Adélio, a irmã Maria das Graças e os advogados Edna e Alfredo: primeira visita (Foto: Rede social, divulgação e Joaquim de Carvalho)
Advogados pediram que o ministro dos Direitos Humanos verificasse denúncia de abuso contra Adélio, mas Sílvio Almeida encaminhou caso para outro órgão.
A situação de Adélio Bispo de Oliveira no presídio federal (segurança máxima) de Campo Grande está cada vez mais obscura, e o pedido dos advogados de uma irmã dele para verificação das condições de encarceramento não foi atendido pelo ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida
Nesta sexta-feira (03/03), Maria das Graças Souza Oliveira, irmã de Adélio, esteve na Defensoria Pública da União em Montes Claros para fazer uma visita virtual, agendada há mais de um mês. Mas a visita não foi realizada porque o Departamento Penitenciário (Depen), do Ministério da Justiça, não enviou à Defensoria o código de acesso para a videoconferência.
Quando faltavam cinco minutos para o final do tempo estipulado para a visita, o Depen enviou o código, mas informou que teria que fazer outro agendamento, já que não havia mais tempo para o contato entre Maria das Graças e Adélio. Com isso, Maria das Graças teve que voltar para casa sem falar com o irmão, e agora não sabe quando outra visita será agendada.
Esse é outro absurdo entre tantos que cercam o caso de Adélio Bispo de Oliveira, que cumpre medida de segurança em presídio por ter confessado que esfaqueou Bolsonaro. O primeiro absurdo ocorreu quando o advogado Zanone Júnior, que o procurou para assumir sua defesa, em 7 de setembro de 2018, pediu providências que até um leigo entende ser contra o interesse do cliente.
Zanone solicitou que o caso fosse julgado pela Lei de Segurança Nacional (vigente na época) e, com isso, permanecesse na Justiça Federal (e não Estadual, para onde o caso iria se o enquadramento fosse por tentativa de homicídio). Além disso, pleiteou sua transferência para um presídio federal em outro estado (longe da família) e abriu incidente de insanidade mental. O Ministério Público Federal em Juiz de Fora concordou, e o titular da 3a. Vara Federal no município, Bruno Savino, aceitou.
Em 2019, depois que o próprio Zanone apresentou um laudo que considerava Adélio portador de transtorno mental, uma junta médica o examinou, e disse que se tratava de um caso de “personalidade paranoide”. Mas os agentes penitenciários informaram que ali ele não estava tomando remédio.
No mesmo ano de 2019, em carta de próprio punho à Defensoria Pública da União, Adélio pediu ajuda. Queria o afastamento do advogado, em quem não confiava, e que o caso fosse assumido por um defensor público da União. A essa altura, o caso já havia sido julgado, e Adélio foi sentenciado a cumprir medida de segurança até que fosse reavaliado por médicos e considerado apto a voltar ao convívio social.
Em 2020, mesmo inimputável, foi punido por indisciplina, por ter se recusado a se submeter à revista antes do banho de sol, em que teria que tirar a roupa e se abaixar. Passou quinze dias na solitária, mas a Defensoria reagiu e entrou com mandado de segurança. Se ele é inimputável, não pode receber punição por não cumprir normas do presídio, denunciou um defensor público.
No mesmo ano de 2019, em carta de próprio punho à Defensoria Pública da União, Adélio pediu ajuda. Queria o afastamento do advogado, em quem não confiava, e que o caso fosse assumido por um defensor público da União. A essa altura, o caso já havia sido julgado, e Adélio foi sentenciado a cumprir medida de segurança até que fosse reavaliado por médicos e considerado apto a voltar ao convívio social.
Em 2020, mesmo inimputável, foi punido por indisciplina, por ter se recusado a se submeter à revista antes do banho de sol, em que teria que tirar a roupa e se abaixar. Passou quinze dias na solitária, mas a Defensoria reagiu e entrou com mandado de segurança. Se ele é inimputável, não pode receber punição por não cumprir normas do presídio, denunciou um defensor público.
Alguns meses depois, a Justiça Federal em Campo Grande concordou com a Defensoria, que entrou com outra medida: a transferência de Adélio para um hospital psiquiátrico. A Justiça Federal em Campo Grande concordou, mas o titular da 3a. Vara Federal em Juiz de Fora se opôs.
Estabeleceu-se um conflito de competência, que foi parar no Supremo Tribunal Federal. Por sorteio, o caso foi para o ministro Kássio Nunes (nomeado por Bolsonaro), que liminarmente decidiu que Adélio, embora doente mental, poderia continuar no presídio federal em Campo Grande.
Em julho do ano passado, Adélio voltou a ser avaliado por uma junta psiquiátrica. Os três médicos disseram que ele não poderia voltar ao convívio social, mas acrescentaram que era necessária sua transferência para um hospital, já que o quadro de saúde dele tende a se agravar. Um dos médicos aventou até a possibilidade de desenvolvimento de esquizofrenia.
Adélio já não é mais defendido por Zanone Júnior, mas ele continua no processo, como curador nomeado pelo juiz Bruno Savino, de Juiz de Fora. No final do ano passado, a irmã de Adélio, que ajudou a criá-lo, entrou na Justiça para assumir sua curatela, afastando definitivamente Zanone.
Mas a Justiça Estadual em Montes Claros se julgou incompetente para o julgamento, e remeteu o processo para Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde nenhuma decisão foi tomada, apesar da urgência.
Ao mesmo tempo, depois do laudo psiquiátrico de julho do ano passado, a Defensoria Pública em Campo Grande pediu que a Justiça Federal atenda à recomendação dos médicos e transfira Adélio para um hospital psiquiátrico. O pedido foi feito no início de fevereiro e, apesar da urgência, não foi analisado.
Esta semana, o 247 procurou o juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, que recebeu o pedido de transferência. O diretor do cartório disse que o processo é sigiloso e nos remeteu para a assessoria de imprensa do Tribunal Regional da 3a. Região, que respondeu protocolarmente que providenciaria a resposta, mas até agora nada.
Resposta protocolar também foi dada pela assessoria do Ministério dos Direitos Humanos quando procurado pelos advogados da irmã de Adélio, Edna Teixeira e Alfredo Marques. Diante de tantos absurdos no caso, Edna e Alfredo entendem que o caso não é apenas jurídico, mas político, daí a necessidade de ação do Ministério dos Direitos Humanos, na visão deles.
Um ofício foi encaminhado para a pasta recriada no governo Lula. “(o ofício) foi direto para o gabinete do ministro Sílvio Almeida. Eu fui pessoalmente para ele me atender. E a assessora de comunicação dele, que atende ali, me disse: ‘Eu vou passar para ele’. Ele, pelo que eu vi, não parou para ler. Claro que ele olhou. Ele abriu e estava dito ali (que era referente ao Adélio) e disse: ‘encaminha aí para a Ouvidoria.’ Eu suponho que tenha sido feito assim. Porque ela (a assessora) me disse: ele vai lhe receber. Se não tiver a reunião e você já tiver viajado (Edna mora em Fortaleza), a gente faz uma reunião virtual, você, o advogado e o ouvidor (além do ministro). Mas não houve essa reunião”, contou.
“Eu passei dezessete dias em Brasília. Ligava para eles lá, me atendiam super bem. Mas é aquela coisa: recebe bem, mas não atende. O que fizeram? Encaminharam para a Agência Estadual do Sistema Penitenciário (Mato Grosso do Sul). Foi o que fizeram (depois da análise da Ouvidoria). Para Alfredo Marques, “expuseram ainda mais o Adélio. Para o algoz dele, avisaram que a gente está tomando procedimento. Ele (Sílvio Almeida) devia ter tomado procedimento para chegar lá de surpresa: ‘Quero verificar as condições de encarceramento do Adélio'”.
Com a experiência que tem, inclusive como ex-diretora de fórum, Edna Teixeira diz que o caminho correto era outro.
“Quantas vezes a OAB não faz isso? O Ministério tem poder. Nós estamos no governo Lula. E a gente fica pensando: ‘Será que eles têm medo de ir lá e acusarem o PT de que o PT tem interesse porque o PT mandou ele (Adélio) fazer isso (o que já foi afastado pelo inquérito da Polícia Federal, durante investigação sob o governo Bolsonaro). Eu entendo que o Ministério dos Direitos Humanos tem que agir independentemente do que a oposição vai fazer. O que a oposição vai dizer a gente pode contrapor e provar que não tem fundamento. Tem condição de provar que nosso interesse é outro”, diz Edna.
Alfredo, que tem histórico da defesa contra a violação de direitos humanos, ficou indignado com o que considera omissão do Ministério dos Direitos Humanos.
“Nós denunciamos perante o Ministério dos Direitos Humanos um absurdo, um crime, praticado contra um negro, contra um pobre, contra um periférico, um semianalfabeto, um alucinado, uma pessoa insana, confinado há quatro anos e quase seis meses, aprisionado em cela de segurança máxima. Uma pessoa que é doente mental, a Justiça diz que é doente mental, e está confirmado há quase quatro anos e meio, está confinado sem direito a medicamento, trancado numa cela sozinho, parte desse período prisional ele passou sem falar com ninguém, está tudo documentado. E eu pergunto: que tratamento é esse que se dá a um insano? Trancado em uma cela, sem falar com ninguém, e sem medicamento”, afirmou.
E o complementou: “E o Ministério dos Direitos Humanos age diante de um caso como esse fazendo despachos protocolares? O que é isso? Nós pedimos e invocamos ao ministro Sílvio Almeida que ele atraísse para si a competência e convocasse na esfera de atuação do ministério uma série de ações que são razoabilíssimas para um Estado que quer ser democrático.”
Alfredo se revolta com o que considera “absurdo”. “Para um crime de tentativa de homicídio, que seria o enquadramento no caso de Adélio não ser insano, não existe pena em que a pessoa fique quatro e meio trancado em uma solitária. Se ele não era louco, vai ficar louco, com contribuição do juiz que assina uma loucura dessas. (…) Estamos apontando o dedo. É o Estado brasileiro a cometer um crime contra um cidadão. E um cidadão que tem uma anomalia, uma anomalia que precisaria ter tratamento, precisaria ter medicamento, acompanhamento. E aí o que o estado bolsonarista fez está sendo seguido pelo governo do Lula. Fazendo o quê? Fingindo que a pessoa não existe. Eu sei que se julga aí do ponto de vista jurídico, mas se julga muito mais do ponto de vista político. E esse (erro) não pode acontecer agora. Acobertar ou ignorar os atos do (governo) antecedente não tem justificativa. Pedimos que o ministro dos Direitos Humanos oficiasse o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Advocacia Geral da União, a Procuradoria Geral da República, a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Ordem dos Advogados do Brasil, a ABI, a imprensa de um modo geral, a todos para acompanharem a situação fática do Adélio face o encarceramento dele em Campo Grande”, afirmou Alfredo. “E não vimos nada acontecer”, concluiu.
Alfredo lembrou ainda que o “Estado brasileiro não pode trancar alguém na cadeia e jogar a chave da cadeia fora. Qual é o tempo que o Estado brasileiro precisa para se satisfazer da perseguição a um desafeto? Não tem outro termo.”
Depois de não conseguir fazer a visita virtual ao irmão, Maria das Graças, que é chamada na família de Lia, voltou para sua casa de tijolo aparente na periferia de Montes Claros. Ela disse que os demais irmãos estavam ansiosos por notícias de Adélio, que eles chamam de Tuco, mas não teria nada a dizer. Agora não sabe quando voltará a falar com ele. “Não acredito em nada do que disseram sobre ele nesse caso lá de Juiz de Fora. Ele só se abrirá se puder conversar com alguém da família. E o que nós queremos é que ele fique bem. Quando vão deixá-lo sair de lá? Só quando morrer?”, indagou. “Ele tem família, e eu não vou desistir”.
Via Brasil 247