Superlotação é um dos pontos mais reclamados por familiares — Foto: Arquivo / Agência Brasil

Superlotação, tortura, falta de atendimento médico, suicídios tentados e consumados, maus-tratos aos familiares e más condições dos alimentos foram algumas das reclamações feitas por familiares de pessoas em privação de liberdade sobre as condições das unidades prisionais de Minas Gerais. O assunto foi levado a deputados estaduais e a representantes do Executivo de Minas em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última terça-feira (18).

Ana Regina Teixeira Silva é assistente social em uma das unidades prisionais de Minas Gerais e compartilhou o que observa e as queixas recebidas de familiares das pessoas em privação de liberdade. A servidora apontou a falta de atendimento médico. “Um rapaz estava com dengue hemorrágica e estava sangrando. A mãe foi visitá-lo e o encontrou nesta situação. Ela me ligou pedindo socorro, pois não sabia o que fazer, mas não havia escolta. O atendimento odontológico [também está precário] e tem pessoas com infecção no dente”.

Ainda na área da saúde, Ana Regina informou sobre a falta de medicamentos. “Quantos os detentos pedem remédios, tem certas funcionárias que mandam esperar e tomar água. O Estado tem toda responsabilidade sobre o detento, seja nas áreas educacional, psicológica e médica. Os detentos tomam tiros de borracha e vemos os ferimentos”, relatou.
A qualidade da alimentação fornecida é queixa constante e foi mais um dos problemas apontados. “Fazem chuchu, acondicionam na marmita e ela chega cheia de água. Muitos [detentos] estão tendo diarreia. Outra coisa preocupante é o número de suicídio. Está aumentando demais”.
A assistente social tem um filho em privação de liberdade e propôs uma reflexão sobre a reinserção deles na sociedade. “Eu fiz uma observação na unidade e percebi que poderia ter uma horta por lá. Os detentos estão inúteis dentro das unidades. O Estado os joga nos presídios. Que tipo de ex-pessoa em privação de liberdade vai chegar na sociedade?”, indagou.

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Ao término, Ana Regina pediu para que as autoridades tenham sensibilidade diante da situação relatada por ela e por outras pessoas que participaram da audiência. “Vocês têm o poder de lutar por nós. Que eles possam ser respeitados”, pediu.

‘Minha vida é chorar e sofrer’
O filho da dona de casa Dalva de Fátima Israel da Silva está detido em Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas. Ela denunciou a forma como os familiares dos presos são tratados. Segundo ela, os alimentos levados são jogados no lixo. “Vemos comida, biscoito e doces sendo jogados fora. Por que não devolver? Quantas crianças estão passando fome”, disse.

Dalva afirmou que enfrenta o “sol escaldante” da cidade para levar comida até o filho, mas a refeição não chega até ele e, sim, vai direto para a lixeira. “Não é fácil. Quantas vezes a comida feita com tanto carinho para o meu filho sentir o gosto do tempero foi jogada fora”.

Diante de toda situação, Dalva contou estar enfrentando a depressão. “A minha vida é chorar e sofrer. Meu filho tem que pagar pelo que fez, mas com dignidade e respeito”, desabafou.

Plataforma acolhe denúncias
A plataforma Desencarcera! recebe somente denúncias anônimas, boa parte delas recorrentes, e é mantida pelo programa de extensão Culthis da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que oferece gratuitamente atendimento jurídico, psicossocial e psicológico a presos e seus familiares.
Segundo a coordenadora, professora Carolyne Reis Barros, mais do que apurar a veracidade dos relatos, a plataforma cumpre importante papel de provocar o debate na sociedade para tentar mudar a triste realidade do universo prisional.

“Violam sistematicamente a integridade física, psíquica e moral dessas pessoas e seus familiares, que vão desde a abordagem corporal abusiva até mais graves como a tortura. Do ponto de vista prático, temos uma parceria com a Defensoria Pública para uso dos relatos no encaminhamento de ações civis coletivas”, explica a professora.

A deputada estadual Andréia de Jesus (PT) ressaltou que a sociedade na qual vivemos é “punitivista”. “O Estado brasileiro prende muito e prende mal. Persegue nossa juventude que já não tem nenhuma oportunidade e a empurra para essas masmorras”, afirmou.
‘Estado tem que dar conta’.
Em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), existem 63 mil pessoas em privação de liberdade nas 172 unidades espalhadas pelas cidades. Para o especialista em criminalidade e segurança pública Arnaldo Conde Filho, o problema é estrutural e começa com a sociedade acreditando que as unidades devem ser uma vingança, seja lá qual crime o indivíduo praticou.

“Mesmo com os esforços feitos pelo Estado com as Parcerias Público Privadas (PPPs), que é um sistema interessante moderno e atual, os melhores resultados temos na Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). Mas é preciso tomar atenção, pois ela é destinada para aqueles que não tem, digamos assim, carreira criminal. A Apac é uma possibilidade de recuperação. Aqueles que têm extensa passagem precisam de outro tratamento”, disse.

Enquanto a estrutura não é a adequada, Filho destaca que os internos poderiam ter o tempo ocioso ocupado, como sugeriu Ana Regina na audiência pública.
“Fundamentalmente, falta ocupação. As pessoas têm que estar trabalhando de alguma forma para preencher o tempo, pois ficar sem fazer nada nesse tipo de ambiente é o pior”.

Para mudar o cenário mineiro, o estudioso avalia que o governo precisa olhar para outros países e adotar os modelos utilizados. “As alternativas vemos no mundo. Somente quando tivermos programas mais efetivos, olharmos para fora é que vamos melhorar o nosso nível. Jeito tem, mas requer gasto. Querendo ou não, quem está nas unidades prisionais precisa de apoio, e o Estado tem que dar conta do tratamento”, indicou.

Aprimoramento
A superintendente de Humanização do Atendimento, órgão do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen) da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Ana Paula de Almeida Vieira Dolabella, participou da audiência e disse que todas as denúncias e sugestões relatadas foram registradas e servirão para aprimorar a qualidade dos serviços, sobretudo de forma a estreitar o vínculo do detento com seus familiares. Ela prometeu uma resposta detalhada à comissão no prazo de 30 dias.

Já o superintendente de Segurança do Depen, Luciano Evangelista Cunha, lamentou que atualmente, das 172 unidades prisionais do Estado, 70 estejam interditadas por determinação judicial para movimentação de presos, conforme exposto por familiares. Em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, segundo ele, são quatro interditadas e apenas uma liberada.

A reportagem questionou a Sejusp sobre as denúncias levantadas pelos participantes da audiência, no entanto a pasta alegou que não comenta pelo fato de ter tido a presença de representantes do governo no encontro.

O Tempo

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