Desmatamento no Cerrado caiu 33% em 2024, mas ainda é elevado

Apesar da redução, área desmatada é maior que o Distrito Federa O desmatamento no Cerrado caiu 33% em 2024, na comparação com o ano anterior, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e divulgados nesta quinta-feira (6). A supressão vegetal no segundo maior bioma do país atingiu 712 mil hectares no ano passado. Em 2023, foram 1 milhão de hectares de mata desmatados. Apesar da redução, pesquisadores alertam que a área total desmatada ainda é muito elevada. Esses mais 700 mil hectares de mata nativa perdida equivalem a uma área maior do que o Distrito Federal. “A queda do desmatamento no Cerrado em 2024 possivelmente representa um efeito das políticas de combate e controle implementadas neste último ano. Apesar da redução, a área total desmatada segue nos patamares elevados quando comparamos com a série histórica e também com o desmatamento em outros biomas, como a Amazônia. Por exemplo, tivemos por volta de 700 mil hectares desmatados no Cerrado nesse último ano. Já na Amazônia foram 380 mil hectares desmatados no mesmo período. Quase duas vezes menos”, afirma Fernanda Ribeiro, pesquisadora do Ipam e coordenadora do SAD Cerrado. Atualmente, cerca de 62% da vegetação nativa do Cerrado está dentro de propriedades rurais privadas, submetidas às regras do Código Florestal, que permitem o desmatamento de até 80% da área total. A maior parte do desmatamento ocorreu justamente nessas áreas particulares. Para efeito de comparação, na Amazônia Legal, por exemplo, a lei permite o desmatamento de, no máximo, 20% da área. O respaldo legal para uma expansão maior do desmatamento no Cerrado ameaça mais o bioma com secas prolongadas e clima mais extremo, reforça o Ipam. Os dados do SAD Cerrado confirmam uma tendência de queda verificada pela taxa oficial de desmatamento do Cerrado, que registrou redução pela primeira vez nos últimos cinco anos, entre agosto de 2023 e julho de 2024, segundo informou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no fim do ano passado. O levantamento do Inpe é feito por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento no Cerrado por Satélite (Prodes Cerrado), em que a detecção alcança precisão de 10 metros sobre corte raso e desmatamento por degradação progressiva, como incêndios. Onde mais se desmata A fronteira do Matopiba – acrônimo que define a região formada por partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – concentrou 82% de todo o desmatamento no Cerrado em 2024, totalizando 586 mil hectares perdidos. Essa é a área atual de expansão das lavouras agrícolas em áreas do Cerrado e, por isso, têm liderado os índices de supressão da vegetação original. O destaque negativo é o Maranhão que, apesar de uma redução de 26% na área desmatada, foi responsável por 225 mil hectares perdidos, um terço de todo o Cerrado desmatado durante 2024, segundo o Ipam. O Tocantins vem em seguida como o segundo estado onde mais se desmatou ano passado, com 171 mil hectares de vegetação nativa suprimidas. A área representa uma queda de 26% na comparação com 2023. No Piauí, foram derrubados 114 mil hectares, 12% a menos do que em 2023. Já na Bahia, o Cerrado perdeu 72 mil hectares no ano passado, uma redução de 54%. Para a pesquisadora do Ipam, o Matopiba é a região do Cerrado com maior número de propriedades privadas com vegetação nativa remanescente, mas passível de supressão por autorizações legais. “Isso evidencia a necessidade de outros instrumentos que vão além das políticas de combate e controle. A mudança desse cenário depende de um maior engajamento com o setor privado, além de ações de ordenamento territorial e instrumentos econômicos e regulatórios como vemos na Amazônia”, aponta Fernanda Ribeiro. Municípios Os 10 municípios com maior área de Cerrado desmatada em 2024 estão localizados no Matopiba, sendo cinco no Maranhão, três no Tocantins, dois no Piauí e um na Bahia. Somados, totalizam 119 mil hectares desmatados, ou 16,7% de tudo que foi derrubado no bioma em 2024, de acordo com o projeto SAD Cerrado. No coração do Matopiba, a proximidade de municípios com mais desmatamento também chama a atenção. Juntos, os municípios vizinhos de Balsas (MA), Alto Parnaíba (MA), Mateiros (TO) e Ponte Alta do Tocantins (TO) são os quatro primeiros da lista com maior desmatamento registrado, totalizando 61 mil hectares desmatados, cerca de 10% da área desmatada no Matopiba. Depois das áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR) registrados, as áreas sem posse definidas são as que mais registram desmatamentos no Cerrado, correspondendo a 10% do total. O SAD Cerrado também identificou porções de áreas em unidades de conservação, que responderam por 5,6% do desmatamento do Cerrado em janeiro, totalizando 39 mil hectares suprimidos. As principais áreas protegidas atingidas também foram aquelas localizadas no Matopiba, como a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, que perdeu 12 mil hectares para o desmatamento, e o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, que teve 6,7 mil hectares desmatados. O SAD Cerrado é um projeto de monitoramento mensal e automático que utiliza imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia. A confirmação de um alerta de desmatamento é realizada a partir da identificação de ao menos dois registros da mesma área em datas diferentes, com intervalo mínimo de dois meses entre as imagens de satélite. O método é detalhado no site do SAD Cerrado, que também disponibiliza os relatórios de alerta, com filtros para estados, municípios, situação fundiária e intervalo de análise (Agência Brasil)
Tem mais veneno no seu prato: Brasil bate recorde de liberação de agrotóxicos em 2024

ENVENENADOS – Aumento foi de 19% em relação a 2023, quando o país registrou queda no registro de novos produtos O Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos em 2024, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Foram 663 produtos aprovados, um aumento de 19% em relação a 2023, quando foram liberados 555 produtos. Naquele ano, houve redução no número de liberações. A maioria dos novos produtos aprovados são genéricos de outros agentes já liberados (541). Quinze novas substâncias foram aprovadas, assim como 106 produtos de origem biológica, os chamados “bioinsumos”. Para Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o acréscimo ainda não é consequência da nova lei de agrotóxicos, aprovada e sancionada em 2023 com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que a norma não está regulamentada. Ele opina que esses dados refletem a continuidade de um modelo de produção agrícola que ignora os efeitos do uso desses produtos químicos e prioriza a garantia de suas margens de lucro. “A curva dos novos registros vem apresentando aumento desde 2016, ano do golpe sobre a presidenta Dilma. Os dados de 2024 mostram apenas que esta tendência não se reverteu no governo Lula, pelo contrário, a estrutura de apoio ao agronegócio e às transnacionais agroquímicas segue firme e forte dentro do Executivo federal. Não estamos vendo ainda os efeitos da nova lei, pois ela ainda não está regulamentada; é apenas a continuidade de uma política de incentivo agronegócio, às exportações de produtos primários e à desindustrialização”, disse o pesquisador e ativista. Pedro Vasconcelos, assessor da Fian Brasil, concorda que ainda é cedo para atestar que o recorde na liberação de agrotóxicos tenha a ver com a aprovação da nova lei, mas pondera que a aprovação e sanção da nova legislação fortaleceu o papel do Mapa e enfraqueceu as demais instituições envolvidas no processo de análise e aprovação de novos registros. “A nova lei deu uma segurança jurídica para que o Ministério da Agricultura tenha a palavra final”, critica Vasconcelos. A nova lei dos agrotóxicos, além de encurtar os prazos de análises dos produtos, retirou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o poder de veto sobre a liberação dessas substâncias, cabendo a essas instituições apenas a classificação de risco dos produtos. Desta forma, a decisão passa a estar concentrada no Ministério da Agricultura, que já se manifestou publicamente contra qualquer medida que vise a redução do uso de agrotóxicos no Brasil. Vasconcelos avalia que os dados de 2024 revelam o tamanho a contradições internas do próprio governo que, embora já tenha se posicionado contra o abuso dessas substâncias, encontra forças contrárias a qualquer movimento no sentido de restringir o uso dos agrotóxicos no Brasil. “A meu ver, esse número de registros é o registro de uma de uma dificuldade muito grande na pauta, a ponto de não assumir de verdade um posicionamento contrário.” Os pesquisadores alertam que esse modelo de produção agroalimentar tem levado o país à perda de área cultivada de alimentos que não são de interesse do agronegócio, que priorizam commodities para exportação. A situação agrava o quadro de insegurança alimentar no país. “Uma das consequências desta escolha é a alta do preço dos alimentos, já que a soja vem tomando lugar das plantações de comida”, afirma Tygel. “Tudo isso faz com que a população sofra os efeitos de um sistema que está destruindo. Está destruindo nossas formas de produção, a gente está comendo comida envenenada, e o nível de produtividade cai a cada momento, graças a esse modelo. É um ciclo. O nível de produtividade cai, as questões climáticas impactam cada vez, então é um modelo muito pouco adaptável, do ponto de vista climático”, avalia Vasconcelos. Novos venenos Entre as novas substâncias liberadas para uso no Brasil, duas receberam a categoria 2 na classificação toxicológica da Anvisa, como “altamente tóxico”. O Orandis, produto a base de Clorotalonil e Oxatiapiprolim, atua como fungicida e é indicado para pequenas culturas. Já o Miravis é um composto de Clorotalonil e Pidiflumetofem. Também atua como fungicida e é usado em grandes cultivos de soja, milho, algodão e trigo. Ambos são produzidos pela Syngenta. Segundo informações dos fabricantes, a inalação dos produtos pode levar a óbito, além de provocar reações alérgicas e lesões oculares em caso de exposição indevida. Sua comida está envenenada A liberação massiva de sustâncias químicas para uso agrícola se reflete na qualidade da alimentação dos brasileiros e tem consequências graves à saúde. Os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) no ano de 2023, realizado pela Anvisa, revelaram que cerca de 26% dos alimentos consumidos pelos brasileiros possuem resíduos de agrotóxicos no momento do consumo. E desses resíduos, pelo menos cinco possuem restrições e proibições em outros países, incluindo o Carbendazim, que tem uso proibido no Brasil desde 2022. Apenas nas amostras de arroz, foram encontrados 25 agrotóxicos tipos diferentes de agrotóxicos. Já no abacaxi, foram identificadas 31 substâncias residuais, entre elas, o glifosato, ingrediente ativo proibido em diversos países da União Europeia, a partir de estudos que o relacionam com a incidência de diversos tipos de cânceres. Outro produto que vem sendo utilizado em larga escala e que também foi encontrado em amostras de alimentos, como a goiaba, é o clorpirifós, que está associado a distúrbios neurológicos, malformação de fetos e ocorrências de abortos espontâneos. Diante desse panorama, a toxicologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Karen Friedrich reconhece o trabalho técnico da Anvisa, mas aponta limitações. “Um agrotóxico pode causar um problema ou pode não causar nada ou pode causar muito pouco, mas esse coquetel, a chance de isso interagir e potencializar os danos é muito grave”, avalia.
Programa de Aceleração da Transição Energética foi sancionado nesta quarta-feira

Nova lei facilita acesso ao crédito para projetos sustentáveis, estimula a modernização da infraestrutura energética e reforça o papel do Brasil no combate às mudanças climáticas O Governo Federal sancionou, nesta quarta-feira (22/1), a lei que institui o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), uma iniciativa estratégica que reforça o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável e a liderança global na descarbonização. O Programa, que terá a adequação dos projetos coordenada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), é um marco na promoção de tecnologias limpas e na ampliação da matriz energética renovável. Representando o Brasil do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destacou a importância da nova lei para avançar nos compromissos de descarbonização firmados pelo Brasil. “O Paten reafirma o compromisso do nosso país com a liderança global na transição energética, trazendo inovação e desburocratizando o acesso a financiamentos de projetos de energia de baixo carbono”, comentou. O Paten viabiliza o acesso a crédito para empresas que possuem valores a receber da União, como precatórios e créditos tributários, para financiar projetos ligados à transição energética. O Fundo Verde, criado pela lei e administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), será a base desse financiamento, garantindo recursos para iniciativas de baixo carbono, sem a necessidade de garantias reais, o que reduz custos para os empreendedores. Entre as áreas contempladas pelo Programa, estão o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis, a valorização energética de resíduos, a modernização da infraestrutura de geração e transmissão de energia e a substituição de fontes poluentes por alternativas renováveis. Além disso, o Paten deverá estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de captura e armazenamento de carbono, hidrogênio verde, biogás e outras soluções de energia sustentável
Diplomata André Corrêa do Lago será presidente da COP30

Embaixador foi o principal negociador do Brasil nas últimas duas cúpulas do clima O embaixador André Aranha Corrêa do Lago será presidente da COP30, a conferência da ONU sobre o clima, que acontecerá em Belém, no Pará, no final deste ano. Corrêa do Lago conhece profundamente as dificuldades envolvidas nas negociações envolvendo o combate às mudanças climáticas, e, em entrevista a este blog, ele afirmou que o Brasil terá três desafios principais na COP30. O primeiro deles é a revisão das metas climáticas de todos os países que assinaram o Acordo de Paris, exatamente 10 anos depois de o tratado ter sido fechado na capital francesa. O segundo desafio diz respeito ao financiamento das ações contra as mudanças climáticas, um tema que gerou muitas discussões, mas poucos resultados nas últimas COPs, realizadas em Sharm el-Sheik, no Egito, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e em Baku, no Azerbaijão. Os países mais ricos e desenvolvidos precisam definir os valores que destinarão às nações em desenvolvimento para que eles também tenham condições de financiar suas ações climáticas. Afinal, os países ricos são os maiores responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, que provocam o aquecimento global. Nestes dois casos, a missão de Corrêa do Lago e do Brasil ficou muito mais difícil com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, anunciada na segunda-feira (20) pelo presidente Donald Trump. “Brasil tem que chegar unido à COP30”, diz embaixador | LIVE CNN O terceiro desafio é justamente a questão da criação do consenso mínimo nacional para que o país chegue menos dividido a Belém. “Eu acredito, como muitas outras pessoas, que nós temos que chegar unidos na COP. Tem vários temas relacionados às mudanças do clima que estão dividindo muito as pessoas do Brasil”, disse ele. “Então, eu acho que a melhor solução é o debate, a informação, para que, uma vez bem informados, pelo menos a gente possa chegar com o mesmo nível de informação e tão unidos quanto possível em Belém”, adicionou. Corrêa do Lago foi o principal negociador do Brasil nas últimas duas cúpulas do clima, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (em 2023) e em Baku, no Azerbaijão. Ana Toni será diretora-executiva da COP O governo confirmou também que a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, será a diretora-executiva da COP. Ana Toni é uma das mais respeitadas especialistas em mudanças climáticas e meio ambiente do Brasil, com muita experiência em negociações internacionais. Ela e Corrêa do Lago fizeram uma parceria muito importante durante a última COP, em Baku, quando ajudaram a criar uma solução para o impasse relacionado ao financiamento das mudanças climáticas pelos países ricos – que se recusaram a chegar às cifras de mais de US$ 1 bilhão em ajuda anual para as nações em desenvolvimento. Juntos, os dois ajudaram a criar o “road from Baku to Belém”, um conceito que abriu espaço para negociações com relação ao tema durante o ano de 2025. Eles participaram, representando o Brasil, das reuniões mais importantes das últimas COPs
Barulho exagerado é crime: STJ decide que poluição sonora não precisa de perícia

STJ reforça que o crime de poluição sonora prescinde de prova pericial, bastando o descumprimento das normas de emissão sonora para sua caracterização. A poluição sonora é um dos problemas ambientais mais recorrentes em áreas urbanas, afetando diretamente a qualidade de vida da população. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou recentemente que o crime de poluição sonora é de perigo abstrato, ou seja, não exige a comprovação de danos concretos à saúde humana por meio de perícia técnica para sua configuração. Essa decisão, proferida pela 5ª Turma do STJ, deu provimento ao recurso especial do Ministério Público de Minas Gerais, mantendo a imputação contra o proprietário de um bar acusado de ultrapassar os limites de emissão sonora previstos em normas regulamentadoras. O que diz a lei? O crime de poluição sonora está previsto no artigo 54 da Lei 9.605/1998, a Lei dos Crimes Ambientais, que dispõe: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.” A norma estabelece que a simples emissão de poluentes sonoros acima dos níveis permitidos já é suficiente para caracterizar o crime. Não é necessário provar que a saúde humana foi efetivamente prejudicada; o potencial para causar danos é o suficiente para configurar a infração. O contexto do caso O caso julgado pelo STJ teve origem em Minas Gerais, onde o proprietário de um bar foi acusado de poluição sonora por manter níveis de ruído acima do permitido pela legislação local. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) havia desclassificado a conduta, alegando que seria necessária uma perícia médica para comprovar que os barulhos causaram riscos concretos à saúde humana. No entanto, ao analisar o recurso, o STJ reafirmou que o crime é formal e de perigo abstrato. De acordo com o ministro relator Joel Ilan Paciornik, a jurisprudência do tribunal é clara: não é preciso apresentar provas periciais para demonstrar a capacidade do ruído de causar danos. O simples desrespeito às normas de emissão sonora já caracteriza o delito. O crime de perigo abstrato O entendimento do STJ segue a lógica do direito ambiental e penal, que privilegia a prevenção ao dano. No caso da poluição sonora, a lei presume que níveis excessivos de ruído têm o potencial de causar malefícios à saúde humana, dispensando a necessidade de comprovação individualizada. Especialistas apontam que a tipificação como crime de perigo abstrato é essencial para garantir a proteção da coletividade. “O ruído excessivo, além de ser uma perturbação, pode gerar efeitos graves, como estresse, insônia e até danos auditivos. Não se trata apenas de incomodar; é uma questão de saúde pública”, explica Edgar Bull, especialista em segurança e saúde no trabalho. A importância da decisão do STJ A decisão do STJ tem implicações importantes para a gestão ambiental e urbana. Ela fortalece o papel das normas regulamentadoras e das fiscalizações, uma vez que o foco está no cumprimento dos limites estabelecidos para emissões sonoras. “Se fosse exigida uma perícia em todos os casos, muitos crimes ambientais passariam impunes, dada a dificuldade de comprovar danos concretos a cada indivíduo afetado”, destaca Edgar. “A legislação ambiental não pode esperar que o dano se concretize; ela deve ser preventiva.” Implicações para estabelecimentos comerciais Com a reafirmação de que o crime de poluição sonora é formal, estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, precisam redobrar a atenção ao controle de ruídos. Isso inclui: Monitorar os níveis sonoros regularmente; Investir em isolamento acústico; Adotar horários rigorosos para eventos e apresentações ao vivo; Seguir as regulamentações locais sobre emissão sonora. O descumprimento dessas normas pode levar a sanções administrativas, como multas e suspensão de atividades, além de implicações criminais, como no caso analisado pelo STJ. A decisão da 5ª Turma do STJ reafirma o caráter preventivo e coletivo da legislação ambiental no Brasil. Ao dispensar a necessidade de perícia para configurar o crime de poluição sonora, o tribunal fortalece o combate a essa forma de poluição, garantindo que a saúde pública seja protegida sem burocracias desnecessárias. “A poluição sonora não é um problema menor; ela afeta comunidades inteiras e pode ter impactos profundos na saúde mental e física. O entendimento do STJ é um passo para responsabilizar aqueles que desrespeitam as regras e proteger o direito ao silêncio e ao bem-estar de todos”, conclui Edgar Bull. Edgar Bull – Engenheiro e Perito Judicial Especialista em Segurança do Trabalho Edgar Bull é Engenheiro Civil formado pela USP, pós-graduado em Engenharia de Segurança do Trabalho e Higiene Ocupacional e bacharel em Direito. Com uma trajetória sólida e ampla experiência em perícias judiciais, ele atua como perito nos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e 15ª regiões, além de ser membro ativo da Comissão de Perícias da OAB e professor de pós-graduação do SENAC. Responsável técnico pela EST da METRA (Medicina e Assessoria em Segurança do Trabalho), Edgar é referência em segurança do trabalho e avaliação de riscos, com um olhar especializado para a proteção dos trabalhadores e a conformidade legal das empresas.
Queimadas em alta em 2024 reforçam desafios climáticos e ambientais no Brasil

Dados do Inpe mostram pior índice desde 2010; seca histórica e gestão climática exigem medidas mais eficazes para preservação dos biomas brasileiros O ano de 2024 consolidou-se como um dos mais desafiadores para a preservação ambiental no Brasil, com 278.229 focos de incêndio registrados, segundo o BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento de 46% em relação a 2023 fez deste o pior resultado desde 2010, evidenciando o impacto de uma combinação de fatores climáticos e estruturais. Entre os biomas, a Amazônia e o Cerrado despontaram como os mais atingidos, respondendo por quase 80% das ocorrências. Na Amazônia, foram registrados 140.328 focos, o maior número desde 2007 e um aumento de 42% em relação ao ano anterior. No Cerrado, os 81.432 focos configuraram o pior cenário desde 2012, com crescimento de 60%. No Pantanal, o aumento foi ainda mais alarmante: 120%, alcançando 14.498 focos e agravando as condições de um bioma que ainda se recupera de incêndios históricos. Especialistas apontam que a seca prolongada, intensificada pelo fenômeno climático El Niño, potencializou os impactos. Mas as dificuldades de combate aos incêndios também são reflexo de problemas que antecedem o clima. O desmonte de órgãos de fiscalização e a flexibilização de normas ambientais, predominantes até 2022, deixaram um legado de fragilidade estrutural para conter a destruição. Diante do cenário crítico, o governo federal tem buscado reverter o quadro com uma série de iniciativas, como a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e a retomada de investimentos via Fundo Amazônia. Continue lendo após a publicidade “O ano de 2025 se iniciará com a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo já em funcionamento, o que garantirá o fortalecimento da articulação junto a estados e municípios, fator crucial para alcançar respostas mais céleres em relação aos incêndios”, explicou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O governo também têm colhido alguns resultados positivos. Em novembro de 2024, por exemoplo, o Inpe mostrou que houve redução da área desmatada na Amazônia. Dados do Prodes (Projeto do Sistema de Monitoramento dos Biomas Brasileiros) indicam que 6.288 km² de floresta foram desmatados ao longo de 2024, o que representa uma redução de 25,7% em relação a 2023, quando a Amazônia teve 8.174 km² quadrados de floresta desmatada. Segundo o instituto, esse foi o menor índice de desmatamento em área total dos últimos 9 anos. Uma das metas do governo Lula é zerar o desflorestamento na Amazônia até 2030. Belém do Pará sediará a COP30, principal evento da ONU (Organização das Nações Unidas) para o clima, em novembro deste ano. Em outra medida para conter a crise climática, o governo federal publicou em 24 de dezembro uma MP (Medida Provisória) para liberar crédito extraordinário de R$ 233,2 milhões para o atendimento da população atingida por incêndios e estiagem na Amazônia e no Pantanal. Cerca de R$ 5,1 milhões serão destinados ao Ministério de Minas el Energia para ampliação e aprimoramento dos SAH (Sistemas de Alerta Hidrológico) em operação na região amazônica. A medida visa a mitigar os impactos da crise hídrica. Além disso, o Ministério do Meio Ambiente usará R$ 118 milhões, por meio do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), para fortalecer a capacidade logística das equipes de fiscalização ambiental e das brigadas federais onde há maior incidência de focos de calor
Luta de Chico Mendes permanece viva nos 80 anos de seu nascimento

Neste 15 de dezembro, Chico Mendes completaria 80 anos. Em 1988, uma semana após fazer 44 anos, ele foi assassinado por Agência Brasil Neste 15 de dezembro, Chico Mendes completaria 80 anos, se em 22 de dezembro de 1988, uma semana depois de fazer 44 anos de idade, não tivesse sido assassinado a tiros de escopeta nos fundos da própria casa, em Xapuri, no Acre (AC), município cravado na Amazônia, região onde o sindicalista e ativista transformou a vida de muitas pessoas, que, como ele, nasceram e viveram na e da floresta. “Se a gente for olhar pela trajetória de vida do meu pai, com seus 44 anos, jovem e atravessado por tantos desafios, tendo tantas ideias e liderando processos tão complexos e ousados para a época. Se estivesse vivo, eu veria hoje uma Amazônia um pouco melhor de se viver, uma Amazônia mais preservada”, diz Ângela Mendes, a filha de Chico Mendes com a primeira esposa, Eunice Feitosa Mendes. Nascido no mesmo local de sua morte, Francisco Alves Mendes Filho traçou uma trajetória de vida curta e intensa. Com início duro e de poucas oportunidades no Seringal Porto Rico, onde trabalhou desde os 11 anos de idade, em vez de frequentar a escola. Só viu oportunidade de transformar a própria realidade nos seringais de condições análogas à escravidão. Até castigos físicos sofreu. Aos 16 anos, foi alfabetizado por Euclides Távora, um militante comunista cearense, refugiado político do governo Getúlio Vargas. Com o conhecimento que o letramento lhe possibilitou, Chico Mendes foi muito além, como recorda o amigo e também militante, Gumercindo Rodrigues, o Guma. “O próprio Chico dizia, eu pensei primeiro que eu estava defendendo a seringueira, depois eu pensei que eu estava defendendo os seringueiros, que estava defendendo a floresta, de repente eu descobri que eu estava defendendo o planeta, estava lutando pelo planeta”, diz. Uma luta marcada por inúmeros ‘empates’, uma das primeiras ferramentas usadas por Chico Mendes em suas batalhas diante das constantes ameaças de expulsão. A estratégia, criada pelo também seringueiro, Wilson Pinheiro, garantia a proteção da floresta e das seringueiras, de forma pacífica, por meio da reunião da maior quantidade possível de trabalhadores e suas famílias para ‘empatar’ em número e argumento com os desmatadores e, dessa forma, ‘empatar’, no sentido de impedir, o cumprimento da ordem dada pelos latifundiários. “Essa prática se tornou bastante forte na região de Brasileia (AC) e foi conduzida com bastante maestria pelo Wilson Pinheiro, a primeira grande liderança de trabalhadores rurais, assassinado dia 21 de julho de 1980. Exatamente por causa de sua grande capacidade de mobilização e de resistência, ele fez parte dessa criação do empate lá atrás”, conta Guma. Novas ferramentas de mobilização foram sendo construídas por Chico Mendes, como a Aliança dos Povos da Floresta, um movimento social que reuniu extrativistas, indígenas, ribeirinhos e outros povos tradicionais; na década de 1980. A criação do Conselho Nacional dos Seringueiros e do conceito das reservas extrativistas (Resex) foram outras formas de fortalecer a luta do ambientalista na coletividade e no vínculo com os territórios. Para Ângela, com a ideia de regularização das áreas onde os seringueiros moravam, em um processo onde o cuidado com o ambiente era associado ao modo de vida dos povos tradicionais, Chico Mendes “abre as portas para uma modalidade que permite a presença das pessoas na floresta. E hoje já está mais do que provado que as pessoas, as populações tradicionais, têm uma relação harmoniosa com o seu território, de guardião desse território, de guardião de uma ancestralidade também. Então é uma outra relação”, destaca. Inspiração A chegada das escolas nos seringais, por meio do Projeto Seringueiro, com metodologia para adultos baseada nas ideias de Paulo Freire, também teve, na sua origem, a experiência de alfabetização tardia vivida por Chico Mendes. A iniciativa implantada por universitários liderados pela antropóloga e amiga do ambientalista, Mary Allegretti, ganhou fôlego e resistência com o apoio do Centro de Trabalhadores da Amazônia, organização social estruturada no cooperativismo e que teve, também, participação do líder seringueiro. Solidariedade Segundo Ângela, aqueles que conviveram com Chico Mendes o consideram vivo através das ideias que ele deixou e que continuam inspirando iniciativas de proteção às florestas e de quem vive nela. E foram muitas pessoas, diz a filha do ambientalista. “Ele era uma pessoa intensamente carismática e que inspirava a confiança dos seus companheiros, o quanto ele era fraterno”. A filha recorda que, em uma visita que fez ao pai, encontrou todas as roupas da casa e do seringueiro no chão, até o único terno que tinha, que usou aos ser condecorado, em Nova York, com a Medalha da Sociedade para um Mundo Melhor. “Eu estranhei aquilo e perguntei, e ele falou que teve uma assembleia no sindicato, nem todo mundo conseguiu ficar lá alojado, e alguns companheiros foram dormir na casa dele. Ele botou tudo que ele tinha no chão para que as pessoas não passassem frio”, disse Ângela. Futuro Para o amigo Guma, a Amazônia e todo o planeta pagam um preço alto pela partida precoce de Chico Mendes. “Nós tínhamos um porta-voz que era extremamente eficiente, tranquilo, conversava com todo mundo, mas era extremamente firme nas suas posições. Eu acho que ele teria conseguido aglutinar muito mais gente nessa resistência”, afirma. Guma, o agrônomo que virou advogado para apoiar os povos da floresta, entende que é necessário avançar na forma como se pensa o desenvolvimento na Amazônia e, para isso, a melhor resposta está no modo de vida tradicional, que sempre precisou da floresta em pé. Ele diz que o Brasil precisa atingir o desmatamento zero em todos os biomas e, para isso, é necessário punir de forma mais efetiva quem desmata e causa queimadas. “Eu acho que não é cadeia que resolve. Eu acho que, a responsabilização civil, a obrigação de reparar o dano, é a melhor punição. Desmatou mil hectares, tem que plantar dois mil hectares de florestas nativas, de espécies nativas, não de monocultura de eucalipto, que é de deserto verde”, ressalta. Ângela complementa
Lula sanciona lei que regula mercado de carbono no Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que regulamenta no Brasil o mercado de créditos de carbono e cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). A Lei 15.042/24 foi publicada na edição desta quinta-feira (12) do Diário Oficial da União (DOU). O mercado de carbono permite que empresas e países compensem as emissões por meio da compra de créditos vinculados a iniciativas de preservação ambiental. A intenção do marco regulatório é incentivar a redução das emissões poluentes e amenizar as mudanças climáticas. O SBCE divide o mercado de crédito de carbono brasileiro em dois setores: o regulado e o voluntário. O primeiro envolve iniciativas do poder público. Já o segundo se refere à iniciativa privada, mais flexível. Para o chamado setor regulado, o texto prevê a criação de um órgão gestor responsável por criar normas e aplicar sanções a infrações cometidas pelas entidades que se sujeitarão a ele. Será o caso das próprias iniciativas governamentais ou de organizações que emitam mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por ano. O CO2 equivalente é uma medida usada para comparar as emissões de diferentes gases de efeito estufa, que leva em conta o potencial de aquecimento global de cada substância e representa o total em quantidade de gás carbônico que teria o mesmo potencial. A Petrobras, por exemplo, emitiu 46 milhões de toneladas de CO2e em 2023, segundo relatório da estatal. As organizações sujeitas à regulação deverão fornecer plano de monitoramento e relatórios das atividades ao órgão gestor. O setor do agronegócio, no entanto, não será atingido pelo projeto. Já o mercado voluntário é caracterizado por transações de créditos de carbono ou de ativos integrantes do SBCE, voluntariamente estabelecidos entre as partes, para fins de compensação voluntária de emissões de gases de efeito estufa (GEE), e que não geram ajustes correspondentes na contabilidade nacional de emissões. Com o Protocolo de Kyoto, de 1997, a redução das emissões de gases do efeito estufa passou a ter valor econômico. Esse entendimento ganhou força com o Acordo de Paris, em 2015. Por isso, o crédito é como um certificado que países, empresas ou pessoas compram para mitigarem a emissão dos gases. Os mercados de crédito de carbono permitem que empresas, organizações e indivíduos compensem as emissões de gases de efeito estufa a partir da aquisição de créditos gerados por projetos de redução de emissões e/ou de captura de carbono. A ideia é transferir o custo social das emissões para os agentes emissores, o que ajuda a conter o aquecimento global e as mudanças climáticas. No Câmara, o projeto que originou a lei (PL 182/24) foi aprovado em novembro deste ano.
Soja quadruplicou área plantada em 30 anos e avança sobre Amazônia e Matopiba

Cultivo do grão voltado à exportação ocupa quase metade das lavouras do Brasil e está em 25 dos 27 estados Vinicius Konchinski A área plantada de soja no país mais do que quadruplicou nos últimos 30 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As lavouras do grão, que ocupavam 10,6 milhões de hectares em 1993, passaram a ocupar 44,6 milhões de hectares em 2023. Isso, ainda segundo o IBGE, são cerca de 45% dos 96 milhões de hectares do país usados para todo tipo de plantação no Brasil. A área plantada de soja no Brasil hoje equivale praticamente à extensão territorial completa dos estados de São Paulo e Paraná somadas. Só o aumento da área desde 2001 é equivalente ao Rio Grande do Sul inteiro. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o incremento da área plantada transformou o Brasil no maior produtor mundial de soja. Foram 147 milhões de toneladas do grão colhidas na safra 2022/2023. Desse total, 52 milhões de toneladas foram consumidas aqui – cerca de 35%. Outras 92 milhões de toneladas – cerca de 65% – foram exportadas. “A área plantada é o maior fator responsável pelo aumento da produção, com incremento de 215%, de 2001 a 2023. Já a produtividade tem incremento de 27,5%, com elevação de 2.751 kg por hectare para 3.508 kg por hectare no mesmo período de análise”, diz um documento do ministério elaborado neste ano. Outro documento do Mapa aponta que, dos 74 milhões hectares destinados para o cultivo dos cinco principais grãos do país, cerca de 60% é destinado à soja. A área ocupada pela cultura é cerca de dez vezes a área dedicada às plantações de arroz e feijão juntas, grãos que fazem parte da tradição alimentar brasileira. Até 2034, o Mapa estima que as lavouras de soja vão ocupar 63% da área usada para cultivo de grãos nos no país. No período, área dos grãos crescerá 16 milhões hectares, chegando a 96 milhões. Só a área de soja crescerá 13 milhões hectares – ou seja, o equivalente a mais de 80% do total do crescimento. Cultivo disseminado A produção no país está concentrada no Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul. Segundo o Mapa, estes cinco estados produziram 71,6% da soja nacional na safra de 2023/2024. O Mapa reconhece, porém, que “a soja é uma cultura com dispersão na maior parte dos estados brasileiros, como a principal lavoura na formação do valor da produção”. Dados do IBGE, apontam que 25 dos 27 estados do Brasil, incluindo o Distrito Federal, hoje têm plantação de soja. Em 2023, a soja só não estava na Paraíba e em Sergipe. A situação era bem diferente há 30 anos. Em 1993, 13 dos 27 estados não tinham plantações de soja em seu território – quase a metade. Das plantações que existiam nos estados, aliás, muitas poderiam ser consideradas embrionárias perto das atuais. “A soja hoje é uma cultura do Centro-Oeste, expandindo-se pelo Cerrado e pela Amazônia. Pega uma parte do Nordeste, Matopiba [região formada pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], e, especialmente, a região Norte”, disse o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, que foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional durante o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “A soja está em todos os estados porque ela ocupou grande parte da nossa cadeia produtiva de monoculturas”, acrescentou Carolina Bueno, economista e pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade da Califórnia. “Ela foi incentivada no governo Lula 1 pelo crescimento chinês, que impulsionou o preço das commodities e o levou a valores históricos.” Por volta de 2001, a tonelada do grão valia em torno de 200 dólares. Em junho de 2022, atingiu 727 dólares por tonelada. Segundo Bueno, isso fez com que até pequenos produtores, dedicados à plantação de frutas e outros vegetais, por exemplo, investissem na soja. “No Mato Grosso, isso foi muito forte”, disse ela, citando o caso do maior produtor nacional. Matopiba e Amazônia Estatisticamente, a expansão da soja nos estados que compõem a chamada região Matopiba chama atenção. A área é considerada um das novas fronteiras da expansão agrícola nacional, e isso tem a ver com o grão. O Piauí tinha 1.860 hectares de soja em seu território em 1993, segundo o IBGE. Em 2023, as plantações do grão ultrapassaram os 945 mil hectares – aumento de cerca de 52.000%. No Tocantins, ele passa de 8.200%; no Maranhão, 2.600%; na Bahia, 400%. Outra área de produção crescente da soja é a Amazônia. Nove estados compõem a chamada região da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Em cinco, não havia plantação de soja em 1993: Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Em 2023, os cinco estados juntos têm mais de 1,1 milhão de hectares de lavouras do grão. Só o Pará, tem mais de 1 milhão de hectares. “Essa expansão para o Norte tem a ver com essa facilidade de exportação, mas tem a ver também com a terra. Porque a terra na Amazônia é uma terra muito boa para qualquer cultivo”, disse Bueno. “Ninguém precisa restaurar ou tratar a terra degradada para produzir. Essa facilidade faz a soja ir ao Norte.” Baccarin, porém, alerta para os riscos dessa expansão. “A agropecuária e as mudanças no uso da terra são responsáveis, atualmente, por cerca de 75% das emissões dos gases causadores do efeito estufa pelo Brasil. Neste sentido, há de se controlar a expansão da agropecuária nas reservas florestais que ainda temos. E a expansão do plantio de soja, do milho e de pasto deve ser objeto de preocupação específica”, afirmou. Brasil de Fato
Fogo destrói 10 vezes mais a floresta amazônica do que o desmatamento

A diretora de Ciência do Ipam, Ane Alencar, disse na COP29 que o impacto das mudanças climáticas mostra que as secas severas podem gerar esse cenário de incêndios Dados da rede Mapbiomas divulgados na Conferência do Clima da ONU (COP29), em Baku (Azerbaijão), revelam que as queimadas destruíram dez vezes mais áreas de florestas na Amazônia do que o desmatamento, entre janeiro e outubro deste ano. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nesses dez meses foram 6,7 milhões de hectares de floresta que queimaram na região, contra 650 mil hectares desmatados. Ao todo, 73% do fogo no país em outubro foi na região amazônica. Além disso, 64% de tudo que foi queimado ocorreu em áreas de vegetação nativa, as florestas representaram 45%. No mesmo período do ano passado, os incêndios devastaram 717 mil hectares, ou seja, houve um aumento de 7,5 vezes em apenas um ano. A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, disse à DW que a floresta pode até se recuperar, mas o processo é muito longo. “O impacto das mudanças climáticas mostra que as secas severas podem gerar esse cenário de incêndios, que tomou uma proporção alarmante”, observou. Para ela, os dados praticamente anulam os esforços pela redução do desmatamento. Na COP29, a pesquisadora revelou os dados do Monitor do Fogo e fez um apelo para que os incêndios entrem no cálculo da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), ou no compromisso dos países em reduzir a emissão de gases poluentes firmado no Acordo de Paris. “São 31% a mais de emissões que não são contabilizadas”, calculou Ane. Queimadas Em nota, o Instituto diz que o ano de 2024 tem sido marcado por uma intensificação das queimadas e dos incêndios nos biomas brasileiros, com destaque para a Amazônia. “O uso do fogo, seja de forma acidental ou intencional, continua sendo um dos principais fatores de degradação ambiental, contribuindo para a perda de biodiversidade, emissão de gases do efeito estufa, transformação da paisagem natural, além de diminuir a qualidade do ar devido à geração de fumaça”, diz o Ipam. Na região, por exemplo, o desmatamento e a expansão agropecuária, principalmente o uso do fogo no manejo de pastagens, impulsionam um ciclo de queimadas, resultando em amplos impactos econômicos e desafiando a implementação de práticas mais sustentáveis