Nove detentos conseguiram sair de um presídio na Grande BH durante banho de sol
Por Isabela Abalen – 0 Tempo

Detentos escaparam por buraco em grade no pátio de sol da penitenciária de Santa Luzia I — Foto: Reprodução
whatsapp

Detentos
A fuga de nove detentos do presídio Santa Luzia I, na região metropolitana de Belo Horizonte, durante o banho de sol nessa quinta-feira (29 de fevereiro), acendeu um alerta sobre a segurança do sistema prisional em Minas Gerais. A cadeia está localizada em um bairro residencial, entre uma escola e uma unidade de saúde. Por fora, os muros se misturam e é difícil saber onde acaba o presídio.
Os criminosos abriram um buraco na grade e, num momento sem vigia no pátio, escalaram em si mesmos como em uma pirâmide humana e escaparam por dentro do lote escolar. Especialistas em segurança pública avaliam que o caso chama atenção por denunciar a fragilidade da segurança e expor o descontrole da situação dentro dos presídios. O perigo é a fuga em Santa Luzia motivar outros detentos a fazerem o mesmo.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), no ano passado, foram registradas 28 ocorrências de fuga em cadeias, isto é, uma média de duas por mês. O Depen não informou quantos detentos escaparam nem quantos foram recapturados. Este ano, apesar de ainda não haver dados consolidados, dois casos foram noticiados dentro das últimas duas semanas. Antes da fuga em Santa Luzia, no dia 16/2, dois presos fugiram do presídio de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri.
Conforme a pasta de Justiça do Estado, os homens fugiram por “transposição de barreira” (a Sejusp não detalhou como) enquanto aguardavam atendimento jurídico. “São sinais preocupantes de deterioração da gestão prisional em Minas. Quando as fugas começam a ficar recorrentes, é sinal de que alguma coisa vai mal, isso não é comum. O Estado tem investido na contratação de pessoal e em equipamentos de vigilância. Então, de alguma forma, esses indicadores preocupam. É um sinal amarelo de piora na segurança das unidades”, avalia o especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori.
O pesquisador, que também é sociólogo, reforça que é preciso uma investigação para avaliar se não houve algum tipo de facilitação na fuga dos nove detentos em Santa Luzia. No momento em que eles escaparam, ninguém vigiava os presos. “A deficiência da estrutura física dos presídios, as falhas no sistema de proteção, no sistema de vigilância, já são graves por si só. Existe um protocolo de segurança que precisa ser cumprido e que impossibilita as fugas. Agora, no caso de Santa Luzia, é muito estranho. Não existe banho de sol sem vigia. Precisa ter algum agente, algum policial penal atento, mesmo que com déficit de pessoal. Isso é algo a ser investigado pelas autoridades”, afirma. No presídio Santa Luzia I, existe uma guarita, mas sem um notável esquema de segurança ou vigilância monitorada por câmeras.
Cada nova fuga influencia outros detentos a tentar a sorte
O Sindicato dos Policiais Penais de Minas Gerais (Sindppen-MG) se pronunciou logo após a fuga dos nove detentos em Santa Luzia – até o momento, três foram recapturados. O órgão sindical apontou a precariedade do sistema penitenciário mineiro e disse que as fugas podem se tornar rotineiras devido ao déficit de profissionais da segurança. “Não temos policiais penais suficientes para manter a ordem”, afirmou o presidente sindical Jean Ottoni ao O TEMPO.
A reação em “onda” de novas tentativas de escape dos presídios também é uma preocupação do especialista Sapori, mas por outros motivos. “Fugir está sempre na perspectiva de um preso, não necessariamente pela situação da unidade prisional. Em Mossoró, por exemplo, não existe superlotação, mas conseguiram escapar”, diz, citando a fuga de dois detentos da penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, no início do ano. Para Luiz Flávio Sapori, o problema é a influência de uma fuga de sucesso dentro das cadeias.
“Não há dúvida que isso crie um estímulo para presos de outras unidades. Notícias de fuga circulam rápido. Se deu certo, significa que há falha. Outros detentos podem estar buscando alternativas e oportunidades de também saírem de onde estão. É um alerta para que o sistema de segurança nos presídios de Minas seja reforçado”, analisa.
“Quem quer ficar em uma cadeia superlotada, sem higiene, precarizada?”, questiona Conselheiro da OAB
A irmã de um detento do presídio Santa Luzia I conversou em anonimato com a reportagem de O TEMPO e desabafou que o interior do presídio é pequeno e possui condições insalubres. “A cada 15 dias visito o meu irmão. O espaço é muito apertado, as celas são pequenas. Tanto, que sempre tem detento sendo transferido. No lugar, não cabe mais ninguém”, reclamou.
De fato, de acordo com o Conselheiro da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), William Santos, que realiza visitas ao local com frequência, a sensação que se tem é de uma unidade abandonada. “As condições são péssimas. Quem vai lá, mesmo que como visita, como advogado, se assusta. É um presídio muito pequeno, abafado. Com frequência, recebemos denúncias de familiares de detentos, dizendo que o parente não está com condição mínima de higiene, que está revezando para ficar em pé na cela, que a comida servida está estragada”, diz.
Santos afirma que a má condição das cadeias acaba por provocar ainda mais a vontade de fuga dos detentos e que, por isso, a melhoria do sistema prisional mineiro também é uma forma de evitar violações. “Quem quer ficar em uma cadeia sem estrutura, superlotada, sem higiene? Agora, com esse calor que está fazendo, está pior ainda. O sistema está precarizado, em todo o sentido. Às vezes, nem a lei de assistência médica e jurídica é seguida”, denuncia.
O Depen-MG administra 172 unidades prisionais em todo Estado, e tem sob sua custódia cerca de 60 mil presos. Para o conselheiro da OAB, o Estado deveria ampliar e investir no modelo de Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), que é focada na recuperação e reintegração social, com assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica.
Posicionamento da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sejusp)

Minas Gerais faz a gestão de mais de 60 mil presos diariamente com o planejamento e execução de ações de segurança para atividades como movimentações internas, saídas para banhos de sol, audiências, atividades de ressocialização, visitas familiares, videoconferências, entre muitas outras.

O trabalho de manutenção da ordem e garantia da segurança no intramuros, de forma a contribuir com todo o sistema de segurança do Estado, é complexo, detalhadamente descrito por normas, planejado e fiscalizado, além de prioritário para o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG).

As fugas ocorridas nas unidades de Teófilo Otoni e Santa Luzia seguem sob investigação e são tratadas como fato isolado e pontos de melhoria pelo Depen-MG.

O sistema prisional está em momento de importantes conquistas, como o investimento histórico de R$ 74 milhões em obras de ampliação e reforma, que vão melhorar o ambiente de trabalho dos profissionais e dos custodiados que estão cumprindo pena. Mais de 3.500 novos policiais penais também deverão ser empossados nas próximas semanas, após concurso homologado no último mês e que, inclusive, teve acréscimo de 1.358 novas vagas das inicialmente previstas.

Sobre os trabalhos de ressocialização, cabe destacar que o Estado é novamente, o primeiro lugar nacional em número de parceiros privados que empregam detentos, segundo dados do Selo Resgata, do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois − 1 =