Como esse mundo dá voltas! Nos anos 70, do século próximo passado, vereador, vivi problema semelhante. Um par quis concentrar todas as casas das raparigas de Montes Claros num único local. Saí em defesa delas e, felizmente, a Câmara à qual eu tive a honra de pertencer, também não acolheu essa tese discriminatória.

Em minha feliz juventude em minha aldeia, Montes Claros, a cidade que tem o povo mais “amigueiro” do Brasil, havia dois viados antigos, cozinheiros, chamados “seu” Leopoldo e “João Cozinheiro”. “Seu” Leopoldo era um cavalheiro. Trabalhou na firma chamada Vieira & Cia, da qual meu pai era sócio. Cozinhava com maestria. Era solitário e muito individualista. Trajava ternos maravilhosos, usava gravatas borboletas e seus sapatos, de tão limpos, brilhavam. Leitor assíduo de revistas e jornais conversava, mesmo falando errado, até sobre política internacional. Tinha o hábito de visitar, com toda cerimônia, os amigos. João Cozinheiro, muito humilde, era o viado típico de nossa cultura, ou seja, o viado “curraleiro”, sertanejo e popular. Tinha sua casinha, na Av. Cel. Prates, onde morreu, velhinho. Alma boa, caridoso, sempre sorridente, respeitava a todos e era por todos respeitado.

Havia outro gay, também cozinheiro. Trabalhava no “Espeto de Ouro”, restaurante de Zé Amorim. Era o nosso querido Olguinha. Gente finíssima. Por incrível que pareça, Olguinha foi contratado pela Cowam, do saudoso Walduck Wanderley. Saulo, irmão de Walduck, hoje dono da empresa, me contou que Olguinha mudou sua opção sexual, casou-se e teve filhos. Fica, pois, destruída a clássica teoria de que não existe ex-viado. Olguinha, para nossa tristeza, faleceu em 2006.

Ao que me consta, a primeira pessoa que assumiu publicamente sua sexualidade, em MOC, foi Nilsinho. Não era cozinheiro. Bonitão, cabelos a Elvis Presley, muito bem trajado, rebolava em plena via pública e, quando assoviávamos, deslumbrava-se e parecia uma libélula voando pelas ruas da cidade.

A partir dos anos oitenta, do século passado, foi um Deus nos acuda. Os viados de minha aldeia se assumiram. Surgiram inúmeros nas famílias mais abastadas, inclusive na minha. Viados ricaços. Viados remediados. Viados pobres. Viados brancos. Viados negros. Viados mulatos. Viados cultos. Viados analfabetos. Viados alfabetizados. Viados, enfim, de todo tipo. Gente que nunca imaginávamos. Isso foi, sem dúvida, uma demonstração de honestidade. Anti-social seriam nossa intolerância e a falsidade, a hipocrisia, a dissimulação, a concupiscência e o “mau caratismo” dos que optaram por uma existência gay.

Quando meu filho, então com quatorze anos, perguntou-me o que eu desejaria que ele fosse, na vida, dei-lhe a seguinte resposta:

— Não me cabe decidir seu futuro, mas só te peço uma coisa: não seja bicha escrota.

Quer dizer, já nos anos 80, despido de preconceitos, ensinei, em outras palavras, a meu próprio filho, que ele poderia ser até viado, mas nunca escroto. Que era necessário ter ética, moral, até para dar o botão aos outros, como fizeram “seu” Leopoldo, João Cozinheiro e Olguinha, exemplos de cidadãos dignos, trabalhadores e honestos.

Em minha aldeia, de uns tempos para cá, todo ano acontece a já famosa e badalada Parada GLBTS (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Simpatizantes). É, meus caros leitores, “minha terra” já “tem palmeiras” onde canta o orgulho gay. São os inexoráveis novos tempos. Nada a ver com Sodoma e Gomorra. Quem tem alguma coisa contra os gays que se conforme e caia na real, sob pena de se tornar retrógrado, anacrônico e sem lugar no mundo. Carregávamos, pela história, a fama de terra de homens valentes, machos e destemidos. O mundo mudou. Não podemos nem devemos ser intolerantes e preconceituosos. Que Deus abençoe todos os viados, lésbicas, bissexuais, transexuais e simpatizantes do orgulho gay de minha aldeia! Desejo a eles todo o sucesso do mundo, na IV Passeata, e até ouso fazer-lhes uma sugestão: elejam João Cozinheiro patrono do orgulho gay de Montes Claros.

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