Papa Francisco durante seu encontro com jesuítas eslovacos (Vatican Media)

Por Mirticeli Medeiros*

Papa Francisco não é bobo e conhece seus inimigos pelo nome e pelo sobrenome. Quando menos esperamos, ele nos presenteia com suas sacadas de mestre. Embora tenha tanto com o que se preocupar, se revela alguém bastante atento ao que ocorre – principalmente pelas suas costas. Seus olhos e ouvidos estão em todos os “cômodos” do pequeno Estado que governa. É impressionante.

Em meio a essas tramas quase renascentistas, cujos protagonistas são os prelados que não veem a hora de que esse pontificado chegue ao fim, o pontífice transforma as críticas no combustível para o seu projeto de reforma. Quanto mais resistem, mais ele se mostra disposto a ir até o fim. Como bom conhecedor da história da instituição, ele sabe que as reformas da Cúria Romana sempre foram marcadas pela resistência daqueles que consideram a sua estrutura um modelo intocável.

Esta semana, o papa deu trabalho aos jornalistas que cobrem o Vaticano. Em um encontro informal com os jesuítas, na sua última viagem à Eslováquia, ele deixou escapar que sabia de um complô formado por prelados (sem especificar se eram bispos ou cardeais), os quais estariam prontos para atuar caso Francisco saísse muito debilitado da cirurgia no intestino à qual se submeteu em julho passado. “Já preparavam até o conclave. Paciência!”, disse o santo padre. “Ainda estou vivo” – acrescentou -, como se dissesse: “Estou bem, agora vão ter que me engolir”.

As especulações já apontam para todos os lados. O jornalista Fabio Marchese, do periódico italiano Il Giornale acredita que esse grupo seja composto por monsenhores da Cúria Romana que atuam no organismo há muitos anos, os quais, na frente do papa, se mostrariam diplomáticos e bastante dispostos. Mas embora tais burburinhos não tenham levado a nenhum nome, todos os profissionais de imprensa concordam que, mais uma vez, isso tem dedo de algum bispo da Igreja americana.

Não é novidade para ninguém, por exemplo, que o cardeal Timothy Dolan assumiu as vestes de kingmaker ao distribuir, entre os purpurados, um livro “sobre o papa ideal”, escrito por um autor que é abertamente contrário a Francisco. Lembrando que é proibido fazer esse tipo de “campanha” antes da morte do papa, segundo regimento interno da instituição. E o purpurado americano tem consciência disso.

Quando o pontífice atual visita um país, são raras as vezes em que ele não se encontra com os jesuítas do lugar. E são nessas ocasiões que ele aproveita para fazer seus desabafos, por se sentir bastante à vontade para isso, entre seus confrades. Como bom jesuíta, aliás, ele conhece os jogos de poder que acontecem entre os vários grupos que compõem o corpo eclesial – ora de maneira mais explícita ora de maneira mais sutil, a depender de quem governa.

O silêncio de alguns opositores de Francisco, atualmente, também o deixa em estado de alerta. Ele sabe que é na surdina que os movimentos antirreforma ganham força. E expor o caso, para que todos estejam a par do cenário, os enfraquece. O papa atual é um bom estrategista e “está para a guerra”, no bom sentido do termo. As suas atividades, daqui para frente, serão voltadas para expressar força e vitalidade. A última viagem apostólica foi prova disso.

Após ficar a par do que anda acontecendo, talvez pelo seu secretário de Estado, Pietro Parolin, segundo o artigo de Marchese, Francisco, sem dúvida alguma, vai recalcular a rota. Algumas nomeações na Cúria Romana precisam ser feitas, pois alguns cardeais já chegaram à idade de pedir aposentadoria. Ele pode optar por convocar um novo consistório para que colaboradores mais alinhados a seu programa de governo ocupem essas vagas.

É a hora do tudo ou nada, já que a idade do papa avança e as cartas sobre o futuro da instituição precisam ser colocadas à mesa. Se existirá um Francisco II não sabemos, mas é impensável eleger alguém que abandone essa reforma. E para que ela se concretize e gere frutos, ao menos 3 papas precisam estar dispostos a levá-la adiante, já que o plano é audacioso e precisará de anos para ser encarnado nas várias realidades que se mesclam dentro do catolicismo.

*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

Via Dom Total

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