Por Lucas Mourão – Via Portal UAI
Se existe uma obra épica, que retrata bem a identidade do mineiro das Gerais e do sertão, essa obra se chama “Grande Sertão: Veredas” do ilustre e icônico João Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo, cidade que fica a aproximadamente 115 km de Belo Horizonte, e um dos portais do Cerrado mineiro. Esse romance, publicado em 1956, retrata a história do jagunço Riobaldo, seus conflitos, jornadas e angústias existenciais no meio da paisagem do Sertão, no norte do Estado. Mas do que se trata, exatamente, as veredas, que são elemento pictórico central tanto no título quanto no conteúdo do livro?
A vereda é um tipo de vegetação de Cerrado, nossa “savana brasileira”, que tem como principal distintivo a presença frequente do buritizeiro, a palmeira do buriti, sábia palmeira que pode viver até 400 anos de idade, sobressaindo sobre a vegetação mais rasteira (ele pode atingir até 40 metros de altura!) e sempre acompanhando cursos d’água, principalmente nascentes (olhos d’água) ou em bordas de cabeceira de matas de galeria, onde ficam o início do curso dos rios. Por isso que, geralmente, onde se vêem buritis, se diz que há indício de muita água por perto. São os verdadeiros indicadores de água nos sertões.
Mas, além de ser um indicador de água, o que mais de especial tem o buriti?
Dele tudo é aproveitado! De suas folhas são feitas palhas para artesanato, na forma de cestas, tapetes, pequenos caixotes, etc. Do seu tronco são feitos pequenos barcos, canoas e alguns móveis. Sua seiva pode gerar um “vinho” fermentado, similar aos “palm wines” encontrados no Sudeste Asiático, produzidos com as palmeiras típicas de lá. Seu palmito é comestível, mas a sua retirada mata a planta. Seu fruto é super consumido pelos povos do Sertão e também da Amazônia, onde também é nativo, ao natural, simplesmente raspando a polpa com os dentes, ou desidratando (as famosas raspas de buriti, que depois podem ser reidratadas), fazendo doce, paçoca, geleia, picolé, sorvete, suco fermentado, moqueca… São inúmeras as possibilidades! Do fruto também se extrai um óleo magnifico de cor vermelha, mais conhecido pelo seu uso cosmético, mas que também possui vários usos alimentícios. Ao quebrar o fruto, encontramos sua amêndoa esbranquiçada, igualmente comestível. Pelo seu lado medicinal, seu óleo é usado contra queimaduras de pele e como cicatrizante, além de ser um ótimo hidratante para a pele. Tem alto teor de vitamina C e vitamina A (3 vezes mais que o dendê!), é rico em calorias, cálcio, ferro e fósforo.
É realmente uma joia dos nossos sertões esse pequeno fruto que parece uma escama de peixe! Não é a toa que o nome buriti, que vem do tupi-guarani “mbiriti” significa “árvore da vida”*, muito valorizado e usado por nossos irmãos indígenas desde antes da chegada dos portugueses em solo brasileiro. No entanto, sua existência e riqueza de usos é praticamente desconhecida pelos jovens e populações das grandes cidades mineiras, exceto onde se encontra buriti com facilidade. Infelizmente, as áreas buritizeiras estão cada vez menores, devido ao avanço da agropecuária e das monoculturas de soja e milho pelo Cerrado mineiro.
Em minhas oficinas sobre biodiversidade, sempre levo raspas de buriti e pergunto aos participantes se conhecem o fruto e seus usos. São raras as vezes em que há conhecimento do fruto, o que mostra uma situação preocupante! De outro lado, o fruto também é pouco explorado no comércio mineiro, e um bom exemplo disso é que no Mercado Central, vitrine das mineiridades, encontra-se doce de buriti em apenas duas lojas – e este sequer é produzido em solo mineiro, pois vem do Piauí!
A esperança é de que, em um breve futuro, sejam comercializados e divulgados cada vez mais o buriti e seus subprodutos, dessa forma estimulando um comércio que além de contribuir para colorir e nutrir pessoas ainda fortalece a preservação dessas incríveis palmeiras e de toda a cultura que as envolve. Afinal, o buriti permeia vários locais que conhecemos ou já ouvimos falar. Só para citar alguns exemplos: o bairro Buritis na capital belorizontina, a cidade de São José do Buriti, no centro do Estado, a cidade de Buritis, na divisa de Minas com Goiás, e outras tantas cidades pelo Brasil levam ou Buriti ou Miriti (seu outro nome popular) na sua denominação.
- Lucas Mourão
Educador e paisagista. Formado em Relações Econômicas Internacionais, se encantou com a Agroecologia em 2015, e desde então trabalha com o tema através de cursos, oficinas e consultoria direcionadas ao conhecimento e uso das plantas alimentícias não convencionais (PANC) na alimentação e nos jardins. É diretor e idealizador da Jaca Verde Panc, por meio da qual trabalha a agroecologia e biodiversidade através da educação.