Pesquisadores ressaltam importância da pesquisa e servidores alegam motivos políticos para corte de 25% no orçamento

Um mês após anunciar o corte de 25% na verba destinada ao Censo Demográfico de 2020, Susana Cordeiro Guerra, presidenta do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), exonerou o diretor de Pesquisas do órgão, Cláudio Crespo, nesta terça-feira (7). Eduardo Rios Neto, demógrafo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), irá ocupar o cargo.

Crespo coordenava a elaboração do Censo, estudo estatístico responsável por mapear a população brasileira e seus marcadores sociais, publicado de dez em dez anos. O levantamento das informações é feito a partir de visitas aos cerca de 70 milhões de domicílios brasileiros e a partir das respostas de milhões de questionários aplicados por trabalhadores do IBGE.

Recentemente, a metodologia do estudo foi questionada por Paulo Guedes, ministro da Economia, que sugeriu a redução do questionário para superar a falta de recursos. De acordo com Guerra, que também exonerou José Santana Beviláqua, então diretor de Informática, a demissão de Crespo não foi motivada por discordâncias na elaboração do Censo.

No entanto, trabalhadores do Instituto alegam que o ex-diretor de Pesquisa estava se posicionando contra cortes no orçamento, o que pode ter gerado um desgaste com a presidência do órgão. Anteriormente, a verba estimada para a realização do estudo era de R$3,4 bilhões. Com o corte de 25%, a cifra deve alcançar os R$2,6 bilhões.

“O que levou a exoneração do diretor foi o fato dele se opor ao avanço de mudanças mais radicais no questionário. O diretor apresentou um questionário final, que levou em conta toda a avaliação de um corpo técnico, iluminado pela experiência das provas piloto. Isso foi o resultado técnico do trabalho. Ela [Susana] não aceitou e por isso o exonerou”, afirma Dione Oliveira, diretora da Associação dos Servidores do IBGE (Assibge).

A servidora complementa que mudanças drásticas de organização do trabalho às vésperas da operação censitária podem comprometer a realização da mais abrangente pesquisa do Instituto.

Vinculada ao Ministério Público Federal (MPF), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão deu cinco dias para que o IBGE confirme se realmente haverá corte de 25% no orçamento do Censo 2020. A Procuradoria demanda ainda que o Instituto apresente estudos técnicos e motivos para essa redução. O prazo começa a correr a partir do momento em que o órgão é notificado, o que aconteceu na última segunda-feira (6).

Para Ricardo Ojima, presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), a restrição orçamentária é preocupante. “Um corte orçamentário em qualquer atividade, sobretudo em uma atividade muito complexa como é o censo demográfico, vai ter algum impacto”, critica Ojima, acrescentando que técnicos do IBGE, acadêmicos e instituições usuárias do censo demográfico estudam saídas para contornar o corte de verbas.

Doutor em demografia, ciência que investiga as populações humanas, Ojima avalia que o ideal seria um orçamento mais elástico para a elaboração do estudo, que conseguisse abranger a grandeza do país em termos territoriais, assim como sua ampla diversidade.

“A importância do Censo é inegável. Isso é uma recomendação internacional, de que todos os países o executem em datas pré-estabelecidas, com um tempo regular, para que não perca a comparabilidade. Existe algumas orientações e diretrizes de estatísticas internacionais para que elas sejam executadas de maneiras uniformizadas. Cada país tem suas especificidades e diante dessas especificidades, cada instituto nacional de estatística trabalha no sentido de dar conta dessas diversidades e garantir a qualidade da informação que é colocada”.

Sem parâmetro

Os dados levantados pelo Censo 2020 serão comparados com o Censo 2010. Mas, com a provável redução do questionário, muitas análises comparativas não poderão ser feitas. É o que explica o demógrafo Flávio Freire.

“Readequar uma pesquisa tão importante como o censo demográfico sem planejamento prévio é perigoso para o planejamento estratégico do país como um todo. Com os cortes nos questionários que estão planejando, corre-se o risco de quesitos importantes não serem incluídos no questionário e aí nós perdemos a série histórica”, critica.

Segundo o coordenador do departamento de Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Brasil não há outras pesquisas que sirvam como base para comparar os dados apresentados pelo Censo. “Eu saliento que isso tem um impacto ainda maior no planejamento à nível municipal, que não tem outras fontes de informações como o censo demográfico”.

Outra preocupação do pesquisador é como a ausência das informações pode impedir a elaboração de políticas públicas em outras áreas. O Ministério da Saúde, por exemplo, pode compatibilizar sua base de dados de mortalidade infantil com dados demográficos apresentados pelo Censo, com o objetivo de elaborar ações em regiões mais afetadas e traçar um diagnóstico completo do quadro à nível nacional.

Motivação política

Na avaliação da Associação dos Servidores do IBGE, está em curso uma intervenção governamental no órgão, que coloca em risco sua autonomia.

“Nós localizamos esse ataque ao Censo Demográfico dentro de um conjunto de ataques ao IBGE. Tem duas falas do presidente que questionam os indicadores do desemprego. Uma ano passado e a outra esse ano, dizendo que o IBGE engana a população, que o [índice] de desemprego não é esse na verdade”, relembra Dione de Oliveira.

No início do mês, Jair Bolsonaro questionou pesquisas feita pelo Instituto que mostravam o aumento do desemprego em fevereiro e afirmou que a metodologia do órgão “não mede a realidade”, pois considera desempregado apenas a pessoa que está procurando emprego.

“Produzimos um conjunto de informações que incomodam e que o governo gostaria que fossem outras. Nesse momento que se criam as verdades, toda a produção do IBGE pode ser atacada e já tivemos mostras disso na fala do presidente e quando Paulo Guedes diz que é preciso ter um determinado número de perguntas. Tudo isso é uma intervenção e pode ser em relação ao Censo e todo resto do nosso trabalho”, alerta a diretora da Assibge.

Edição: Aline Carrijo – Brasil de Fato

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