Evento criado por Lula e Fidel reúne partidos e organizações de esquerda de países da América Latina e Caribe e tem como ponto central de atuação o debate sobre políticas alternativas ao modelo neoliberal

Créditos: Ricardo Stuckert – Fidel Castro e Lula, em encontro em Havana (2010)

O Foro de São Paulo (FSP) é uma das maiores obsessões da extrema direita e um pesadelo para apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas, ao contrário do que bolsonaristas alardeiam aos quatro ventos, de que a intenção seria implantar ‘ditaduras comunistas’, bem ao estilo da folclórica Ursal (União das Repúblicas Socialistas da América Latina), a organização reúne partidos e organizações de esquerda para debater os desafios da América Latina e Caribe, em especial propor alternativas ao modelo neoliberal e promover a integração latino-americana e caribenha nas áreas econômica, política e cultural.

Mas para políticos bolsonaristas, como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), o FSP é um perigo. Ela chegou a ingressar com uma acusação junto ao Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Eleitoral (MPE) contra a realização do 26º encontro do FSP em Brasília, que não prosperou. Engrossam o coro dos políticos bolsonaristas que esperneiam contra a organização Bia Kicis, Gustavo Gayer, Flávio Bolsonaro e Eduardo Girão.

Breve história

O FSP foi criado a partir de uma convocação de Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e de Fidel Castro, de Cuba, a partidos, movimentos e organizações de esquerda em julho de 1990. O propósito da organização era refletir sobre os acontecimentos após a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, e alternativa e caminhos autônomos para a visão da esquerda da América Latina e do Caribe.

A primeira reunião foi na cidade de São Paulo, em julho de 1990, e reuniu 48 partidos e organizações que representavam diversas experiências e matrizes político-ideológicas de toda a região da América Latina e Caribe.

Atualmente, mais de 100 partidos e organizações políticas de diversos países participam dos encontros. No Brasil, PT, PC do B e PCB são os partidos que compõem o foro. As posições políticas variam dentro de um largo espectro, que inclui partidos, organizações comunitárias, sindicatos, movimentos sociais, esquerda cristã, grupos étnicos e ambientalistas.

Debates anti-neoliberais

Nesta quinta-feira (29), começa a 26ª edição do FSP, em Brasília (DF). A abertura oficial, marcada para às 19h, terá a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Será a primeira vez que o grupo se reunirá na pós-pandemia de Covid-19. A edição anterior do encontro foi realizada em 2019, em Caracas, capital da Venezuela.

Esta edição do FSP, como pontua o documento base que orienta os debates do evento, ocorre em um momento de profundas transformações na situação política da América Latina e Caribe.

“Uma mudança favorável na correlação de forças, marcada por rebeliões populares em todo o continente, que expressando a agitação social, a crescente mobilização popular e a oposição ao projeto ideológico e político neoliberal capitalista”, diz o texto.

Tarefas do Foro de São Paulo

Entre as tarefas prioritárias desta edição do foro estão:

“O que menos podemos fazer ou o que menos podemos fazer a esquerda na América Latina do que levantar uma consciência em favor da unidade? Isso deve ser registrado nas bandeiras da esquerda. (…) Não teríamos futuro sem unidade e integração”. 
Fidel Castro, Encerramento do IV Foro de São Paulo, Havana, julho de 1994

Entre os principais objetivos do FSP está a unidade e a integração das nações latino-americanas e caribenhas. A história ensina que é pela via política que é possível desencadear um processo de integração. Esse caminho está sendo percorrido por meio de medidas adotadas por governos de esquerda, como a renovação da Comunidade Latino-Americana e Estados do Caribe (Celac), da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

A despeito desses movimentos rumo à integração regional, ainda há muitos obstáculos para avançar no processo de integração e que agravam novos problemas na já complicada situação das nações latinas e caribenhas que limitam seu desenvolvimento econômico, entre os quais:

Entre os temas em debate no FSP está a Guerra da Ucrânia. Segundo o documento-base do evento, os participantes estão comprometidos com uma solução realista e diplomática para a guerra na Ucrânia e consideram que esta posição pode ser compartilhada por todas as forças políticas democráticas do continente.

“O diálogo e as negociações – não a guerra – é a única forma de resolver o conflito, sempre pela via pacífica, que garanta a soberania de todos, a paz, a estabilidade e a segurança regional e internacional”, pontua o texto.

Economia e mundo do trabalho

O texto-base que orienta os debates do FSP aponta também a existência de uma fratura no mercado de trabalho, com perda de vagas e qualidade dos empregos. Há ainda, segundo o documento, o fenômeno da expansão de empregos de médio prazo e prazo fixo sem benefícios, baixos níveis de seguro, sem emprego, mas como um número crescente de pessoas que assumem mais de um emprego para equilibrar as contas.

“O Foro de São Paulo está empenhado em reparar os direitos trabalhistas violados e enfrentar as políticas neoliberais que ignoram as históricas conquistas sociais e a precarização do trabalho, sempre defendendo ou reconhecendo a estabilidade do emprego e salários dignos. Na luta pela atribuição de salário igual para trabalho igual para homens e mulheres, bem como a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais para o mesmo salário”, observa o texto.

Mudanças climáticas e meio ambiente

O FSP defende que, para alcançar uma América Latina e Caribe ecologicamente sustentável, é preciso:

Outro ponto destacado na questão ambiental latino-americana e caribenha é a realização da reunião da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30)  em Belém (PA), em 2025. Para o FSP, a escolha de uma cidade amazônica será uma oportunidade para que partidos, movimentos e governos progressistas da região participem da disputa dessa agenda a partir de uma perspectiva crítica sobre o sistema capitalista e demonstre os saberes e avanços na construção de uma consciência humana voltada para o desenvolvimento sustentável e baseada nos valores do bem viver.

“O FSP está comprometido com iniciativas governamentais, movimentos sociais, povos e organizações indígenas, afrodescendentes e populares, a fim de reverter os danos causados ??à Amazônia e trilhar um caminho de reparação para sua preservação”, afirma o documento.

China, América Latina e Caribe

O FSP destaca que a cooperação entre a América Latina, Caribe e China não é nova e que a tendência é que se expanda no futuro. Esses laços, antes limitados em grande parte ao intercâmbio tecnológico e comercial, agora deram um salto qualitativo na arena política.

“A China representa um fator de estabilidade e equilíbrio para a região da América Latina e Caribe, manifestado na defesa de dois princípios do Direito Internacional, em particular a não ingerência nos assuntos internos dos dois países latino-americanos e caribenhos, que, além disso, têm prestado cooperação sem condicionamento político”, ressalta o texto.

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