A aceitação da violência como componente da atividade política é um erro, geralmente irremediável, na democracia liberal. A teoria liberal surgiu como uma alternativa à lógica da força então vigente na relação entre estado e sociedade. O parlamento, através do debate, do diálogo, significou uma nova forma de levar as pessoas a se relacionarem com o poder. Eleger representantes para parlamentar e elaborar as leis foi um passo imenso para a modernidade. No entanto, ao contrário da teoria hobbesiana, o estado e os seus representantes, a partir de então, precisam agir dentro da lei.

O presidente da república, um grande cultuador da violência em sociedade, no Brasil, fala muito em liberdade. Mas é elementar que a liberdade só pode imperar nos limites da lei. Por outro lado, é imperativo, a violência precisa ser combatida de forma implacável na sociedade liberal.
O preço da impunidade com a lei da anistia, a forma de tratar institucionalmente a violência de alguns movimentos de 2013 e 2014, não foram lições suficientes para as lideranças progressistas do país. Desde 2018 existe uma temerosa leniência para com as tentativas violentas de rompimento da institucionalidade, pelo presidente da república. Os crimes cometidos pelo executivo podem ser catalogados às dezenas diante de poderes assombrados. Tratar como liberal quem sabota a institucionalidade liberal pode romper com o atual pacto social, construção de pelo menos quarenta anos, no país.
Os apologistas da violência na política brasileira só entendem uma linguagem, a linguagem do uso da força. Através dos exemplos históricos podemos perceber a existência de apenas dois mecanismos para garantir as eleições e a posse de um novo governo nos limites da institucionalidade. O primeiro é uma grande mobilização popular dos descontentes com o atual governo. Mobilização intensa da sociedade civil organizada, progressista, a qual ocorreu poucas vezes desde o final da ditadura militar.
Tão certo como a não aceitação de uma possível derrota eleitoral pelo atual governo é a certeza de que um governo golpista não durará 21 anos no Brasil atual. O segundo e não menos importante mecanismo para impedir o golpe, portanto, é a mobilização de parte das autoridades responsáveis pelos poderes legislativo e judiciário, juntamente com parte do quarto poder, claro, no sentido de garantir implacável punição aos futuros golpistas. Cada guarda da esquina, cada autoridade, cada “pessoa de bem” precisa ter certeza da sua futura punição ao embarcar em uma aventura golpista. Se pelo menos parte da sociedade civil organizada, hoje na oposição, se comprometer com o registro de provas e a luta pela punição de todos que atentarem contra o estado democrático de direito, não haverá golpe. Se parte do judiciário deixar claro as punições, de cada um dos golpistas, sem acordos de gabinete, não haverá golpe. O presidente e algumas figuras importantes do governo podem até fugir em uma semana, ou mesmo um ano depois, mas nem todos podem fugir. O cabo e o soldado, assim como o “cidadão de bem”, precisam ter certeza da futura punição caso cometam crimes contra as instituições, contra a sociedade brasileira. Sem a participação desses últimos, não teremos golpe. Essa é a chave principal para inviabilizar o golpe. A mobilização para garantir a punição, garantir o uso legítimo da força, prerrogativa do estado, pode impedir o golpe

* Gilmar Ribeiro dos Santos é cientista político e professor universitário

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