Zema fez campanha para Bolsonaro, que foi derrotado nas urnas – Foto: Reprodução/Instagram
Após ter encampado a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) a ponto de ter assumido a coordenação em Minas Gerais, o governador reeleito Romeu Zema (Novo) terá que se sentar à mesa com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a partir de 2023. Passados os excessos, tanto um quanto outro sinalizam uma relação republicana, mas terão que conciliar os interesses, que, até o momento, encontram eco nas obras de infraestrutura.
O secretário de Estado de Governo, Igor Eto (Novo), afirma que o governo Zema é maduro o suficiente para ter uma relação institucional benéfica com o governo Lula. “O que a gente espera do outro (lado) é reciprocidade”, destaca. “Agora, não é mais Bolsonaro versus Lula, Novo versus PT, não é mais essa a discussão. A eleição terminou dia 30. Agora é o governo de Minas Gerais em uma relação com o governo federal”, acrescenta Eto, lembrando que Zema prontamente reconheceu a vitória de Lula.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes, que, durante a campanha, já havia acenado que, caso eleito fosse, Lula teria com Zema a mesma relação republicana que teve com o ex-governador Aécio Neves (PSDB), reafirma que a postura do governo federal será republicana. “Ao contrário do Bolsonaro, o governo Lula não é antifederativo, e nós vamos construir as principais políticas públicas e os planos de investimento juntamente com os governadores eleitores”, reitera o deputado federal.
Entre os assuntos sobre a mesa, a prioridade do Palácio Tiradentes, por exemplo, será a adesão do Estado ao RRF, cujas negociações, já em andamento, se dão diretamente com a Secretaria do Tesouro Nacional. Apesar de esperar a homologação do processo ainda em 2022, Eto acredita que não haverá problemas caso as discussões se estendam para 2023. “Essa é uma discussão eminentemente técnica e o Tesouro Nacional é um órgão eminentemente técnico também”, observa o secretário.
Reginaldo, por sua vez, pontua que, hoje, os esforços do governo Lula estão concentrados na “PEC da transição”. A proposta visa a autorizar gastos extras no orçamento de 2023, como o ajuste real para o salário-mínimo, garantir os R$ 600 mais R$ 150 por criança no Bolsa Família e criar um plano de obras públicas. “As obras da infraestrutura são de interesse do Estado muito mais do que a Recuperação Fiscal”, afirma. “Minas é um pequeno Brasil, porque faz a integração do Sul e do Sudeste com o Nordeste. A prioridade, na verdade, deveria ser resolver o problema da infraestrutura, que é uma vergonha.”
De acordo com Eto, o governo Zema quer tratar com Lula a revitalização de rodovias federais, como as BRs-381, 262 e 135. “São pautas prioritárias e precisam da parceria com o governo federal para serem realizadas”, pontua o secretário. Durante a campanha, em agenda em Ipatinga, no Vale do Aço, o presidente eleito prometeu duplicar o trecho da BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares, no Rio Doce.
Questionado se a BR-381 estaria no pacote, Reginaldo reitera que, após ser empossado, Lula deve se reunir com os governadores para discutir um projeto de obras públicas, quando, como o ex-presidente se comprometeu durante a campanha, cada um apontaria três obras prioritárias. “Um país sem obras públicas é um país que não consegue alavancar o crescimento do PIB e não consegue resolver o custo Brasil”, defende.
ICMS. Conforme Reginaldo, a compensação da União a Estados por conta do teto imposto por Bolsonaro à cobrança de ICMS ainda não foi discutida em meio à transição. “Isso já está judicializado e tem que ver o que vai ocorrer pela frente”, explica. Onze governadores ajuizaram uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal questionando a desoneração. Zema, no entanto, não está entre eles.
Divergências ficaram para trás, afirma Eto
Embora já tivesse utilizado o discurso antipetista como expediente para a reeleição, Zema acirrou o tom ao embarcar na campanha de Bolsonaro. Ao lado do presidente em cerimônia encabeçada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o governador reeleito chegou a afirmar que todo mineiro que conhece “um pouco da realidade” do governo Fernando Pimentel (PT) deveria ser “PTfóbico”. “Só se sofrer de amnésia para querer que esse governo volte”, acrescentou.
De acordo com Eto, se houve divergências, ficaram para trás. Daqui pra frente, acrescenta o secretário, “é uma folha em branco para lidar com o governo federal”. “Vou pegar aqui uma frase que ouvi do discurso do presidente eleito: ‘Agora é hora de baixar as armas’. Nós estamos prontos para ter uma relação cordial e institucional. O que nós não vamos aceitar é Minas ser penalizada por qualquer discussão ou qualquer motivo que seja”, afirma. Conforme ele, não há “um plano de enfrentamento ao governo federal”.
Reginaldo relembra que, quando Lula visitou Belo Horizonte pela primeira vez no 2º turno, disse que se Zema soubesse “10% do que fiz por Minas Gerais, teria um problema de remorso”. “Então, Lula reafirma o compromisso de ser republicano e governar com todos os governadores, porque nós queremos resolver o problema do povo de Minas”, reforça. Questionado se as próximas eleições poderiam interferir, o deputado federal diz que “as eleições são em 26, não agora”.
Especialistas creem em relação amistosa por interdependência
O professor do campus de São Borja da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Leonardo da Silveira Ev avalia que, ao menos em um primeiro momento, haverá uma relação, senão amistosa, institucional, já que, conforme Ev, a estrutura federativa faz com que haja uma interdependência entre os Estados e a União. “O governo federal tem muito mais recursos do que o Estado, mas também é dependente dos Estados, inclusive em termos de recursos políticos”, pontua.
Ev observa que se, por um lado, o governo estadual precisará de investimentos do governo federal dado o arrocho fiscal do Estado, Minas Gerais, em razão de sua importância na federação, não poderá ser ignorada. “Minas tem a segunda maior bancada do Congresso Nacional e o governador sempre é um elemento que pode viabilizar certas negociações a nível de bancada estadual. Pode ser que, para aprovar certas medidas, Lula precise do apoio da bancada mineira, mais do que aqueles votos que já tem”, considera.
Assim como Ev, a professora do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Marta Mendes da Rocha entende que nenhum dos lados pode se dar ao luxo de manter uma relação conflituosa. “Desde a vitória de Lula, a gente está vendo um movimento de moderação de grande parte da classe política. (…) Acho que não tem espaço para radicalização. Pelo menos no âmbito da política institucional e dos representantes, ela vai ficar cada vez menor”, projeta.
Para Marta, a postura radical de Zema durante o 2º turno fez algum sentido,uma vez que, como tinha o compromisso em ajudar Bolsonaro a virar em Minas, precisava mostrar serviço. “Agora, acho que a tendência é a moderação”, ressalta. “Da mesma maneira, não acho provável qualquer postura de revanchismo do Lula e do PT em relação a Zema. Minas Gerais é um estado que tem muita importância econômica e eleitoral e uma grande bancada na Câmara”, reitera.
Sucessão presidencial. Ainda de acordo com Ev, a cooperação, inclusive, poderá ajudar os objetivos a longo prazo de ambos. “Zema certamente quer fazer um governo para se cacifar para uma disputa, quem sabe, até nacional em 2026. e Lula quer fazer um bom governo dentro da perspectiva de reconstruir o país, e, talvez, fazer um sucessor”, diz. Questionado se, na verdade, os anseios pessoais não poderia levar a retaliações, ele até pondera que tem potencial. “Mais próximo a 2026, tendo mais clara a perspectiva das eleições, eles, de fato, partam para um rompimento, mas, a princípio, vão precisar colaborar.”
Via O Tempo