– Governo Bolsonaro não consegue cobrir vagas ociosas já admite reincorporar profissionais de Cuba ao atendimento –

O governo Bolsonaro continua enfrentando problemas paras preencher as vagas deixadas pelos 8 mil cubanos que atendiam pelo Mais Médicos no país – e que deixaram o programa após os ataques do presidente ao trabalho dos profissionais.

Desde então, o governo lançou sucessivos editais para preenchimento das vagas ociosas, sem êxito. Além disso, cerca dos 15% dos médicos brasileiros que aderiram ao programa, em substituição aos cubanos, abandonam os postos após três meses de atuação.

Nesta sexta-feira (12), encerra-se o prazo de um novo edital para preencher 600 vagas do programa. A primeira etapa era voltada a profissionais formados no Brasil e agora é para brasileiros titulados no exterior (sem a necessidade de revalidação do diploma no país).

Anunciada desde janeiro de 2019, a substituição do programa agora é esperada para agosto e o governo já admire reincorporar os 2 mil cubanos que não voltaram ao país de origem após o rompimento do convênio.

“Eles viram que o que fizeram com o Mais Médicos não deu resposta para o que o povo precisava”, avalia o médico e mestre em Saúde Pública, Thiago Henrique Silva, integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP).

Para ele, há uma inca pacidade em resolver os problemas do povo e uma persistência em manter uma “guerra ideológica”, mas a realidade falou mais alto.

“[O governo Bolsonaro] fez de tudo para prescindir dos cubanos, de tudo mesmo, mas não conseguiram. Agora estão apelando para os cubanos que ficaram meses aí vendendo espetinho, fazendo bicos, para atender nas áreas remotas; lugares que os brasileiros não quiseram e nem os brasileiros formados fora do Brasil. Eles desqualificaram os médicos cubanos e agora estão apelando pra eles”, lembrou Thiago Silva.

Enquanto o governo federal não consegue resolver o problema criado pelos preconceitos de Bolsonaro e seus seguidores, há regiões do país onde alternativas já estão em curso, como o Mais Médicos do Nordeste e o Mais Médicos Campineiro, para ficar em dois exemplos.

O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) vê o anúncio da proposta do governo com ceticismo. “Várias vezes o governo anunciou ter recomposto todas as vagas abertas e nunca foi verdade”.

Para o parlamentar, a possível volta dos cubanos é uma admissão do governo sobre o “valor dos médicos” e, caso se concretize, a garantia dos “direitos humanos” desses profissionais.

Em fevereiro, o governo Bolsonaro se limitava a prometer asilo e ajuda humanitária a estes profissionais, por meio do Ministério da Justiça.

No final de maio, durante entrevista ao programa Roda Viva, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, colocou em dúvida a capacidade dos profissionais cubanos que atuaram no programa entre 2013 e 2018.

“Eu não vi nenhum cubano atendendo no Albert Einstein, na avenida Paulista, porque decerto se fizesse algo com alguém da elite paulista seria um absurdo, mas para o interior vale”, disse ele.

Revalidação

Neste momento, os profissionais que atenderam pelo Mais Médicos até o ano passado teriam direito à reincorporação, para trabalhar por mais dois anos na Atenção Primária do SUS, segundo a reportagem de O Estado de SP. Terminado o prazo, os médicos cubanos serão submetidos ao processo de revalidação do diploma.

“Uma ação integrada do governo Federal está discutindo as soluções para auxiliar a permanência desses profissionais no país e alternativas para o seu exercício profissional”, diz a nota do Ministério da Saúde.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem acompanhando a situação do provimento de profissionais na atenção primária, o desmonte do Mais Médicos e a situação do revalida.

No último dia 5, durante reunião em Brasília, o CNS aprovou recomendação para que o Ministério da Educação (MEC) reconheça os diplomas de médicos estrangeiros.

O documento cita os cubanos que permaneceram no Brasil e atualmente estão impedidos de atuar devido à necessidade de se submeterem ao Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), que teve última edição aplicada em 2017.

“Isso impacta diretamente em suas condições de vida e sobrevivência, enquanto se encontram na condição de refugiados”, afirma a recomendação.

Sem controle social

A conselheira Nara Arruda, representante da União Nacional dos Estudantes (UNE) no CNS, criticou a falta de informações relevantes pelo MEC, que integra a Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho (Cirhth) do conselho.

Segundo ela, o MEC foi convidado para o debate da questão, mas não compareceu. “A Cirhth é constitucional, faz um trabalho sério, mas não estamos tendo devolutiva de nossas demandas. Precisamos do compromisso do MS e do MEC para que valorizem esses profissionais no nosso país”, criticou a conselheira.

Na opinião de Nara, o processo de construção do Revalida é fruto de discussões com amplos setores da sociedade e do ensino, “o que jamais poderia ser ignorado pelo governo”.

O CNS recomenda ao governo que o Instituto Nacional de Educação e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep) comande o processo, “de forma que os resultados reflitam aspirações do Estado brasileiro”.

A Portaria nº 17, de 15 de maio de 2019, do MEC, instituiu um Grupo de Trabalho (GT) sobre o Revalida “sem apresentar o debate ao controle social”.

“É temeroso que se entregue esse processo a cada universidade. Essa é uma tarefa do Sistema Educacional de Avaliação no Brasil. Defendo o Revalida na certeza de que podemos ter a participação [no SUS] dos nossos colegas formados no exterior”, disse o reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Henri Campos, que participou do processo de construção do Revalida, entre 2007 e 2015.

O esboço da nova proposta do governo deverá ser apresentado a parlamentares nos próximos dias. Sem antecipar detalhes para a reportagem do Saúde Popular, o Ministério da Saúde afirma que “trabalha na elaboração de um novo programa para ampliar a assistência na Atenção Primária”.

Histórico

Criado em 2013 pela presidenta Dilma Rousseff, por meio de uma parceria com o governo cubano intermediada pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), o Mais Médicos passou a dar respostas após a vinda de 11 mil profissionais de Cuba e cerca de 1.500 de outros países, já que os dois primeiros editais sobraram vagas, em função de desinteresse dos médicos brasileiros.

O programa trouxe o alívio orçamentário e de provimento aos governos municipais, por fixar profissionais nas comunidades mais distantes e periferias dos grandes centros. Com isso, houve a melhoria de uma série de indicadores de saúde.

No Relatório 30 anos de SUS – Que SUS para 2030?, estudo encomendado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) dados preliminares sobre o impacto do Mais Médicos estimam que o país poderá ter 37 mil mortes de crianças menores de cinco anos até 2030 com o fim da atuação de profissionais cubanos. Caso o programa federal fosse extinto, a estimativa atingiria 42 mil mortes a mais de crianças brasileiras com até cinco anos.

O estudo foi encomendado no ano passado pelo organismo, disse o coordenador do Mais Médicos da OPAS, Gabriel Vivas, na apresentação do levantamento, um ano antes do fim da cooperação.

Partindo da melhoria de indicadores, o relatório indica que, no primeiro ano, a cobertura da Estratégia Saúde da Família passou de 59,6% para 66,9%. Em 2017, 70% da população tinha acesso ao serviços de Atenção Primária à Saúde.

Renato Tasca, integrante da Opas no Brasil, disse que, embora preliminar, a estimativa decorre da atuação dos médicos cubanos em regiões de maior carência. “Nesses locais, crianças morriam por diarreia, por falta de assistência básica”, completa.

Ante às evidências, que demonstraram êxito na combinação de programas sociais, como o Bolsa Família, e a Estratégia Saúde da Família, para a redução da pobreza, a melhoria das condições de saúde e a redução das desigualdades em saúde, a Opas recomenda o fortalecimento de programas sociais e o Mais Médicos.

Outra recomendação do relatório é um investimento público em saúde de, no mínimo, 6% do Produto Interno Bruto (PIB) para que se possa alcançar o acesso universal aos serviços.

“Esse consenso foi firmado no 53º Conselho Diretor da OPAS, em 2014, quando países das Américas concordaram ser necessário aumentar a eficiência e o financiamento público em saúde, tomando em conta que na maioria dos casos um gasto público de 6% do PIB é uma referência útil”, destaca um dos trechos do relatório.

Canadá, Costa Rica e Uruguai já investem mais de 6% de seu PIB nessa área. Já o gasto público em saúde do Brasil é de 3,8% do PIB.

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