Está na capa de O Globo: os miseráveis sujam, enfeiam e ocupam o centro histórico do Rio de Janeiro.

Há uma imprecisão evidente: eles não ocupam o centro de nada, muito menos da História, nem do presente e nem do futuro, se depender do jornal que, como um imperador, baixa os olhos de sua carruagem para olhar a cena triste e reclamar da “Junta de Hygiene Publica” que deixa ficarem assim os passeios públicos”.

É algo que os mais pacientes leitores notam de que falo aqui.

A miséria, já nem a pobreza, escorre aos borbotões pelos meio-fios do Rio de Janeiro e, por certo, de outras nossas grandes cidades.

Quem anda por ali praticando a parca caridade que sobra a este mundo, não tem dúvidas:

— Do ano passado para cá aumentou, e muito. Quando comecei como voluntária, via muitos idosos e pessoas que bebiam. Agora, tem muito desempregado e usuário de drogas. Vejo também um número maior de mulheres e jovens.

A elite brasileira, na sua estupidez, não consegue compreender que é este o outro e perverso lado da “meritocracia”. Os derrotados, os desvalidos, os que, por razões de toda ordem não chegam a conseguir seu lugar numa sociedade que é para apenas um terço de seus viventes vão parar ali, com seus caixotes, farrapos e desesperanças.

Não têm mais ninguém por eles, porque os políticos brincam de escolher vices, os empresários reclamam dos impostos caros e até nós, pretensiosos da classe média estamos preocupados com o nec plus ultra das relações humanas que, como nos mapas de navegação antigos, indicam o que se pode ou não falar.

Só os cães, vira-latas como eles, estão a seu lado incondicionalmente, porque os homens e mulheres “de bem” só se ocupam de enxotá-los. No Largo de São Francisco, quase não há Franciscos que os amem, nem que seja apenas isso, como se fossem animais que não merecem viver nos maus-tratos, na fome e na sujeira.

(…)no Largo de São Francisco, onde sempre reconstrói seu barraco, toda vez que ele é removido por agentes da prefeitura.(…)

— Você vai fazer esta matéria, e eles vão vir aqui para acabar com os barracos. Vão pegar e jogar tudo fora. Depois, voltamos e recolocamos.

É essa a faina da qual, como eles, não podemos desistir, os que lutamos para que o Brasil não seja apenas um pequeno país, cercado de imundas sarjetas por todos os lados.

Eles sempre vão tentar pegar e jogar tudo fora, mas nós voltamos e recolocamos.

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