Em ebulição após a vitória eleitoral do Reunião Nacional na eleição europeia, a França vê uma série de jogadores se posicionando contra o avanço do partido de Le Pen
Formada por imigrantes ou filho de imigrantes, a seleção francesa irrompeu, na última semana, contra a extrema-direita do país, em meio a campanha eleitoral para as eleições legislativas antecipadas, ainda que haja uma confusão política nas ideias políticas da seleção azul. A França estreia nesta segunda (17) na Eurocopa contra a Áustria, em Düsseldorf (Alemanha).
Neste domingo (16), o astro dos bleus e do futebol mundial, Kylian Mbappe, rechaçou a Reunião Nacional (Rassemblement National, na sigla em francê), partido de extrema-direita, ao definir o momento político na França como “crucial na história do país”.
O novo craque do Real Madrid, no entanto, revelou alguma inocência política ao equivaler a Nova Frente Popular (Nouveau Front Populaire), a coligação de partidos de esquerda formada para enfrentar a RN, com a extrema-direita.
No penúltimo domingo (9), o presidente francês Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional ao ver a lista de candidatos do seu partido, o Renascença (Renaissance, em francês), obter menos da metade do assentos conquistados pelos neofascistas nas eleições europeias.
O bloco formado pelo RN, de Marine Le Pen, teve 31,4% dos votos, enquanto a coligação do Renascença somou 14,6% dos votos.
“Espero que façamos a escolha certa e espero que ainda estejamos orgulhosos de usar esta camisa em 7 de julho. Não quero representar um país que não corresponda aos nossos valores. Acredito e espero que todos estejamos na mesma página”, afirmou o craque.
Quando perguntado sobre as posições do seu companheiro Marcus Thuram, que neste sábado (15) se tornou o primeiro selecionado francês para a Eurocopa a criticar abertamente a RN, Mbappe afirmou que compartilha dos mesmos valores do que o atacante Internazionale de Milão.
“Eu compartilho dos mesmos valores do Marcus. Falei de valores de diversidade, de tolerância, de respeito. É claro que estou com ele nessa, e não acho que ele exagerou “, disse Mbappé.
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No dia anterior, o filho do zagueiro campeão do mundo de 1998, Lilian Thuram, disse que “é preciso lutar para evitar” uma vitória do partido do RN.
“Penso que a situação é triste e muito grave”, disse Thuram durante coletiva de imprensa da seleção, dois dias antes da estreia dos Bleus na Eurocopa. “Temos que dizer a todos para irem votar e que lutem diariamente para evitar uma vitória do RN”, acrescentou o atacante do Inter de Milão.
Mais tímidos em seus posicionamentos político, outros três veteranos da seleção francesa também fizeram protestos velados contra a extrema-direita do país.
Nesta quinta (13), o ponta-direita Ousmane Dembelé, do Paris Saint-Germain, convocou os franceses a irem às urnas para as eleições legislativas antecipadas e chegou a concordar com o jornalista que havia classificada a RN como racista.
“Quanto à situação na França, os alarmes soaram. Acho que precisamos nos mobilizar para votar. Recentemente, olhei o noticiário das 13h e vi que metade dos eleitores não tinha ido votar. Quero dizer às pessoas: vão votar”,disse Dembelé.
Nas eleições europeias de 2024, a abstenção na França alcançou 48,51%, o nível mais baixo desde 1994.
Os jogadores selecionados do treinador Didier Deschamps e todo o staff técnico tiveram a oportunidade de votar nas eleições europeias uma vez que a Federação Francesa de Futebol (FFF, na sigla em francês) organizou um sistema de votação por procuração.
Na sexta (14), os veteranos e campeões do mundo em 2018, Olivier Giroud e Benjamin Pavard fizeram pronunciamentos ainda mais velados, ainda que inquietantes.
“Serei breve, isto não tem impacto na nossa preparação”, disse o atacante Giroud, do Milan. “Se tenho um conselho a dar é: vote. A taxa de abstenção de 50% não é normal. Não vou dar detalhes sobre minhas inclinações políticas nem nada, estou aqui para falar de futebol”.
Comentário quase idênticos também feitos alguns minutos antes por Benjamin Pavard. “Não estou aqui para julgar as pessoas, existe o direito de votar, todos deveriam ir votar, jovens, idosos, idosos”.
Outros atletas, no entanto, tentaram fugir da polêmica. O meio-campista Eduardo Camavinga disse que não tinha pensado sobre as eleições europeias; o zagueiro Dayot Upamecano optou pelo clichê “prefiro falar de futebol”; e o atacante Kingsley Coman afirmou que a equipe estava tentando se concentrar “e não falar de política”.
Inocência política de Mbappé
Apesar das falas claras contra a extrema-direita, que rememoram os tempos em que futebol foi utilizado como um dos espaços de enfrentamento à direita radical na França, Mbappé derrapou no discurso ao fazer uma falsa equivalência entre a RN e o novo bloco de esquerda.
“Hoje vemos muito claramente que os extremos estão às portas do poder e temos a oportunidade de escolher o futuro do nosso país”, disse o craque.
De acordo com uma pesquisa publicada no último sábado pela Cluster 17, a Reunião Nacional possui 29,5% das intenções de voto nas eleições legislativas antecipadas, seguida de perto pela Nova Frente Popular, com 28,5%.
Já o bloco apoiado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, o Renascença, desponta apenas como a terceira força eleitoral do pleito com 18% das intenções de voto.
“Kylian Mbappé é contra os extremos, contra ideias que dividem”, disse o francês, após ser questionado pelo repórter se o apelo é acima de tudo a não votar na RN. Sua fala foi, no entanto, criticada por torcedores que esperavam uma crítica mais direta ao Reunião Nacional, o partido de ultradireita liderado por Marine Le Pen.
A opção de Mbappé por não atacar diretamente a ultradireita lembra a do próprio Macron. O presidente francês costuma dizer que é contra radicalismos de ambos os lados do espectro político para conquistar as franjas moderadas dos dois polos.
“Sim, nós conversamos e ele me deu bons conselhos. Quando se é uma figura nacional, há direitos e deveres e temos de assumir tudo o que somos enquanto jogador e homem”, disse Mbappé, em 2022, sobre sua relação com Macron, confirmando o contato com ele e a sua influência sobre a sua carreira naquele ano.
Em ano de Copa, o presidente francês trabalhou nos bastidores para manter o craque no Paris Saint-Germain, time da capital, em meio às eleições de 2022.