Em editorial publicado nesta segunda-feira (29), o jornal Estado de S. Paulo, que foi um dos maiores defensores da Lava Jato durante sua ascensão, destacou a “rocambolesca agonia” e o “final melancólico” da operação que, segundo o jornal, “decepcionou muitos brasileiros que depositaram na operação a esperança pelo resgate do princípio fundamental da República”.
O Estadão trouxe toda a recente trama envolvendo a Lava Jato, desde o comando do juiz Eduardo Appio na 13.ª Vara Federal de Curitiba, ao seu afastamento, as ações que revogaram decisões de Sergio Moro sobre o advogado Rodrigo Tacla Duran e depois a anulação dessas revogações pelo desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que pediu afastamento dos processos após virem a público seus laços com a família Moro.
Com o afastamento de Appio, os casos remanescentes da operação passaram para as mãos da juíza substituta Gabriela Hardt, a qual o Estadão diz que “se mostrou incapaz do cuidado mais comezinho que se espera de um julgador: saber quem está julgando. A magistrada, vale lembrar, tratou como sendo pessoas distintas José Aldemário Pinheiro Filho e ‘Léo Pinheiro’, apelido pelo qual o ex-presidente da OAS é conhecido”.
Leia alguns trechos:
O roteiro da agonia da Lava Jato é digno de uma novela de baixo orçamento. Veja-se o que ocorre agora na 13.ª Vara Federal de Curitiba, que durante o período áureo da operação anticorrupção foi transformada em uma espécie de “Tribunal Oficial do Brasil” e hoje oferece ao País um lastimável show de horrores.
(…) Até outro dia, a 13.ª Vara Federal estava sob a chefia do juiz Eduardo Appio. Declarado simpatizante do presidente Lula da Silva e crítico da Lava Jato, Appio revogou algumas decisões que Sérgio Moro tomou quando esteve à frente daquele juízo, entre as quais uma ordem de prisão contra Rodrigo Tacla Duran, advogado acusado de ser operador de transações financeiras ilegais da Odebrecht. Tacla Duran, que vive fora do País há alguns anos, acusa Moro e Deltan Dallagnol de terem exigido substancial soma em dinheiro para o livrarem da cadeia. Ou seja, teriam praticado extorsão.
Em meados de abril, o desembargador Marcelo Malucelli, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), anulou o despacho de Appio revogando a prisão de Tacla Duran e ordenou que o advogado fosse preso, tal como Moro havia feito em 2016. Malucelli era o relator dos processos da Lava Jato no TRF-4 até pedir seu afastamento por suspeição após terem vindo a público seus laços com a família Moro.
Para piorar, Appio foi substituído na 13.ª Vara Federal pela juíza Gabriela Hardt, a mesma que em uma de suas sentenças no âmbito da Lava Jato se mostrou incapaz do cuidado mais comezinho que se espera de um julgador: saber quem está julgando. A magistrada, vale lembrar, tratou como sendo pessoas distintas José Aldemário Pinheiro Filho e “Léo Pinheiro”, apelido pelo qual o ex-presidente da OAS é conhecido.
(…) Tal foi o desserviço prestado por essa turma que hoje delinquentes posam como supostas vítimas dos erros cometidos pela força-tarefa com a maior desfaçatez e levam muitos brasileiros de boa-fé a acreditar que eles possam estar dizendo a verdade.
A Lava Jato, hoje se sabe, padeceu de um terrível vício de origem, o desabrido desrespeito ao princípio do devido processo legal, que selou seu destino. Direitos fundamentais foram solapados pela sanha punitiva e pela agenda política de muitos servidores ligados à operação, principalmente suas duas maiores estrelas.
Ao se apropriarem de uma ação oficial do Estado como plataforma de lançamento de seus projetos particulares, esses agentes públicos, a um só tempo, feriram de morte a Lava Jato e decepcionaram muitos brasileiros que depositaram na operação a esperança pelo resgate do princípio fundamental da República, a igualdade de todos perante a lei, do fosso das grandes desilusões nacionais.