Historiadora conclui, em pesquisa de mestrado, que houve intensa censura à imprensa montes-clarense durante o Regime Militar.

Charge: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/liberdade-de-expressao/grande-midia-se-cala-aos-ataques-a-imprensa-alternativa/ 08/09/2020.

A imprensa montes-clarense, via de regra, sempre esteve vinculada às elites locais, ainda que muitos profissionais, funcionários do setor, fossem trabalhadores assalariados com consciência do conflito de classes vivenciado dentro dos próprios veículos.

Os veículos, em sua maioria, historicamente sempre estiveram a serviço de correntes político-partidárias da classe dominante. Houve até jornais que, em determinado período, se apresentavam como isentos de vínculo partidário – curiosamente o proprietário de um deles foi o latifundiário envolvido diretamente no conflito com “Saluzinho”, um pequeno posseiro, no município de Varzelândia. O dito latifundiário utilizou jagunços e até a polícia a seu favor, além de usar o seu jornal para criar uma imagem desfavorável ao pequeno posseiro, tachando-o de “comunista”, “terrorista”, “invasor de terras”, dentre outros adjetivos considerados ultrajantes.

Mas, esse conservadorismo da imprensa local não a isentou da censura a suas publicações, durante o Regime Militar. A historiadora Camila Gonçalves Silva trata da questão da censura à imprensa montes-clarense em sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2013, com o título: “A censura veste farda: elites conservadoras, policiais militares e o consentimento da imprensa escrita à censura, durante o Governo Militar em Montes Claros de 1964-1985”. Coincidentemente a historiadora utilizou como uma referência um artigo de nossa autoria sobre a presença dos militares em Montes Claros desde sua criação, publicado na Revista Tempo em 2007.

Silva mergulhou fundo nas publicações do período de que trata a sua dissertação e entrevistou figuras importantes do jornalismo montes-clarense, como Felipe Gabrich, Décio Gonçalves de Queiroz, Haroldo Lívio de Oliveira, dentre outros. Ela concluiu que a censura esteve presente na cidade, com a presença física de policiais militares atuando como censores nas redações; trata da leitura prévia das edições pelos censores e das estratégias que muitos jornalistas usavam para burlar essa censura.

Diz a autora que a censura se tornou intensa na cidade, antes mesmo de se instituir essa prática como parte da política do Regime Militar em todo o país. Há, porém, um ponto que merece crítica no seu trabalho: ela afirma que havia soldados e oficiais desempenhando essa atividade. Se considerarmos que os soldados da Polícia Militar, nessa época, eram profissionais cuja escolaridade exigida para ingresso na corporação era o então 4º ano primário (hoje exige-se formação universitária para se tornar soldado), estes não teriam condições de exercerem essas atividades, por falta de capacitação intelectual.

Logo, essa censura só poderia ser feita por oficiais. A autora destaca que essas atividades ocorreram por iniciativa do então comandante do 10º Batalhão da PM na cidade, que tinha uma destacada atuação política em prol do Regime Militar.

 

* Historiador, sociólogo, jornalista e escritor.

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