do número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos”.
Reações em conjunto
As reações dos ministros de tribunais superiores têm sido cada vez mais contundentes diante dos ataques incessantes que partem do Palácio do Planalto. Em agosto, o presidente do STF desmarcou a reunião entre os líderes dos Poderes para selar um acordo de paz, pois, segundo ele, Bolsonaro não está interessado no diálogo e não cumpre com a sua palavra.
Os chefes do Executivo e da mais alta corte do Judiciário estiveram juntos em julho. Na ocasião, o presidente se comprometeu a moderar o discurso e cessar os ataques, mas pouco tempo depois descumpriu o acordo.
Com a ocupação da Esplanada dos Ministérios por bolsonaristas remanescentes do 7 de setembro, os corredores do STF passaram a ser ocupados por dezenas de policiais de tropas de elite, fortemente armados, para fazer a segurança da sede do tribunal. Os ministros também precisaram ter a segurança pessoal reforçada.
Os ataques e ameaças tiveram como efeito a coesão dos magistrados nas respostas a Bolsonaro. Assim que Barroso finalizou o seu discurso, o vice-presidente do TSE, Edson Fachin fez questão de frisar que as palavras dos ministros representam todos os integrantes do tribunal. O vice-procurador-geral da Justiça Eleitoral, Paulo Gonet Branco, também se manifestou em defesa da democracia e rechaçou ataques ao Judiciário.
Dom Total