– STF dá sinal de reação contra autoritarismo presidencial –
O presidente Jair Bolsonaro está desconstruindo o Brasil. As ações objetivam destruir políticas públicas construídas desde a redemocratização em 1985 e, especialmente, pela Constituição de 1988.
Bolsonaro foi claro num jantar na nossa embaixada em Washington, em 17 de março, quando disse: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que descontruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz”.
Ontem, o presidente da República atacou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, criada por lei em 1995, substituindo 4 de seus 7 membros. Fez isso após mentir a respeito das conclusões da Comissão da Verdade e sobre um desaparecido de 64, Fernando Santa Cruz _pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.
A estratégia é clara: enfraquecer as instituições para facilitar arroubos autoritários. O objetivo de Bolsonaro é aparelhar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, tentando reescrever a História.
No livro “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levistsky e Daniel Ziblatt, está bem descrito o modo de agir dos autocratas e demagogos como Bolsonaro: “Se o público passa a compartilhar a opinião de que oponentes são ligados ao terrorismo e de que a mídia está espalhando mentiras, torna-se mais fácil justificar ações empreendidas contra eles”.
Além da comissão sobre vítimas da ditadura, Bolsonaro atacou recentemente o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Já bombardeou o IBGE (Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística) e outros órgãos federais. Sempre que se sente contrariado pelos números, Bolsonaro mente a respeito das entidades que apontam os dados.
Ontem, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a medida provisória de Bolsonaro que tirava da Funai e colocava no Ministério da Agricultura as atribuições de demarcar reservas indígenas. Foi uma derrota unânime, com direito a voto duro do ministro Celso de Mello.
O decano do STF disse que, na “intimidade do poder”, Bolsonaro mostra “resíduo indisfarçável de autoritarismo”. Afirmou que o presidente precisa respeitar a separação entre os Poderes da República e obedecer à Constituição. Foi um recadaço. É um sinal de reação do nosso sistema de freios e contrapesos.
Absolutamente ilegal
O direito tem regras, como a competência jurisdicional, para evitar que o cidadão sofra ação persecutória do Estado. O cidadão não pode ser investigado por qualquer juiz ou procurador.
No caso dos ministros do STF, a investigação tem de ser pedida pela Procuradoria Geral da República. Não cabe a procurador da República da primeira instância da Justiça Federal agir assim.
Mas foi o que o Deltan Dallagnol fez, segundo reportagens da “Folha de S.Paulo” e do “Intercept Brasil”. Um ministro do STF vê abuso de autoridade e prevaricação de Dallagnol.
Por tudo o que já foi publicado com base no arquivo do “Intercept Brasil”, Dallagnol já deveria ter sido afastado da função de procurador da República. Procurador não pode agir como justiceiro. Não se combate crimes cometendo crimes.
A Procuradoria Geral da República, que tem poderes correcionais, deveria agir, mas a omissão tem sido uma aparente moeda de troca a alimentar ambições carreiristas nesse órgão.
Ouça o comentário sobre Dallagnol a partir dos 4 minutos e 23 segundos no áudio que está no fim do texto.
Caroço nesse angu
O escândalo que agita a imprensa do Paraguai a respeito da venda de energia da usina de Itaipu pode respingar no PSL, o partido do presidente da República. Isso ajuda a explicar a pressa em anular um acordo feito em maio entre os dois países.