– PL, da bancada ruralista, foi apresentado na quinta (14) e pode ter urgência votada nesta quarta (20) na Câmara
Cristiane Sampaio –
Na contramão das articulações da bancada ruralista, entidades da sociedade civil reforçaram, nesta quarta-feira (20), em uma coletiva de imprensa, o coro contra a votação do Projeto de Lei (PL) 2633/2020, apelidado de “PL da Grilagem”. O PL repete o conteúdo da medida provisória (MP) 910, a “MP da Grilagem”, que perdeu efeitos por não ter sido votada pelo Congresso Nacional até 19 de maio.
Patrocinada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), um dos braços políticos e econômicos do governo Bolsonaro, a medida promove a regularização de terras públicas ilegalmente ocupadas e pode ter um requerimento de votação de urgência votado ainda nesta quarta-feira (20), no plenário da Câmara dos Deputados.
O projeto de lei é alvo de uma intensa campanha popular que rejeita o conteúdo da matéria e pede também o adiamento da pauta. A mobilização envolve movimentos populares, organizações não governamentais (ONGs), especialistas, artistas, igrejas, entre outros grupos. O militante Luiz Zarreff, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destaca que a medida tende a trazer um impacto fundiário, humano e ambiental de grande porte e por isso conta com múltiplos opositores.
Leia tembém:
https://emcimadanoticia.com/2020/05/14/ze-silva-o-relator-da-mp-da-grilagem-apresenta-projeto-de-lei-que-preve-legalizacao-de-terras-publicas-irregulares/
“Não é uma batalha entre ambientalistas e agronegócio. É uma defesa feita por um amplo leque de organizações pela vida, de pastorais, movimentos do campo, das águas e das florestas, centrais sindicais, movimentos de direitos humanos, inclusive de setores do próprio agronegócio que estão contra essa medida, que é extremamente arcaica”, acrescenta o dirigente.
Além dos setores do agronegócio que têm se mostrado reticentes com a pauta, a rejeição alcança multinacionais que mantêm negócios com o Brasil. Na terça-feira (19), 41 empresas globais assinaram uma carta pública pedindo que os parlamentares votem contra o PL. O movimento aglutina diferentes setores – entre eles, finanças, pecuária e alimentação – e inclui gigantes como a marca Burguer King. Os signatários do documento apontam que a eventual aprovação da medida comprometeria as transações internacionais com o país.
“Ela incentivará a apropriação de terras e o desmatamento generalizado, o que colocaria em risco a sobrevivência da Amazônia e o cumprimento das metas do Acordo de Mudança Climática de Paris, além de prejudicar os direitos das comunidades indígenas e tradicionais. Acreditamos que isso também colocaria em risco a capacidade de organizações como as nossas de continuarem a comprar do Brasil no futuro”, argumentam as empresas, em referência aos protocolos internacionais que preveem respeito à preservação do meio ambiente.
O PL 2633 foi oficialmente apresentado na última quinta-feira (14) pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), relator da Medida Provisória (MP) 910, chamada de “MP da Grilagem”. Repetindo o teor da MP, o projeto de lei resulta de uma saída encontrada por líderes partidários do campo majoritário da Câmara para evitar que o tema saia da pauta.
Nos últimos dias, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e aliados têm entoado o discurso de que o PL já seria ponto de acordo e poderia ser colocado em votação. As entidades da sociedade civil que acompanham o tema criticam a postura do grupo e ressaltam que a proposta é marcada por profundas dissidências.
“O texto não é bom. Aliás, o texto sequer é razoável, e não existe acordo pra votação. Nem é, definitivamente, um momento bom pra sua votação. A Câmara opera em sistema remoto e especial, a gente está perdendo mais de mil pessoas por dia para o coronavírus e qualquer parlamentar, qualquer agente público deste país deveria estar concentrado em salvar vidas”, defende o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
Os opositores entendem que o tema sobre o qual trata o PL diz respeito a questões agrárias seculares, envolvendo ainda um forte contexto de violência no campo, e não poderia ser alvo de um rito sumário de votação. Márcio Astrini destaca que, no esquema atual de funcionamento do Congresso, a sociedade civil tem sido excluída do processo de participação. “E não é também que a gente não queira discutir. A gente quer, e é exatamente por querermos isso que defendemos que ele seja discutido também no período pós-pandemia”, afirma, acrescentando que o texto traz prejuízos inclusive para a imagem do país.
Representantes de populações do campo recorrem, por exemplo, ao direito de consulta prévia para discordar do esquema atual de votações. O diálogo com as comunidades em casos de obras e pautas que afetem seus interesses está previsto, por exemplo, na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Os dirigentes se queixam de não terem sido ouvidos sobre o PL e afirmam que o contexto de pandemia dificulta, inclusive, a articulação social, pelo fato de as comunidades estarem seguindo as políticas de isolamento.
“Nós temos que ter esse direito garantido. Além disso, este não é, de fato, um momento pra se votar um PL dessa natureza porque estamos chorando os nossos mortos”, disse, nesta quarta, Denildo Rodrigues de Moraes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), durante a coletiva das entidades.
Votação
O PL 2633/2020 não está oficialmente na ordem do dia desta quarta-feira (20) na Câmara dos Deputados, mas, nos bastidores, parlamentares articulam a apresentação do requerimento de tramitação de urgência para a proposta, que pode ser votado durante a sessão. Com isso, a medida seria debatida nas sessões seguintes, podendo ser votada nas próximas semanas.