Em outubro, eleitores dos três países vão às urnas para escolher novos presidentes
Luis tem 46 anos, veste-se como os CEOs das startups e promete derrotar uma “ditadura de 15 anos”, terminar todo lo que hay, talkei? Seria uma grande novidade na política do Uruguai se a sua persona não fosse tão fabricada quanto a imagem de bom moço do apresentador Luciano Huck. Na campanha eleitoral, Luis é solamente Luis, o que obriga os marqueteiros a um malabarismo para esconder o sobrenome Lacalle Pou. E não há nada de mais tradicional e oligarca naquelas bandas do Rio da Prata. Seu pai, de mesmo nome, Luis Alberto Lacalle, presidiu o país entre 1990 e 1995. Seu bisavô. Luis Alberto Herrera, tentou seis vezes sem sucesso ocupar o mesmo cargo. Em compensação, exerceu o mandonismo no Partido Nacional, os “blancos”, por 50 anos. Era um típico caudilho sul-americano, populista, nacionalista e de origem agrária. Apesar dessa herança, Lacalle Pou, o Luis, tem boas chances de interromper a sequência de vitórias da esquerdista Frente Ampla, de Pepe Mujica.
Em outubro, os uruguaios, assim como os argentinos e os bolivianos, vão às urnas para escolher novos presidentes. À exceção da Argentina, onde a vitória da dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner no primeiro turno parece líquida e certa, dado o completo fracasso de Mauricio Macri, as disputas nos outros dois países estão cercadas de incertezas. O Uruguai é o caso mais intricado. A tal “ditadura” atacada por Lacalle Pou corresponde ao período de sucessivos governos da Frente Ampla. Durante uma década e meia, os uruguaios escaparam dos sobressaltos dos vizinhos: enquanto o Brasil e a Argentina afundavam em crises políticas e econômicas, o parceiro menor do Mercosul via sua economia crescer de forma ininterrupta, reduzia as desigualdades e tinha até tempo para avançar em pautas de costumes, entre elas a legalização do aborto e da maconha.
O ritmo cada vez menor de expansão do PIB, 1,6% em 2018, uma inflação não tão alta, mas incômoda (cerca de 8% ao ano) e o aumento da dívida pública fizeram, porém, brotar no eleitorado um sentimento de fastio e um desejo de mudança, embora os uruguaios tenham tido a sapiência de rejeitar, ainda nas primárias ocorridas em junho, o aventureiro Juan Sartori, banqueiro nebuloso fã de Donald Trump e Jair Bolsonaro, que abusou das fake news na tentativa de emplacar sua candidatura.
As últimas pesquisas dão uma ligeira vantagem a Daniel Martínez, ex-prefeito de Montevidéu e candidato da Frente Ampla. Ele aparece com 37% das intenções de voto, contra 26% de Lacalle Pou. Em terceiro desponta o economista Ernesto Talvi, do Partido Colorado, de centro-direita, com 19%. Sem chances de conquistar uma vitória no primeiro turno, Martínez terá de convencer parte do eleitorado de Talvi a reafirmar a confiança no mais longevo e bem-sucedido projeto progressista do Cone Sul.
A disputa no Uruguai é, de toda forma, sui generis. Luis e Talvi estão à direita no espectro político, mas seus programas de governo não defendem uma guinada radical rumo ao neoliberalismo. Ao contrário. Os dois pregam aumentos dos investimentos em educação e infraestrutura. As diferenças mais notáveis se dão na pauta de costumes. Lacalle Pou ameaça, por exemplo, asfixiar a política de liberalização da maconha aprovada no governo Mujica. O aumento da violência também incomoda e a defesa de um endurecimento das penas e do combate ao crime organizado é uma das principais bandeiras da oposição.
Na Bolívia, a tentação caudilhesca virou-se contra Evo Morales.
Seus três mandatos modernizaram o país andino – que antes da chegada do MAS ao poder não possuía uma Suprema Corte, criada em 2009 – e geraram um crescimento do PIB sem precedentes na história local, média de 5% ao ano. Ainda assim, os eleitores bolivianos não escondem o desconforto com o fato de Morales ter atropelado as regras constitucionais e decidido concorrer uma quarta vez.
Não bastasse, o governo tem sido responsabilizado pelas queimadas na Amazônia boliviana, que destruíram mais de 2 milhões de hectares de floresta. As pesquisas impedem uma leitura precisa da situação. Uma delas, posta em dúvida por integrantes do Tribunal Eleitoral, dá 31% para Morales e 25% a Carlos Mesa. Outra, divulgada na segunda-feira 16, registra uma vantagem de 20 pontos porcentuais do atual presidente em relação ao oponente.
Mesa presidiu a Bolívia durante cinco meses, de outubro de 1994 a março de 1995, período de intensa turbulência. A revolta popular contra a privatização do gás natural, principal riqueza boliviana, quando os ministros de Energia e de Economia tinham o hábito de morar em Miami, fomentaria o movimento que mais tarde levaria Morales à Presidência. Como no Uruguai, esta eleição será um teste para um grupo político de longo domínio, que coleciona mais sucessos do que fracassos, mas que, diante de novos desafios, se apega a velhas soluções.
Caso Martínez e Morales superem as adversidades e saiam consagrados das urnas, uma nova onda vermelha irá reconfigurar as relações regionais. Sob a liderança da Argentina a partir de novembro estarão Bolívia, Uruguai e Venezuela. Do outro lado do ringue apresentam-se Bolsonaro, Sebastian Piñera, do Chile, e Ivan Duque, da Colômbia. Mario Abdo Benítez, do Paraguai, acuado por denúncias de corrupção e alvo de protestos populares, apequenou-se.
Luis esconde o sobrenome na esperança de vencer Martínez
Maior, mais rico e populoso país sul-americano, o Brasil carece, para desespero de quem decretou o fim precoce e torce pelo enterro do “bolivarianismo”, de uma liderança à altura do embate, para dizer o mínimo. Bolsonaro é uma fonte de instabilidade no arco americanófilo e neoliberal. Seus ataques gratuitos, juvenis e incivilizados contra lideranças do continente dispersam a tropa. O episódio no qual enalteceu o ditador Augusto Pinochet e comemorou o assassinato do pai da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, além de mais um vexame internacional, produziu um desgaste na relação com Piñera, obrigado a repudiar as declarações do colega brasileiro e defender a adversária Bachelet. Se quiserem ter influência no Cone Sul, os Estados Unidos vão precisar de um interlocutor capacitado. E este não se encontra no Palácio do Planalto.
Fonte: Carta Capital