Sigamos firmes no serviço à vida contra a violência, a serviço da paz e no compromisso do diálogo fraterno (Divulgação)

Fariseus ‘de hoje’ se julgam defensores da Igreja, da reta doutrina, da liturgia e da tradição. Se julgam superiores aos demais, até como mais próximos de Deus
  Temos presenciado, sobretudo nas redes sociais, uma investida contra a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021. Pessoas e grupos religiosos, com pretensa atitude de defesa da fé e da Igreja, têm feito uma leitura superficial, tendenciosa e distorcida do Texto Base da Campanha e têm disseminado uma série de posts, vídeos, artigos e mensagens nas redes sociais. Fazem uma contra propaganda à CFE 2021 e à coleta solidária feita anualmente pela CNBB ?” Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Nosso anseio não é colocar mais lenha na fogueira, mas encontrar uma base bíblica que nos ajude a compreender melhor a situação e permita abrir caminhos para um diálogo fecundo e uma eventual superação desse impasse pastoral.

Convido a revisitarmos juntos algumas práticas, atitudes e procedimentos dos fariseus, tal como são apresentados nas Escrituras, para iluminar a desafiante situação que se coloca à nossa frente: a controvérsia sobre esta Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021. E fazemos a devida ressalva, pois, não identificamos os seguidores do judaísmo, por si só, como opositores a Jesus e aos cristãos. Ressaltamos nossa abertura ao diálogo ecumênico e inter-religioso. Restringimos-nos a indicar as oposições enfrentadas por Jesus e, por meio delas, buscar maior compreensão para as oposições à Campanha da Fraternidade em nossos dias.

O que significa ‘fariseu’

O termo ‘fariseus’ indica os ‘separados’ ou ‘separadores’. Um grupo, partido ou seita de defensores da Lei, da Tradição, da religião que se julgavam acima e mais importantes que os demais. Os fariseus eram um grupo de leigos, submissos ao poder romano, que se orgulhavam de defender a Lei (cf. Mt 9,9-17; Mc 2,13-17; Lc 5,27-32; Lc 18,9-14; Jo 7,49). Nos Evangelhos, em geral, os fariseus aparecem sempre em oposição a Jesus e se revelam hostis à sua pessoa, a seu ensinamento e atitudes. Eles temiam que o novo ensinamento trazido por Jesus ameaçasse a sua posição e prestígio de líderes espirituais. João Batista denuncia os fariseus como ‘raça de cobra venenosas’, pois eles se apresentavam como seguidores da Lei, mas não se abriam à conversão (Mt 3,7-10; Lc 3,7-9).

Como agiam os fariseus?

Nos relatos evangélicos, os fariseus estão sempre vigiando Jesus para encontrar n’Ele alguma falha (cf. Jo 4,1). Eles tentam armar laços para surpreenderem Jesus em alguma resposta errada (cf. Mt 20,15; Mc 12,13; Lc 20,20s); questionam Jesus a respeito da Lei (cf. Mt 22,34) e ficam escandalizados quando Ele se junta e come com os cobradores de impostos e pecadores (cf. Mt 9,9-13; Mc 2,13-17; Lc 5,27-32). Eles questionam por que Jesus não obedece ao descanso do sábado (Mt 12,2s; LC 6,2s); por que faz curas (Lc 24,1-3) e não exige dos discípulos o preceito de lavar as mãos antes das refeições (Mt 15,1s; Mc 7,1s). Eles duvidam que Jesus possa perdoar os pecados (Lc 5,17) e quando Jesus expulsa demônios, eles o acusam de ter um pacto com Belzebu (Mt 12,24s). Definitivamente, sentem-se muito incomodados com jeito de ser, de agir e com os ensinamentos de Jesus.

Incomodados, conspiravam contra a vida de Jesus (Mt 12,14; Mc 3,6), eram também avarentos e se colocavam na contramão do Reino anunciado por Jesus (Lc 16,14; 7, 30). Jesus denuncia o apego dos fariseus às leis e costumes para fugir de suas obrigações sociais e fraternas (Mt 15,1s; Mc 7,1s).

Em síntese, muitos dos traços presentes no perfil destes fariseus revelado nos Evangelhos parecem estar presentes no perfil dos que hoje se opõem ao Vaticano II, às Conferências do Episcopado Latino Americano, ao papa Francisco, à Campanha da Fraternidade e ao Ecumenismo.

Os opositores à CFE 2021

Em certo sentido, os opositores à Campanha da Fraternidade podem ser identificados como os ‘fariseus de hoje’. São pessoas que se julgam defensores da Igreja, da reta doutrina, da liturgia e da tradição. Conscientemente ou não, se julgam superiores aos demais, até como mais próximos de Deus. Rezam o terço, participam de palestras sobre as Cruzadas, sobre a busca de santidade e participam das missas em latim, tendo o padre de costas para o povo (Missa Tridentina)[1]. Entendem que têm a missão de ?recristianizar? o Brasil. Julgam-se como já convertidos e se veem na obrigação de purificar a fé dos demais.

Assim como os fariseus temiam Jesus, esse grupo de hoje tem medo e aversão à Igreja do Vaticano II, no fundo à Igreja de Jesus formada pelo povo simples. Tem horror à Igreja comunidade de fé comprometida com a vida. Ignoram Concílio Vaticano II, o papa Francisco, os Documentos das Conferências Episcopais, da CNBB e a palavra profética de muitos bispos e padres. Alimentados por essa falsa ideia de ‘superioridade’ fazem uma oposição aberta e até pouco honesta a quem pensa e age de forma diferente. Os fariseus de hoje se veem como os únicos ‘donos da verdade’, daí a dificuldade de um diálogo sincero, maduro e fecundo.

Sempre em busca de um deslize

A exemplo da atitude dos fariseus com Jesus, os ‘fariseus’ de hoje estão sempre vigiando o papa Francisco, a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) -, na busca de algum deslize ou falha. Na pretensa defesa da Tradição e da Igreja, ignoram quem legitimamente a representa. E, quando a Igreja assume as atitudes de Jesus em proximidade com os excluídos, com pobres e pecadores, encontram uma forma de colocá-la em dificuldade.

Ensaiam uma espécie de ‘guerra santa’, o que se comprova com o tom acusatório e fechado ao diálogo verifica-se nas postagens, nos vídeos e nas redes sociais que se assemelham a um confronto de verdades, uma ‘guerra santa’. Não economizam ameaças, xingamentos, expressões pesadas e grotescas que diminuem e desprezam quem não pensa ou interpreta as Escrituras e os Documentos da Igreja do mesmo jeito. Não há diálogo, buscam semear confusão na mente e no coração dos mais simples.

Como agir e reagir?

Não cabe aos verdadeiros cristãos rebaixar-se revidando afrontas, provocações, baixarias. A atitude mais correta é ter clareza dos fatos, não seguir os ‘boatos’. Estudar de fato as questões. Conhecer melhor as Escrituras. Buscar conhecer os documentos do Magistério, do Vaticano II, do Papa Francisco, das Conferências Episcopais, da CNBB…

No caso concreto desta CFE 2021, só para citar uma das polêmicas levantadas, ela é acusada de fazer apologia à ideologia de gênero, enquanto na verdade em três números do documento o que é denunciado é a violência e morte de ‘minorias’ mulheres, negros, e pessoas LGBTQI+ (cf. Texto Base CFE 2021 nª 31,58 e 68). Com um mínimo de leitura do Texto Base, percebe-se a falsidade do argumento apresentado. Da mesma forma, o texto base não faz apologia ao aborto, como erroneamente se denuncia. Cobram que o texto não contenha elementos catequéticos católicos ou referências à Maria, pois, sendo ecumênico foca-se ao conteúdo da Campanha e procura criar pontes de diálogo e ações conjuntas entre as igrejas.

Assim como Jesus se manteve aberto ao pensar diferente, aberto à dor dos sofredores, aberto à inclusão, como no diálogo com a mulher Cananéia (Mt 15,21-28), sigamos os seus passos, a nossa fé é em Cristo, que foi violentado, mas que não usou de violência. Por outro lado, nunca se distanciou da defesa da vida em abundância para todos (Jo 10,10). Sigamos firmes no serviço à vida contra a violência, a serviço da paz e no compromisso do diálogo fraterno e ecumênico. Abrace com carinho esta Campanha do diálogo, da fraternidade, pois ?Cristo é a nossa paz, do que era dividido fez uma unidade? (Ef 2,14c).

* Denilson Mariano é redator de O Lutador-BH e doutor em Teologia pela FAJE-BH. Trabalha na formação de lideranças por meio do MOBON ?” Movimento da Boa Nova. Membro da Equipe dos Círculos Bíblicos da Arquidiocese de BH;- E-mail: marianosdn@yahoo.com.br

Via Dom Total

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

9 + 9 =