Em Carta pública dirigida aos prefeitos, população ribeirinha reivindica o direito à consulta livre prévia e informada – Foto: Rhomário Magalhães
Comunidades ribeirinhas, colônias de pescadores, sindicatos, movimentos sociais e organizações populares entregaram no último dia 26/02, uma carta pública para as prefeituras das cidades mineiras de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da Palma, Lassance, Três Marias e São Gonçalo do Abaeté. A carta reivindica a escuta das comunidades antes da assinatura de qualquer acordo de anuência entre as prefeituras e as construtoras responsáveis pelo projeto da construção da Barragem de Formoso.
A iniciativa foi tomada após divulgação nas redes sociais de reuniões entre a Construtora Quebec, responsável pelo projeto da construção da Barragem de Formoso, e os prefeitos das cidades anteriormente citadas. Para os signatários da carta, é importante que os prefeitos conheçam as manifestações contrárias das comunidades, sindicatos, coletivos, movimentos e instituições que estão em luta contra a barragem no Rio São Francisco. O documento cita a Lei de Águas 9422/97, que aponta que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e deve contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.
A convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, e que exige que as comunidades sejam consultadas antes da implantação de qualquer empreendimento também foi citada no documento. “Que as comunidades atingidas sejam reconhecidas e ouvidas sob a ótica da Convenção 169 da OIT de maneira prévia, livre, informada e de boa fé”.
A carta traz um panorama geral dos efeitos da construção de uma barragem para o rio São Francisco e seu povo. Além disso, denuncia que o projeto em fase de estudo ambiental se baseia nos estudos de viabilidade da década de 1990. As ações de violência das empresas nas áreas onde as comunidades vivem também são relatadas pela carta: “Ações nos territórios como intimidação da população, omissão das áreas a serem atingidas e da presença de sítios arqueológicos nos territórios são práticas contínuas da UHE Formoso, Quebec Engenharia e Tractebel Suez nos últimos tempos”.
Para as organizações signatárias, os impactos negativos da implantação de uma usina no Rio da Integração Nacional não são compensados com poucos empregos criados: “necessária oposição a qualquer investida financeira que vise facilitar o licenciamento ambiental desse trágico projeto às custas da população.”
Confira na íntegra, a Carta abaixo
Bacia do Rio São Francisco, 26 de fevereiro de 2021
Carta aberta aos Prefeitos Municipais da Bacia do São Francisco e população
As entidades abaixo-assinadas, representativas de amplos setores da sociedade civil, cientes do projeto de empreendimento Usina Hidrelétrica de Formoso – UHE FORMOSO pelas empresas, SPE Formoso – controlada pela Quebec Engenharia S/A e Tractebel Suez vêm manifestar sua posição, certas de que esta será considerada pelas autoridades e pela opinião pública.
O projeto pretende a construção de uma Hidrelétrica de 39.5 metros de altura, com barragem de 5 km de comprimento, e área alagada num assustador montante de 35 mil hectares.
Trata-se de um grande empreendimento que, caso seja recepcionado, promoverá numa área de baixa vazão de água, remoções forçadas, destruição de áreas de preservação permanente (APP), regiões de várzea, veredas, espécies típicas do bioma cerrado, mata ciliar, remanescentes de mata atlântica, além de espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção. Salientamos ainda que a geodinâmica ecossistêmica de toda a bacia hidrográfica do rio São Francisco seria afetada de forma complexa. Tanto áreas à montante, quanto à jusante do empreendimento sofreriam impactos irreversíveis nos âmbitos ambientais, sociais e econômicos. Além dos impactos socioambientais e hídricos – na região mais seca do estado – o sistema econômico, turístico, arqueológicos, histórico-culturais, nesse contexto, seriam aniquilados. Inúmeras comunidades com modos vida ribeirinhas teriam suas culturas (modos de sobrevivência) ceifadas. Não só seriam afetadas comunidades de pescadores e vazanteiros que estão nas áreas que serão submersas, mas também ribeirinhos que residem à jusante, onde a mudança na dinâmica da água, vazão e no espaço de reprodução dos pescados seria alterada. Uma das comunidades atingidas é a aldeia indígena do Povo Tuxá, que mantém sua cultura intimamente atrelada à vitalidade do rio São Francisco.
Com a publicação do Decreto nº 10.370/20, pelo Executivo Federal, cujo escopo envolveu a qualificação da denominada Usina Hidrelétrica de Formoso (UHE Formoso), no Rio São Francisco, as tratativas tomaram contornos ainda mais problemáticos. Isso porque na tentativa de se passar o empreendimento à revelia da população e do Sistema de Justiça, as empresas iniciaram ações duvidosas do ponto de vista ético, técnico e normativo. A suspeição se inicia já com os estudos de viabilidade do empreendimento usados pela empresa para desengavetar esse projeto, que são datados da década de 1990.
Ações nos territórios como intimidação da população, omissão das áreas a serem atingidas e da presença de sítios arqueológicos são práticas contínuas da SPE Formoso, Quebec Engenharia e Tractebel Suez nos últimos tempos.
As omissões, no que toca a informação adequada, são diversas. Este projeto, por exemplo, instala um conflito interestadual pelo uso da água da bacia hidrográfica do Rio São Francisco, envolvendo os estados de: Minas Gerais (MG), Bahia (BA), Pernambuco (PE), Sergipe (SE) e Alagoas (AL).
Outro exemplo de irregularidade consiste nas informações apresentadas pela empresa para o IBAMA (para iniciar o licenciamento ambiental) que por sua vez não condizem com as reais condições ambientais da região e da bacia.
Até o momento os poucos dados trazidos à tona dão conta da insustentabilidade do projeto, do ponto de vista econômico, social e ambiental, e também incapaz de beneficiar a comunidade local como vem sendo alardeado por alguns interlocutores oportunistas.
A história é certeira quanto ao passivo deixado por esses grandes empreendimentos; que quando não culmina no rompimento de barragens e mortes, se funda no terror da migração sazonal de trabalhadores, aumento da violência, da exploração sexual, perturbações psicológicas, pressão sobre os serviços públicos, elevação do custo de vida e problemas hídricos.
Outro ponto importante a ser dito consiste no lobby e nas ofertas tentadoras que os empreendimentos oferecem aos Municípios, e pequenos empresários locais, na tentativa de salvaguardar sua posição.
Ao contrário do que vem sendo difundido por alguns setores, os gigantescos impactos negativos da UHE Formoso estão longe de serem compensados com os poucos e precários empregos que podem vir a ser criados na região.
Entendemos a necessária oposição a qualquer investida financeira que vise facilitar o licenciamento ambiental desse trágico projeto às custas da população.
Cabe também mencionar que de acordo com a Lei de Águas 9433/97, a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.
Acreditamos que o desenvolvimento econômico e socioambiental de uma cidade consiste em abranger os aspectos culturais locais, cujo incremento do bem-estar de toda a população se dá na participação coletiva, através do controle social, do olhar ético das pessoas, das manifestações em defesa da humanidade e da ecologia.
Por isso à luz da Constituição Federal Brasileira e dos princípios fundamentais aplicados à essa sociedade, em observância a lei, aos tratados que o Brasil é signatário, a dignidade da pessoa humana, e ao compromisso e zelo ao patrimônio brasileiro solicitamos as prefeituras de Pirapora, Buritizeiro, Várzea da Palma, Lassance, Três Marias e São Gonçalo do Abaeté e aos Excelentíssimos Senhores Prefeitos Alex Cesar, Pedro Braga, Eduardo Agrovap, Paulo Elias, Bem Ti Vi e Fabiano Lucas:
Que as comunidades atingidas sejam reconhecidas e ouvidas sob a ótica da Convenção 169 da OIT de maneira prévia, livre, informada e de boa fé;
Que nenhuma anuência seja dada pelas prefeituras ao empreendimento antes da execução do Protocolo de Consulta Prévia Livre Informada e de Boa Fé (169 OIT)
Por tudo manifestamos nosso total repúdio à construção da Usina Hidrelétrica do Formoso.
Em defesa do rio, e da nossa gente, nós lutamos!
#saofranciscovivo #terraaguarioepovo #formosonão #velhochicovive #naoabarragemformoso
1. Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Pirapora
2. Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Várzea da Palma
3. Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pirapora
4. Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Buritizeiro
5. Comunidade Pesqueira e Vazanteira Canabrava de Buritizeiro
6. Comissão Pastoral da Terra
7. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais
8. Conselho Pastoral dos Pescadores
9. Levante Popular da Juventude
10. Associação Comunitária dos Moradores da Fazenda Limeira de Buritizeiro
11. Coletivo Velho Chico Vive
12. Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
13. Frente Parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas, e Comunidades Tradicionais
14. Colônia Z 21 de Pescadores de Buritizeiro
15. Colônia de Pescadores de Guacuí
16. Colônia de Pescadores de Pirapora
17. Clube Literario Tamboril
18. Grupo de Danças Parafolclóricas Zabelê
19. Instituto Guaicuí
20. Projeto Manuelzão
21. Expedição Amigos das Águas
22. Povo Indígena Tuxá
23. Colônia de Pescadores de Ibiaí
24. Sindicato único dos trabalhadores em educação – MG/sub sede Pirapora
25. MST do Norte de Minas Gerais
26. Federação dos Pescadores e Aquicultores de Minas Gerais
27. Associação dos Agricultores e Pecuaristas de Pedra de Santana de Várzea da Palma
28. Conselho Indigenista Missionário Regional Leste II
29. Associação de Produtores Rurais da Ilha da Pimenta de Pirapora
30. Articulação Popular São Francisco Vivo
31. Comunidade Rural Samabaíba de Buritizeiro
32. Caritas Brasileira Regional MG
33. Comunidade Rural do Barro Branco de Lassance
34. Associação dos Agricultores e Pecuaristas da Chapadinha
35. Grupo Cordão de Ouro – CDP Velho Chico
36. Associação Quadrilátero das Águas
37. Colônia dos Pescadores Artesanais e Aquicultores de Três Marias e Região – Z-05
38. Instituto Opará de Buritizeiro
A meu ver, não há medidas mitigadoras que supram o dano socioambiental a ser causado.
Somente a NÃO CONSTRUÇÃO do empreendimento.
Cujo objetivo central não é a produção de energia.
Mas sim a construção de um imenso lago para, ao seu redor se implantar imensas fazendas do agronegócio, transformando nossa região numa imensa área de monoculturas, uma espécie de “PLANTATION” no nosso Cerrado.
A dizimar as pequenas comunidades ĺocais.
E a favorecer os negócios destinados tão-somente à exportação, e à riqueza de poucos, à custa da miséria de muitos.
É isso o que está em jogo.
Não mais !