Após a reforma psiquiátrica, os manicômios e hospícios que proliferavam país afora foram fechados, caso do Prontomente, em Montes Claros. E surgiram os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que oferecem um atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas.

Mas estes temíveis manicômios voltaram com toda força, disfarçados de “comunidades terapêuticas”, e praticando as mesmas torturas de antigamente nos porões dos hospícios, com castigos físicos e psicológicos, racionamento de comida, doutrinação religiosa, segregação e repressão sexual, segundo reportagem do Fantástico, da Rede Globo, no último Domingo (19). O mais complicado é que os internos são obrigados a trabalhar e a construir as estruturas onde são prisioneiros.

Resultado de dois meses de apuração, a equipe do Fantástico revelou a violação de direitos em comunidades terapêuticas, interferindo no cuidado das pessoas acolhidas por essas instituições, que recebem milhões do Poder Público.

Para a presidenta do Conselho Federal de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS), Ana Luiza de Souza Castro, a reportagem é importante por evidenciar, de maneira informativa, a violação de direitos humanos e a não existência de tratamento em comunidades terapêuticas que, em muitos casos, recebem muito dinheiro público e cometem diversas violações, como a homofobia, por exemplo.

Clique aqui para assistir à reportagem completa.

O Sistema Conselhos já realizou inspeções a esses locais que não são de tratamento, como afirma a presidenta do Conselho Federal de Psicologia, Ana Sandra Fernandes, uma das entrevistadas da reportagem. Em 2018, o “Relatório de Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos no Brasil” evidenciou graves situações de violação de direitos, tratamento cruel, desumano e degradante, assim como indícios de tortura a pacientes com transtornos mentais nessas instituições. A publicação é resultado da Inspeção Nacional, realizada em outubro de 2017, na qual foram visitadas 28 instituições nas cinco regiões do país, em 12 unidades da federação (11 estados e o Distrito Federal).

Em dezembro de 2018, também foi publicado o relatório “Hospitais Psiquiátricos no Brasil: Relatório de Inspeção Nacional”, resultado de inspeção em 40 hospitais psiquiátricos, localizados em 17 estados, nas cinco regiões do país. Tratou-se de uma ação interinstitucional organizada pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Comunidades terapêuticas recebem milhões do Poder Público para acolher dependentes, mas submetem internos a castigos

Muitas delas têm vínculos religiosos e recebem dinheiro público, mas, em dois meses de apuração, a equipe do Fantástico visitou comunidades que oferecem tratamentos que não priorizam a medicina.

A Fundação Dr. Jesus, presidida pelo deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante), recebeu denúncias sobre irregularidades em tratamentos terapêuticos. Segundo a reportagem, um dos acolhidos relatou estar de castigo, podendo se alimentar “apenas de arroz por três dias”. Em outra situação, Isidório afirma que pessoas transgênero são diabólicas.

“Você deixou o Diabo lhe enganar. Você deixou o médico cortar seu pé de sofá. Ela só pensa que tem ‘bilau’. O Diabo diz ao homem que ele pode ser mulher, aí ele se veste todo, bota silicone”, disse o deputado em um dos áudios.

Em outro momento, Isidório aparece com um facão na mão, e zomba da medicina: “Meu psiquiatra chegou. Seu psiquiatra chegou”. “Cabelinho quer rapá. Vai procurar um jegue. Você nasceu foi macho, rapaz”, diz o pastor em outra filmagem.

Durante dois meses de investigação, o Fantástico encontrou este e outros exemplos de descaso pela ciência no tratamento de dependentes químicos em instituições que recebem dinheiro público. Os repórteres estiveram da Fundação Dr. Jesus e em outras comunidades terapêuticas que dizem contar com psiquiatras, psicólogos e enfermeiros no atendimento a pacientes.

As chamadas comunidades terapêuticas recebem dependentes em álcool e drogas que têm que se internar por livre e espontânea vontade.

Ainda de acordo com o Fantástico, em 2019, somente do Ministério da Cidadania, que é o responsável pelo programa de comunidades terapêuticas, saíram mais de R$ 81 milhões. No ano passado, o valor chegou a R$ 134 milhões, um aumento de 65%.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 − 1 =